José Miguel Tavares - jornal Público
Os senhores de
colete amarelo, que ontem se manifestaram pelo país a atravessar passadeiras
com grande empenho, fartaram-se de resmungar diante das câmaras de televisão
acerca dos políticos e do tamanho da Assembleia da República – mas para quem quer
realmente perceber Portugal, os jornais continuam a ser bastante mais úteis do
que as manifestações. Há, aliás, textos que explicam um regime inteiro, e um desses
textos foi publicado por Diogo Freitas do Amaral no PÚBLICO de quarta-feira.
Chamava-se “BES e GES – um só responsável? Novos ataques a Ricardo Salgado”, e
lê-lo com alguma atenção é perceber como é que Salgado foi possível, como é que
a queda do BES foi possível, como é que Sócrates foi possível, como é que a
bancarrota foi possível, como é que Zeinal Bava foi possível, como é que a
queda da PT foi possível, e por aí fora. E tudo foi possível, em primeiro
lugar, por causa da cupidez dos próprios; e, em segundo lugar, por causa de
políticos – melhor: de senadores – como Diogo Freitas do Amaral.
A teria de
Freitas do Amaral é fácil de resumir em três pontos. 1) Ricardo Salgado não fez
tudo sozinho. 2) Há mais responsáveis pela queda do BES, incluindo o governador
do Banco de Portugal e Passos Coelho, que o queria substituir por José Maria
Ricciardi (porque é que não o substituiu, então, é mistério que fica por
explicar). 3) Se o governo da altura tivesse dado uma mãozinha, o banco ainda
aí estaria, todo forte e viçoso. A interligar os vários pontos estão duas ou
três teorias da conspiração delirantes, mais aquele provérbio português que é
sempre piamente evocado nestas situações: não se bate em quem está no chão.
Devo dizer que me apetece sempre bater em quem nestes contextos diz que não se
bate em quem está no chão. Para Salgado, o chão, no presente, é uns motoristas,
umas secretárias, umas assessoras e talvez umas empregadas a menos. Já o chão,
para mim, é o Linhó.
Contaram-me que
Ricardo Salgado, após sair do BES, instalou o seu gabinete (coitadinho) no
Hotel Palácio do Estoril, onde todos os dias era servido por um funcionário do
hotel que tinha perdido as suas poupanças na queda do banco. Estar no chão,
para os Salgados e os Sócrates desta vida, é andar dez e 15 e 20 anos a lutar
na justiça, continuando a almoçar em restaurantes Michelin e a fazer férias em
hotéis de cinco estrelas. Tudo isso graças a leis que políticos como Freitas do
Amaral fizeram, e à forma como advogados pagos com dinheiro tantas vezes
adquirido de forma ilegal conseguem multiplicar as manobras dilatórias, até ao
ponto de os clientes já estarem demasiado velhos ou demasiado doentes para ir
para a cadeia.
Ricardo Salgado
não é, com certeza, o único responsável pela queda do BES. Mas é o maior. E a
quilométrica distância de todos os outros. Ele era – mesmo – o Dono Disto Tudo,
e entre redes financeiras, redes políticas e redes familiares, tinha meio país
na mão. Como eu não conseguia explicar o despropósito do texto de Freitas do
Amaral, fui à Wikipédia. No capítulo “família” encontrei isto: “Filho de Duarte
Pinto de Carvalho Freitas do Amaral e de sua mulher, Maria Filomena de Campos
Trocado, sobrinha-bisneta do 1.º Barão da Póvoa de Varzim. Casou em Sintra, a
31 de Julho de 1965, com Maria José Salgado Sarmento de Matos, escritora, com o
pseudónimo de Maria Roma, sobrinha paterna de Henrique Roma Machado Cardoso
Salgado e prima-irmã do banqueiro Ricardo Salgado.” Bendita Wikipédia, que nos
ensina tantas coisas.
Jornalista
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