22/03/2016
Crónica de um português que vive na
Bélgica.
“Nunca digas
nunca.” Aprendi com os meus pais esse provérbio que assentou na minha vida como
uma luva, não muito diferente daquela que hoje me protege do frio no Inverno
belga.
“Antuérpia é a
cidade mais feia que vi até hoje.” Foi desta forma que expressei o que os meus
sentidos me diziam aquando de uma breve passagem pela cidade dos diamantes.
Mas o destino tinha algo preparado para
mim, e dois anos depois fui viver para a maior cidade da Flandres. Nela,
diziam, falava-se mais de 99 línguas e dialectos, e havia uma enorme
diversidade cultural, artística e de diferentes credos.
Enquanto outros colegas de trabalho
procuraram o lado mais in de Antuérpia, no Sul, eu decidi assentar no Norte, em
Borgerhout — também conhecido como Borgeroco devido à vasta população
marroquina.
Muçulmano que sou, apesar de nascido no
Moçambique português e criado em Portugal, fui à procura dos recantos que me
ofereciam um pouco da cultura que me completa.
A proximidade da comida halal e os locais
de culto foram os factores determinantes. “Como consegues viver nessa zona?”,
perguntavam-me os meus colegas. E eu respondia: “Da mesma forma que tu convives
comigo, sem preconceitos e sem medo.”
Sentia-me seguro, tanto no Norte como no
Sul. A mesma cidade que eu tinha achado feia deu-me uma verdadeira lição de
integração e de tolerância.
As explosões desta manhã em Bruxelas
tocaram fundo em vários corações — no meu, no dos belgas e no da Europa, que vê
a sua capital atacada de forma brutal, e no daquela maioria, muçulmanos ou não
muçulmanos, que está do lado do bem.
Milhares de pessoas como tu e como eu
partiam para mais um dia de trabalho quando as vidas de alguns se extinguiram
para sempre num breve momento. Muitos outros vivem agora rodeados de medidas de
segurança, enquanto os seus filhos esperam a hora certa para voltarem a casa.
Os belgas que aprendi a conhecer e a ver
tão relaxados, apesar de terem sido dos povos mais invadidos neste mundo, estão
agora apreensivos. Contra este mal não parece haver cura iminente, e o vírus
continua a espalhar-se.
O meu receio não é só o das explosões, mas
também das bombas que vão caindo das bocas daqueles que tanto têm de vítimas
como de ignorantes. O receio do que os meus filhos possam ouvir na escola, o
impacto do que isso possa ter na vida deles — os meus filhos, ainda mais do que
eu, cidadãos europeus.
A raiz de uma oliveira nunca dará um
cacto, portanto a raiz do Islam (salam — paz) não pode resultar em guerra.
Responsável Comunicações Internas de TI na
Opel Europa
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