Quando avança para a estratégia de derrubar o Executivo, António Costa tinha três grandes objetivos:
Formar
governo com o apoio parlamentar formal do PCP, PEV e do Bloco de Esquerda — o
que conseguiu a 26 de novembro de 2015;
Executar
uma política orçamental assente no rigor (as famosas «contas certas»), virar a
página da austeridade (subindo os salários, mas também os impostos indiretos) e
reverter as privatizações da TAP, Carris e Metro de Lisboa;
Contestar a saída limpa do programa de austeridade.
Este último ponto já tinha sido uma das grandes linhas de combate político do PS de António Costa durante a campanha eleitoral para as legislativas de outubro de 2015. E que continuou com os socialistas no poder, mas de uma forma muito pouco usual.
Apenas
18 dias após tomar posse, a 14 de dezembro de 2015, o primeiro-ministro escreve
uma carta confidencial a Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia,
e a Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu. A missiva insistia que a
saída limpa – que a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário
Internacional tinham aprovado em maio de 2014473 –
era uma fraude.
«Em maio de 2014 [altura da saída limpa], as autoridades portuguesas reclamaram poupanças com o pacote financeiro de 2011 destinado a funcionar como back stop do setor financeiro. Na sequência dessa decisão, o terceiro [Novo Banco] e oitavo [BANIF] maiores bancos estão em processo de resolução. Este não é o futuro que vislumbrámos para a economia portuguesa e, tenho a certeza, que as autoridades europeias também não vislumbram o mesmo cenário para a Europa.»474 E continua:
«As experiências anteriores foram baseadas em recapitalizações intermináveis e auxílios estatais que se mostraram ineficientes para trazer as operações do banco para a zona de lucro e restaurar a capacidade de empréstimo bancário ao setor privado.»475
Ou seja, as linhas de financiamento da troika abertas para o sistema financeiro de nada tinham servido.
A carta era do primeiro-ministro de Portugal, mas o tom ainda era de campanha eleitoral. O problema é que aquela não era uma carta para deixar na caixa de correio de eleitores portugueses como propaganda política. Era uma carta formal dirigida às principais autoridades europeias com uma mensagem inicial alarmista: o sistema financeiro português não estava bem, daí que Costa quisesse «partilhar» as suas «preocupações» com Juncker e Draghi.
As «questões prementes do sistema financeiro» que o seu Governo («que tomou posse há duas semanas») estava a enfrentar eram duas:
O Novo
Banco tinha falhado os testes de esforço do BCE e precisava de reforçar os
capitais em 1,4 mil milhões de euros;
O BANIF entrara em processo de pré-resolução e o Fundo de Resolução não tinha mais fundos para financiar essa operação.
A isto
acrescentava-se a questão do crédito malparado dos maiores bancos portugueses,
nomeadamente os non-performing loans (em
termos genéricos, trata-se de crédito sem pagamento do serviço de dívida há
mais de 90 dias) do setor imobiliário, que o primeiro ministro dava a entender que
não era conhecida na realidade. «Avaliar a extensão total do crédito malparado
e a exposição ao setor imobiliário nos balanços dos bancos portugueses é da
maior importância», lê-se na missiva.476
A
carta de António Costa também tinha outro sinal político importante:
sinalizava
que o seu Governo iria ser claramente interventivo na relação entre o sistema
financeiro, as empresas e os mercados — contrariando a linha neutral do Governo
de Passos Coelho. Um pouco à semelhança de José Sócrates, Costa queria ter uma
voz de comando nos negócios.
Daí
que propusesse a Juncker e a Draghi um encontro urgente nos dias seguintes,
para «definir uma estratégia de uma intervenção global no sistema financeiro,
os calendários da capitalização e da venda do Novo Banco e do BANIF e a situação
financeira do Fundo de Resolução». O próprio António Costa prometia mesmo um «envolvimento
pessoal» para atingir os objetivos a que se propunha.477
A missiva do primeiro-ministro foi escrita e enviada sem o conhecimento do governador do Banco de Portugal. Carlos Costa só teve conhecimento da mesma através do Banco Central Europeu.
«Essa carta, em suma, dizia que o sistema financeiro português estava muito mal, pondo em causa todas as instituições que o tinham acompanhado desde maio de 2011. Colocava em causa tanto o Banco de Portugal, como a troika [FMI/BCE/Comissão Europeia], que tinha acabado de ter dado luz verde à saída limpa. Também colocava em causa o Mecanismo Único de Supervisão que era responsável pela supervisão, desde 4 de novembro de 2014.
Para os bancos portugueses uma tal carta, para lá de um agravamento muito significativo da desconfiança das autoridades europeias com relação à situação do sistema bancário português, induzia o risco de um parti pris negativo por parte de Frankfurt e de Bruxelas. É muito provável que os supervisores tenham acentuado a sua atitude de prudência e, assim, tenham passado a exigir maiores rácios de capital, no âmbito do exercício designado por SREP, e a evidenciar uma menor abertura no diálogo com os bancos portugueses, nomeadamente no diálogo estabelecido ao nível das equipas conjuntas de supervisão que acompanhavam cada um dos bancos significativos. O que se entende. De facto, a carta tinha posto em causa a avaliação de risco que tinha sido feita até àquele momento.»478
"Carlos Costa foi muito corajoso. O caso BES não foi questão de falha de supervisão"
Antigo ministro das Finanças no governo de José Sócrates - com quem não fala há anos - defende o ex-governador do Banco de Portugal e não vê que haja sinal de conspiração no livro O Governador. "É um testemunho" de alguém que "nos merece respeito", sublinha Teixeira dos Santos. E deixa elogios ao trabalho feito por Passos Coelho. "Não foram sacrifícios em vão; o país ficou mais forte", garante.
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