domingo, 25 de outubro de 2020

Quem me dera cá o tempo- Antologia da Maria Castanha

 Há cerca de ano e meio que o Doutor Jorge Lage tem reunido textos de autores nacionais, com plano de fundo o tema das castanhas e dos castanheiros. Estes textos deram origem a uma antologia a que deu o nome Quem me dera cá o tempo- Antologia da Maria Castanha. Tivemos acesso à nota introdutória do autor, e ao prefácio elaborado pelo Professor Telmo Verdelho. Por serem extensos serão publicados fraccionados durante a próxima semana.

NOTA INTRODUTÓRIA

 

JORGE LAGE

O estudo da Castanha e do Castanheiro aconteceu porque, em finais do século XX, havia uma lacuna confrangedora nas feiras temáticas da castanha, em Trás-os-Montes, onde quase só se podia comprar castanha em verde. Então, estas feiras da castanha levaram-me a solicitar em jornais que a castanha devia ser apreciada nesses eventos, tanto mais que os vizinhos galegos já a promoviam com grande pompa.

Como desconhecia publicações sobre a gastronomia da castanha, pensei em compor um caderno de receitas, que incentivasse os lares e a restauração. Para tal, socorri-me, sobretudo, dos Clubes da Floresta e do PROSEPE (Projecto de Sensibilização e Educação Florestal da População Escolar, da Universidade de Coimbra), concebido e dirigido pelo Professor Luciano Lourenço. Neste Projecto Educativo trabalhei, como voluntário, durante mais de 20 anos, e só terminou porque tinha grandes forças adversas (os lóbis: florestal e indústria de incêndios) que o bloqueavam nos apoios ao mais alto nível governativo, desde algumas direcções-gerais das Florestas/ICNF e ministérios (incluindo o staff de alguns ex-Primeiros Ministros). Foram precisas as grandes tragédias nacionais dos incêndios para os políticos se envergonharem de pouco ou nada fazerem.

Recebi imensas receitas e, em vez de um caderno, editei um modesto livro (A Castanha Saberes e Sabores), com três edições. Foi muito importante o apoio do Município de Valpaços (ex-Presidente, Eng. Francisco Tavares). O livro teve imensa procura, chegando à Escola Superior de Hotelaria do Estoril e outras, bem como à restauração. Nunca mais parei, sendo esta Antologia da Castanha o sexto título.

Penso encerrar este trabalho solitário, árido e duro, com esta Antologia, reunindo escritores ligados ao país castanícola e de diferentes níveis sociais. Foi pedido aos mais de 80 autores «um texto curto e inédito, sobre o tema da castanha/castanheiro, que eleve quem o escreveu e enriqueça os que o lerem».

A escolha dos antologiados desta assembleia de escrita foi pensada, num primeiro momento, para reunir um grupo de escritores oriundos do mundo castanícola, pelas raízes e/ou pelo posicionamento geográfico. A lista foi-se desenhando. Foi feita como quem vai a um pomar colher maçãs e só quando a cesta está quase cheia se apercebe que vamos ter de deixar lá alguma fruta que também gostaríamos de colher. Assim, alguns que poderiam (deveriam) ter sido «colhidos», já não «couberam na cesta» e espero que compreendam. Haverá mais projectos.

A castanha é um fruto mágico que acompanhou a Humanidade desde o Paleolítico, utilizando-se a nobre madeira e alimentando-se da generosa castanha. Numa grande entrevista que dei ao jornal Sol[1], conduzida por José Cabrita Saraiva, este destacava na primeira página o que entendo que a Castanha representa para o Homem: «Se não fosse a castanha, não estaríamos no mesmo ponto civilizacional».

Grande transmontano!

A entrevista pode ser consultada aqui.


As castanhas marcavam o tempo, «o tempo das castanhas», em que a Natureza dava ao Homem um dos últimos frutos do ano. Era a colheita por excelência, até há pouco mais de um século atrás. Por isso «Quem me dera cá o Tempo»... O tempo da «Maria Castanha», das celebrações festivas para os nossos antepassados celtas, com castanhas e vinho. O nosso tempo, passado ou do provir.

Hoje, o nosso país rural castanhícola ou serrano não teria a mesma demografia se não fossem os proventos que aforra na venda da castanha. Na transformação paradoxal, mais alimento dos pobres, passou para uma iguaria nobre, a saborear de mil e uma maneiras.

Aos escritores que aceitaram o desafio de lavrarem os textos antológicos, com engenho e saberes diversos, o meu agradecimento. Este trabalho pretende ser mais um contributo para a ruralidade, que, em muito, compõe a cunho matricial da nossa identidade nacional e de promoção da «árvore-do-pão» e do «pão das serras».

Um punhado de convidados foi desafiado a escrever em mirandês, para carregarem a mensagem que a nossa riqueza linguística e lexical ali tem um sólido pilar. É um são desafio e se não compreenderem o mirandês faremos a necessário ponte.

(Continua)

[1] Jornal Sol, edição n.º 703, de 15 de Fevereiro de 2020, na secção Cultura, «Jorge Lage, especialista na História da Castanha em Portugal», pp. 1 e 36-38.


1 comentário:

  1. ...e cada vez que comer uma saborosa castanha assada, lembrarei sempre o excelente trabalho (e canseiras) de Jorge Laje que tão bem as deu verdadeiramente a conhecer a todos nós. Um grato abraço!

    ResponderEliminar

"Diziam os Antigos" esgotou primeira edição

Tivemos hoje a boa noticia qua anunciamos: "Diziam os antigos", livro do Doutor Jorge Lage, esgotou a 1ª edição!   Lançamento do...