Foto de José Veríssimo - Picotino, Lagoaça
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Jose Verissimo para Amigos de Lagoaça
Desde
a ancestralidade tradições mítico-religiosas celebraram o solstício de inverno
e, tendo em conta a sua popularidade, novos credos as aproveitaram para atingir
outros fins. Em alguns casos esses rituais chegaram aos nossos dias.
O
ritual do "enterro do velho" em Lagoaça celebrou-se até à década de
80 e penso que faço parte da ultima geração que nele participou.
Típica
manifestação do planalto mirandês, celebra a morte do que é velho e exalta o
renascimento da vida. A germinação da natureza adormecida.
O
ritual era levado a cabo por adolescentes no ultimo dia do ano e a azafama era
grande. O velho e todo o envolvente tinham que estar preparados para o enterro
a realizar durante a tarde de 31 de dezembro.
Enquanto
uma parte do grupo ficava num "palheiro" pré definido a encher com
palha umas roupas velhas para dar forma ao defunto, outros íamos à
"cruzinha" procurar umas caveiras de animais mortos, ali lançados
para as "abetardas", que espetávamos na ponta de paus e serviam de
alanternas durante o enterro.
O
mais habilidoso, esculpira um falo avantajado com um furo transversal na
extremidade inferior, por onde passava um arame que o fixaria discretamente
entre as pernas do velho; daí partia um fio até à sua cabeça, que, puxando-o,
proporcionava simulações de ereções durante as (exéquias) fúnebres.
Tradição igualmente mantida no Equador |
O
velho era transportado numa padiola por alguns de nós, quatro ou seis,
mascarados, mais um padre e dois alanternas.
Percorríamos
as principais ruas da aldeia em cortejo, acompanhado de enorme algazarra.
Tocávamos chocalhos, transportávamos algumas bexigas das matanças na ponta de
canas e aos gritos de "Morra o velho e viva o novo" lá íamos nós.
Durante o percurso existiam paragens estratégicas, locais onde se concentrava
mais gente (largo do olmo, largo eiró, cimo da costa, santa cruz e praça) onde
era lido um discurso, que exaltava os defeitos e as virtudes do defunto,
esporadicamente interrompido por gritos de "viva o novo e morra o
velho", picarescas ereções acompanhadas de chocalhadas e umas boas pingas
de vinho bebido por uma bota.
Já
noite, chegados à praça, o velho era erguido na vertical e, num ultimo adeus,
aos gritos de "morra o velho e viva o novo", era incendiado com um
"fachoqueiro" ante a contemplação geral.
O
enterro do entrudo era em muito semelhante, futuramente falaremos dele.
J.V.
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