segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Quem me dera cá o tempo

                                              Nota Introdutória (2)

JORGE LAGE
Os capítulos dão corpo aos grandes temas e os textos inéditos dos autores e as notas curriculares apresentam-se por ordem alfabética. A riqueza dos textos, em prosa e em verso, está na qualidade literária e etnográfica e na diversidade geográfica, percorrendo uma escala etária entre 30 e os quase 100 anos, avivando memórias e tradições que se estendem até aos períodos mais recuados dos saberes geracionais.

Aos escritores participantes e a todos os que contribuíram para que este livro seja uma realidade sinto-me reconhecido. Mas, quando estou prestes a finalizar um livro, começam as incertezas, o sofrimento e o desânimo por não saber como vai ficar a obra final e como será aceite pelo público, neste caso, também pelos autores. Quando o livro é paginado, até ser apresentado ao público, demora sempre um mês e meio a dois meses de trabalho de sapa e criativo.

A todos os que deram o seu contributo estou agradecido, em particular ao escritor, Virgílio Alberto Vieira, e aos investigadores, Ernesto Português, Armando Palavras, e aos «fotógrafos», Prof. José Manuel Campos e Emília Mena e ao traço criativo de Sebastião Reis.

Ao académico mirandelense, Telmo Verdelho, agradeço-lhe o ter aceite lavrar com mestria, o douto e literato Prefácio que se assume como um selo de certificação, dando a conhecer escritores que cantaram ou promoveram o «fruto dos frutos» (citando Miguel Torga), desde a antiguidade clássica aos nossos dias.

Com variadas participações, pretende-se que as fotografias sejam um complemento ilustrado dos textos, convidando à sua narrativa.

A crítica literária, Professora Júlia Serra, lavrou generosas recensões dos últimos quatro livros sobre a Castanha e, à guisa de apêndice, incluímo-las no final desta obra, sendo um modo de se saber mais com estes trabalhos monográficos e etnográficos da memória imaterial da castanha. Só em vocabulário castanhícola, maninho aos ditames dos dicionaristas, registei várias centenas de vocábulos. No registo de variedades de castanhas, enxerta e bravas, arrolei para além das duzentas. Outro trabalho exaustivo foi a inventariação de topónimos ligados à castanha e a criação de mapa nacional mostra-nos a importância da castanha em Portugal ao longo dos séculos.

A capa deve ser sempre um marco importantíssimo da criatividade editorial, agradecendo à Teresa Rebelo (do Manuscrito Histórico – Lisboa) o ter-me facultado a raríssima e antiga imagem da castanheira da capa e uma memória dos costumes de Lisboa do passado.

Aos Municípios de Bragança e Proença-a-Nova por apoiarem esta obra de promoção da castanha e do castanheiro nos seus territórios, tendo consciência da sua importância para a fileira dos frutos de casca dura e para a memória imaterial associada.

Agradeço ao designer Romão Figueiredo pelo empenho no arranjo gráfico e elaboração da capa.

Foi uma procura de saberes etnográficos e gastronómicos sobre a castanha e o castanheiro do «souto lusitano», prolongando-se por duas décadas e desejando memorar e promover a biodiversidade, os usos e costumes castanhícolas e a ruralidade de um país maravilhoso, no seu rincão, nas suas gentes e na sua história.

Obrigado a toda a colaboração e incentivo, nesta grande caminhada que não foi mais que semear trabalho e colher embelgas de escrita e enriquecimento interior, que, também, se estenderá a autores e leitores. Uns e outros invocaremos outros tempos, diacrónicos e sincrónicos, estes últimos acontecem, anualmente, pelo tempo das castanhas e dos magostos. Pois então, neste tempo de pandemia, podemos murmurar: «Quem me dera cá o Tempo»! 

Jorge Lage

2 comentários:

  1. IN MEMÓRIAS DA MARIA CASTANHA

    Trava -Línguas

    Descasca a castanha
    Muito bem descascadinha,
    Verás que dentro da casca
    Há outra casca castanha clarinha.

    (Recolha de Manuela Rodrigues, Vieira do Minho)

    Adivinhas

    Tenho camisa e casaco
    Sem remendo nem buraco
    Estoiro como um foguete
    Se alguém no lume me mete.

    Tem casca bem guardada
    Ninguém lhe pode mexer
    Sozinha ou acompanhada
    Em Novembro nos vem ver.

    Sou um cofre fechadinho,
    Todo coberto de espadas,
    Moro no colo poisante
    De meu pai qu`é um gigante,
    Co`muitas mãos e lançadas.

    (João Miranda, Lapa dos Dinheiros, c. de Seia)

    De Jorge Lage

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  2. DO TEMPO DA MARIA CASTANHA -In Memórias da Maria Castanha

    Conta-se na Galiza e em alguma fronteira raiana lusa que em tempos muito antigos terá havido uma personagem feminina, ao jeito da mítica, bela e providencial castanha, chamada «Maria Castanha».
    Associado a esta lendária personagem ficou o dito: «Do tempo da Maria Castanha».
    Este dito, segundo corre na Galiza, poderá ter a sua origem numa heroína do século XIV, conhecida por Maria Castanha. Esta terá sido cabecilha ou testa de ferro numa revolta contra o bispo de Lugo, Frei Pedro Lopes de Aguiar, pelos abusos na cobrança de impostos ao povo.
    O Padre Risco, no livro «España Sagrada», afirma que Maria Castanha e os seus filhos confessaram terem morto o mordomo e cobrador do bispo, Francisco Fernández , em Terras de Lemos (a sul do Lugo).
    Arrependidos do crime e como acto reparador, deram os seus bens, em «Coto de Cereixa», à igreja, bem como mil maravedis**, prometendo não prejudicar mais os cobradores do bispo e colaborar com eles, caso preciso fosse.
    Embora a sua existência real seja questionada por alguns, o Padre Risco refere que a data de 18 de Junho de 1386, foi quando a mulher de Martin Cego, Maria Castanha, e os filhos Gonçalo e Afonso, confessaram os crimes.

    Outros mais cépticos, dizem que esta mítica personagem pertence, apenas, ao mundo da fantasia e do irreal.
    Seja como for, esta lendária e lutadora figura do povo faz parte do imaginário popular e até poderá ter raízes imateriais em tempos mais recuados e pré-cristãos, representando uma faceta singular dos direitos da arraia-miúda contra os desmandos das classes dominantes.
    Hoje emprega-se ou invoca-se a expressão, «nos tempos da Maria Castanha», para referir tempos antigos, ou muito antigos ou mesmo nebulosos.
    (...)
    ** Maravedi ou morabitino, moeda antiga de origem árabe, criada pelos Almorávidas e que com a Reconquista Cristã passou a ser cunhada pelos reinos cristãos.
    De Jorge Lage

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