sábado, 30 de dezembro de 2017

"O ENTERRO DO VELHO"


                                       Foto de José Veríssimo - Picotino, Lagoaça

Jose Verissimo
‎ para Amigos de Lagoaça

Desde a ancestralidade tradições mítico-religiosas celebraram o solstício de inverno e, tendo em conta a sua popularidade, novos credos as aproveitaram para atingir outros fins. Em alguns casos esses rituais chegaram aos nossos dias.
O ritual do "enterro do velho" em Lagoaça celebrou-se até à década de 80 e penso que faço parte da ultima geração que nele participou.
Típica manifestação do planalto mirandês, celebra a morte do que é velho e exalta o renascimento da vida. A germinação da natureza adormecida.
O ritual era levado a cabo por adolescentes no ultimo dia do ano e a azafama era grande. O velho e todo o envolvente tinham que estar preparados para o enterro a realizar durante a tarde de 31 de dezembro.
Enquanto uma parte do grupo ficava num "palheiro" pré definido a encher com palha umas roupas velhas para dar forma ao defunto, outros íamos à "cruzinha" procurar umas caveiras de animais mortos, ali lançados para as "abetardas", que espetávamos na ponta de paus e serviam de alanternas durante o enterro.
O mais habilidoso, esculpira um falo avantajado com um furo transversal na extremidade inferior, por onde passava um arame que o fixaria discretamente entre as pernas do velho; daí partia um fio até à sua cabeça, que, puxando-o, proporcionava simulações de ereções durante as (exéquias) fúnebres.
Tradição igualmente mantida no Equador
O velho era transportado numa padiola por alguns de nós, quatro ou seis, mascarados, mais um padre e dois alanternas.
Percorríamos as principais ruas da aldeia em cortejo, acompanhado de enorme algazarra. Tocávamos chocalhos, transportávamos algumas bexigas das matanças na ponta de canas e aos gritos de "Morra o velho e viva o novo" lá íamos nós. Durante o percurso existiam paragens estratégicas, locais onde se concentrava mais gente (largo do olmo, largo eiró, cimo da costa, santa cruz e praça) onde era lido um discurso, que exaltava os defeitos e as virtudes do defunto, esporadicamente interrompido por gritos de "viva o novo e morra o velho", picarescas ereções acompanhadas de chocalhadas e umas boas pingas de vinho bebido por uma bota.
Já noite, chegados à praça, o velho era erguido na vertical e, num ultimo adeus, aos gritos de "morra o velho e viva o novo", era incendiado com um "fachoqueiro" ante a contemplação geral.
O enterro do entrudo era em muito semelhante, futuramente falaremos dele.
J.V.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Cartazes (e programas) oficiais do V Congresso de Trás-os-Montes e Alto Douro

  Clique nas imagens para aumentar