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A reabilitação tardia do Hospital
Militar de Belém transporta-nos para o comportamento displicente das
autoridades relativamente ao emprego das Forças Armadas na crise que vivemos.
No dia 7 de abril teve lugar uma
audição do Ministro da Defesa Nacional (MDN) na Comissão Parlamentar de Defesa,
cujo tema geral se prendeu com a participação das Forças Armadas no combate à
Covid-19, na qual se insere a reabilitação do defunto Hospital Militar de Belém
(HMB), especializado em doenças infectocontagiosas, desativado em 2012.
Escolhemos esse tema para esta reflexão.
Devido à pandemia causada pela
Covid-19, foi decidido reativar o HMB (parcialmente) e transformá-lo num Centro
de Apoio Militar Covid-19. Para tal foram mobilizados 130 trabalhadores que
operaram num regime de 24/24. O MDN anunciou que o hospital entraria em
funcionamento no dia 13, sem indicar o mês. Provavelmente referia-se ao mês de
maio, esperando ajuda divina.
O MDN afirmou que “as obras que
foram feitas não serão desperdiçadas, porque essa infraestrutura [HMB] têm de
ter uma utilidade. Estava já previsto que essa estrutura fosse utilizada por
uma parceria entre a Câmara Municipal de Lisboa (CML) e a Santa Casa da
Misericórdia (SCM), como um centro de cuidados continuados em que antigos
combatentes tivessem acesso privilegiado… Um ou dois andares serão dedicados
aos antigos combatentes”. O MDN estaria seguramente a referir-se aos
deficientes das Forças Armadas, quando disse “antigos combatentes”. A
concretização de tal parceria entre a CML e a SCM anunciada pelo MDN levanta
várias questões.
Qual a apetência da CML para gerir
hospitais? Tornou-se à última hora uma Direção-Geral do Ministério da Saúde? O
dinheiro público serve para reabilitar um hospital que vai ser cedido a
privados? Iniciativa privada à custa de dinheiro dos contribuintes é
seguramente uma atividade muito aliciante. Seria interessante o MDN divulgar os
valores da reabilitação.
Interrogamo-nos sobre a vantagem
de alienar um hospital público especializado numa valência deficitária (doenças
infectocontagiosas), como ficou demonstrado na recente crise originada pela
Covid-19, para o transformar numa infraestrutura hospitalar privada
especializada em cuidados continuados, um campo em que a oferta pública também
é manifestamente insuficiente.
Fará seguramente mais sentido
aumentar a capacidade hospitalar do SNS para combater doenças
infectocontagiosas, antes da crise reduzida apenas a Serviços num reduzido
número de hospitais. Por algum motivo se teve de mandar reabrir o HMB e criar à
pressa uma nova unidade de cuidados intensivos no hospital Pedro Hispano, entre
outras medidas tomadas. Não abona nada insistir em políticas que provaram ser
erradas.
Não parece avisado alienar bens
públicos necessários ao país. É o que está em causa na proposta do MDN.
Significa que, no futuro, terá de se recorrer ao privado para colmatar a
ausência de capacidade pública entretanto alienada. Não foi o que se verificou
desta vez, mas será o que acontecerá se o MDN concretizar o plano anunciado.
É de interesse nacional dar vida
ao HMB. Reforçaria o SNS e dotaria o país de capacidades numa área médica que
se tornou crítica, cuja importância tem tendência a aumentar. Nada desaconselha
que fique na órbita das Forças Armadas, como esteve no passado. A decisão de o
fechar foi errada, erro que por falta de visão estratégica as autoridades se
preparam para repetir. Fazer obras no HMB para o reabrir por uns dias, e
entregá-lo a privados, é um ato que fere o interesse nacional. Não vale a pena
passar a vida a gemer contra os populismos e o crescimento do autoritarismo.
Decisões desta natureza, que não passam despercebidas à população, são a centelha
que alimenta essa fogueira.
A posição do MDN sobre o HMB
traz-nos à memória desenvolvimentos desagradáveis relacionados com a sanha
alienadora de imóveis do Estado utilizados por militares. Depois de alienados,
os novos donos votaram-nos ao abandono, sem cumprirem os objetivos com que se
tinham comprometido. O leque de casos é imenso. Recordamos as instalações da
antiga Escola Prática de Cavalaria, em Santarém, cujas instalações não ocupadas
pela Câmara estão ao abandono. Situação semelhante ocorre com as instalações do
antigo Instituto de Odivelas, que se encontram vandalizadas, e os seus azulejos
de valor histórico incalculável roubados.
Relativamente ao HMB reina a
indecisão. O projeto anunciado pelo ministro é o mais sombrio das hipóteses
possíveis. Recorda-nos o projeto que visa transferir o Ministério da Defesa
Nacional das atuais instalações na Avenida Ilha da Madeira para as antigas
instalações do Regimento de Lanceiros.
A reabilitação tardia do HMB (na
verdade não se sabe quando estará funcional) transporta-nos para o
comportamento displicente das autoridades relativamente ao emprego das Forças
Armadas na crise que vivemos. Não tiveram pejo de as utilizar contra
trabalhadores, como fura-greves, para conduzir viaturas de empresas privadas,
durante a greve dos motoristas de matérias perigosas, sem declaração do estado
de emergência, apenas com base na requisição civil. Numa situação de catástrofe
nacional, com o estado de emergência declarado, como aquela que vive o país,
optaram por minimizar a sua intervenção.
Também se estranha os hospitais
privados não terem sido objeto de requisição civil. Será que a crise em que nos
encontramos não o justifica? Em vez de termos pacientes instalados em tendas,
em situações precárias, teria sido melhor acomodá-los em hospitais que
estiveram sempre vazios.
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