Um ministro alemão quer proibir a burka em
locais públicos. Em França, onde à semelhança da Bélgica a burka já é proibida,
algumas cidades proibiram o burkini nas suas praias. Outros países europeus
discutem proibições similares em volta da burka, do niqab e do hijab. Acho mal.
Desde logo, acho mal a quantidade de exotismos usados para definir o que não
passa de um simples lençol preto. Depois, acho mal que, a pretexto das
desvantagens do lençol (uns disparates alusivos à subjugação feminina e à
propaganda de assassinos), se desprezem as suas vantagens. Estes debates
raramente debatem o essencial. E o essencial são, ou deveriam ser, as inúmeras
pessoas que beneficiam do lençol e agradecem a sua disseminação.
As feministas agradecem. As herdeiras das
fanáticas que queimavam sutiãs (por causa da opressão) hoje defendem
fanaticamente o direito ao lençol (por causa da liberdade). Faz sentido?
Nenhum, mas as adaptações contemporâneas das "causas" clássicas não
pretendem fazer sentido: pretendem fazer barulho. No "jornalismo" e
na política há carreiras erguidas assim.
Os xenófobos agradecem. Graças ao lençol e
às variantes do lençol, uma muçulmana é facilmente identificada no supermercado
e na fila do aeroporto, o que permite aos inimigos do
"multiculturalismo" guardar as devidas distâncias e vigiar a senhora
em busca de movimentos suspeitos.
Os terroristas agradecem. Ao contrário dos
homens, que arriscam dar nas vistas ao transportar explosivos, metralhadoras ou
machados, as mulheres podem ocultar um vasto arsenal sob o lençol. Se a coisa
for bem feita, ainda se consegue arrumar por lá uma bandeira do Estado
Islâmico, um CD-Rom com degolações sortidas, dois exemplares do Corão, o filho
mais novo e a caricatura de um judeu.
Os maridos agradecem. Dado que muitos
muçulmanos mantêm viva a nobre tradição de espancar a esposa com regularidade,
o lençol serve na perfeição para esconder as marcas do ritual e mantê-lo
confinado à intimidade do casal. Dessa maneira, o crime público torna-se um
hobby privado, o que, além de poupar um dinheirão em processos judiciais, evita
desavenças familiares.
As feias agradecem. Mulheres esteticamente
pouco dotadas podem simular uma conversão instantânea ao islão, cobrir as
características que as separam das restantes mortais e levar uma existência
indiferente às pressões da publicidade e fundamentada na igualdade plena.
As bonitas agradecem. E duplamente: o
lençol não apenas impede a sua redução a um objecto sexual (incluindo piropos e
aventuras tórridas com sujeitos possuidores de dentição completa e iates) como
as livra da subordinação à indústria da moda.
Os economistas agradecem. Sempre que
encontram uma conhecida na rua, as mulheres ficam cerca de 43 minutos na
conversa. Com o lençol, é impossível reconhecerem quem quer que seja, pelo que
se apressam a chegar a casa. Ganha a produtividade, no caso exclusivamente
relativa à confecção da paparoca do marido.
Eu agradeço. Sem o lençol, esta crónica
trataria quase de certeza do deprimente estado do País. Muito obrigado.
O BOM
Não há rapazes maus
Enquanto a jornalista da SIC abanava
afirmativamente a cabeça, os filhos do embaixador iraquiano explicaram que
tanto eles como o rapaz por eles agredido são "vítimas das
circunstâncias". As circunstâncias foram um bocadinho mais severas para
com Rúben Cavaco, entretanto em coma. Na entrevista, as outras duas vítimas
exibiam saúde. E certo desgosto face a Portugal, no entender deles um país
propício a azares assim. É um drama recorrente: as famílias dos diplomatas
mudam-se de nações pacatas para a barbárie e depois é isto.
O MAU
Adeus, Lenine
A "prestação" portuguesa nos
Jogos Olímpicos não me incomodou nada. A "prestação" dos comentadores
dos JO foi pior, sobretudo na RTP, que eu pago. Durante a maratona, o sujeito
do costume enchia os chouriços do costume. De súbito, maratona puxa Carlos
Lopes, Carlos Lopes puxa Los Angeles 84, Los Angeles 84 puxam Reagan e esses
"anos infelizes", quando os EUA "tentavam afirmar-se como
potência dominante". E conseguiram acabar com a URSS, que, palpita-me, é o
que custa ao comentador. A mim custa-me patrocinar idiotas.
O VILÃO
Políticas de proximidade
Primeiro, o Governo ameaça devassar todas
as contas bancárias. Depois, faz constar que haverá um limite e a TVI,
amiguinha, anuncia eufórica: "Afinal fisco só vai ter acesso a contas
acima de 50 mil euros." Temos muita sorte, não temos? Não. Com ou sem
limite, a coisa é um abuso que até o PCP condena – pelo menos para já. Não
importa a quantidade de países que o cometem, nem a facilidade com que os
interessados o fintam: aos poucos caem as últimas barreiras que nos protegiam
do Estado, e os últimos resíduos de vergonha.
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