Santana
Castilho – Jornal Público
Desde
há muito que os concursos de professores geram injustiças e criam castas, por
via de sucessivas mudanças de regras. Tudo indica que assim será, uma vez mais.
Sem
direito a perguntas, logo sem a maçada de dizer quem paga, quem assume as
garantias e se o milagre agrava ou não as contas públicas, António Costa
anunciou, em conferência de imprensa, a solução do decantado problema dos
lesados do BES. Perito que é em dar boas novas e virar páginas, quando o vi
numa escolinha, pronto para a mensagem de Natal, admiti, por momentos, que ia
anunciar a solução para os lesados do ME. Qual quê!
Em
30 de Novembro último, o Ministério da Educação tornou pública a intenção de abrir
um concurso para integrar nos quadros os docentes com um mínimo de
20 anos de serviço
e cinco ou mais contratos a termo resolutivo, celebrados nos últimos seis anos.
São estes e muitos outros, precários de uma vida, os lesados do ME, um
ministério que vive há anos fora da lei, explorando miseravelmente quem o serve
e concebendo maliciosamente soluções que iludem, sem resolver. É disto que
trata a proposta, glosada com as coreografias governamentais e sindicais habituais
e o pesadelo de sempre.
São
duros os meus qualificativos? Que é, senão déspota, quem exige aos outros um
contrato estável ao cabo de três anos de serviço, mas permite 20 para si e,
ainda assim, os armadilha com requisitos desprezíveis? Que é, senão
desprezível, a subtileza de persistir em considerar que os contratos anuais e
sucessivos tenham que ser no mesmo grupo de recrutamento? Que é, senão iníquo,
ardiloso e inconstitucional, deixar para trás docentes com maior antiguidade,
só porque já foram vítimas de injustiças anteriores? Que é, senão inaceitável,
a utilização abusiva de milhares de contratos de serviço de duração temporária,
ano após ano, que violam o Direito da União Europeia (Directiva 1999/70/CE),
como, aliás, foi reconhecido pelo respectivo Tribunal de Justiça?
Desde
há muito que os concursos de professores geram injustiças e criam castas, por
via de sucessivas mudanças de regras, donde a ponderação da iniquidade
desapareceu. Tudo indica que assim será, uma vez mais, com alguma coisa a mudar
para que tudo continue na mesma, tónica aliás dominante da actual aposta na
Educação.
Navegar
por entre a teia da legislação aplicável aos concursos de professores é um
desesperante exercício de resistência, onde a corrupção constitucional parece
não incomodar o poder. Só legisladores mentalmente insanos e socialmente
perversos a podem ter concebido, acrescentando sempre uma nova injustiça à
anteriormente perpetrada.
A
contratação de escola, com total desrespeito pela graduação e tempo de serviço
dos candidatos, foi via aberta para despudorados favorecimentos. Basta ler as
kafkianas 1347 páginas de subcritérios aplicáveis ao recrutamento de 2014/15, em sede de BCE, para
dispensarmos mais argumentos. Apesar disso, alguns têm agora o topete de a
defender, talvez por nunca terem lido o artigo 47.º da Constituição da
República Portuguesa, que assim dispõe:
“Todos os cidadãos têm direito de acesso à
função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de
concurso.”
A
arrogância, o ódio aos professores, a ignorância sobre a realidade do sistema
educativo e das escolas foram os eixos identificadores daquilo que poderemos
designar por bloco central de governo da Educação da última década, marcada por
uma estratégia política de degradação de uma classe profissional, com salários
definitivamente reduzidos e progressão na carreira ad aeternum suspensa,
demasiado numerosa e heterogénea para se unir eficazmente. Insidiosamente, a
conflitualidade e a sobrevivência impuseram-se como modus vivendi predominante
nas escolas. O objectivo de muitos, ante a pressão psicológica e emocional a
que estão sujeitos, é manter o salário, quantas vezes a troco da dignidade
mínima. Costa sabe-o bem, que nisso é mestre. Por isso juntou o tema à factura
dos lesados do BES, Novo Banco e CGD, e varreu tudo para debaixo do tapete, com
a ligeireza com que tirou a vaquinha e o burrinho do cenário de Natal.
Professor
do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)
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