NOTA
INTRODUTÓRIA
JORGE LAGE |
O
estudo da Castanha e do Castanheiro aconteceu porque, em finais do século XX,
havia uma lacuna confrangedora nas feiras temáticas da castanha, em
Trás-os-Montes, onde quase só se podia comprar castanha em verde. Então, estas
feiras da castanha levaram-me a solicitar em jornais que a castanha devia ser
apreciada nesses eventos, tanto mais que os vizinhos galegos já a promoviam com
grande pompa.
Como
desconhecia publicações sobre a gastronomia da castanha, pensei em compor um
caderno de receitas, que incentivasse os lares e a restauração. Para tal,
socorri-me, sobretudo, dos Clubes da Floresta e do PROSEPE (Projecto de
Sensibilização e Educação Florestal da População Escolar, da Universidade de
Coimbra), concebido e dirigido pelo Professor Luciano Lourenço. Neste Projecto
Educativo trabalhei, como voluntário, durante mais de 20 anos, e só terminou
porque tinha grandes forças adversas (os lóbis: florestal e indústria de
incêndios) que o bloqueavam nos apoios ao mais alto nível governativo, desde algumas
direcções-gerais das Florestas/ICNF e ministérios (incluindo o staff de alguns ex-Primeiros
Ministros). Foram precisas as grandes tragédias nacionais dos incêndios para os
políticos se envergonharem de pouco ou nada fazerem.
Recebi
imensas receitas e, em vez de um caderno, editei um modesto livro (A Castanha
Saberes e Sabores), com três edições. Foi muito importante o apoio do Município
de Valpaços (ex-Presidente, Eng. Francisco Tavares). O livro teve imensa
procura, chegando à Escola Superior de Hotelaria do Estoril e outras, bem como
à restauração. Nunca mais parei, sendo esta Antologia da Castanha o sexto
título.
Penso
encerrar este trabalho solitário, árido e duro, com esta Antologia, reunindo
escritores ligados ao país castanícola e de diferentes níveis sociais. Foi
pedido aos mais de 80 autores «um texto curto e inédito, sobre o tema da
castanha/castanheiro, que eleve quem o escreveu e enriqueça os que o lerem».
A
escolha dos antologiados desta assembleia de escrita foi pensada, num primeiro
momento, para reunir um grupo de escritores oriundos do mundo castanícola,
pelas raízes e/ou pelo posicionamento geográfico. A lista foi-se desenhando.
Foi feita como quem vai a um pomar colher maçãs e só quando a cesta está quase
cheia se apercebe que vamos ter de deixar lá alguma fruta que também gostaríamos
de colher. Assim, alguns que poderiam (deveriam) ter sido «colhidos», já não
«couberam na cesta» e espero que compreendam. Haverá mais projectos.
A castanha é um fruto mágico que acompanhou a Humanidade desde o Paleolítico, utilizando-se a nobre madeira e alimentando-se da generosa castanha. Numa grande entrevista que dei ao jornal Sol[1], conduzida por José Cabrita Saraiva, este destacava na primeira página o que entendo que a Castanha representa para o Homem: «Se não fosse a castanha, não estaríamos no mesmo ponto civilizacional».
A entrevista pode ser consultada aqui.
As
castanhas marcavam o tempo, «o tempo das castanhas», em que a Natureza dava ao
Homem um dos últimos frutos do ano. Era a colheita por excelência, até há pouco
mais de um século atrás. Por isso «Quem me dera cá o Tempo»... O tempo da
«Maria Castanha», das celebrações festivas para os nossos antepassados celtas,
com castanhas e vinho. O nosso tempo, passado ou do provir.
Hoje,
o nosso país rural castanhícola ou serrano não teria a mesma demografia se não
fossem os proventos que aforra na venda da castanha. Na transformação
paradoxal, mais alimento dos pobres, passou para uma iguaria nobre, a saborear
de mil e uma maneiras.
Aos
escritores que aceitaram o desafio de lavrarem os textos antológicos, com
engenho e saberes diversos, o meu agradecimento. Este trabalho pretende ser
mais um contributo para a ruralidade, que, em muito, compõe a cunho matricial
da nossa identidade nacional e de promoção da «árvore-do-pão» e do «pão das
serras».
Um
punhado de convidados foi desafiado a escrever em mirandês, para carregarem a
mensagem que a nossa riqueza linguística e lexical ali tem um sólido pilar. É
um são desafio e se não compreenderem o mirandês faremos a necessário ponte.
[1] Jornal Sol, edição n.º 703, de 15 de Fevereiro de 2020, na secção
Cultura, «Jorge Lage, especialista na
História da Castanha em Portugal», pp. 1 e 36-38.
...e cada vez que comer uma saborosa castanha assada, lembrarei sempre o excelente trabalho (e canseiras) de Jorge Laje que tão bem as deu verdadeiramente a conhecer a todos nós. Um grato abraço!
ResponderEliminar