quarta-feira, 2 de março de 2016

“Kubla Khan” de Samuel Taylor Coleridge


Samuel Taylor Coleridge (1773-1834) é hoje um poeta pouco lido. Como Rimbaud, Rilke, Wordsworth, Keats, Byron, Shelley, Blake entre outros. Uma geração culta, obstinada e visionária. Traves do Romantismo. “A Balada do Velho Marinheiro”, o enorme poema de Coleridge, tão conhecido como “Kubla Khan”, irá influenciar gigantes como Allan Poe.
Formalmente, “Kubla Khan” é um poema estranho. Os esquemas de rimas são irregulares, como se nota na última estrofe. E a métrica balança entre tetrâmetros e pentâmetros jâmbicos - “In Xanadu did Kubla Khan” e “A sunny pleasure-dome with caves of ice!”.
Nalguns versos, o tetrâmetro jâmbico é substituído pelo trocaico, onde se silencia a primeira átona, iniciando o verso com uma tónica - “Floated midway on the waves” ou “In a vision once I saw“.
O projecto de tradução de Alípio Correia de Franca Neto é semanticamente claro.
A temática de “Kubla Khan” é inspirada no livro de Marco Polo. E segue um caminho hermético há muito delineado por Heráclito.

Kubla Khan

Em Xanadu, o Kubla Khan
 Palácio de esplendor construiu,
 Onde Alph, o rio sagrado, mana
 Por grutas sem medida humana
         E rumo a um mar sombrio.


Cinco milhas mais cinco de fecundas terras
 Cercaram-se de torres e muralhas férreas;
 E ali jardins de luz de rios sinuosos, fontes
 A floração arbórea a se embeber de olor,
 E aqui florestas tão antigas quanto montes
 Cingindo manchas fúlgidas pelo verdor.


Mas Ah!, que báratro romântico, inclinado
 Na encosta, de través no cedro frondejante!
 Lugar inóspito! Tão mágico e sagrado
 Como o que fosse, no minguante, visitado
 Por mulher a clamar por seu demônio-amante!
 Do báratro, num torvelinho a fervilhar,
 Como se a terra, em haustos, estivesse a arfar,
 Por vezes, um forte manancial era expulso;
 E em seu súbito, semi-intermitente impulso,
 Saltavam, como gelo em ricochete, as lascas
 Ou como, a golpes de mangual, os grãos das cascas;
 Com as pedras a dançar, subitamente e a fio,
 Por vezes irrompia em jorro o santo rio.


Cinco milhas meandrando com moção insana
 O santo rio correu por vale e bosque e horto,
 Então chegou a grutas sem medida humana
 E se afundou com fragor de águas num mar morto.
 Nesse fragor, o Kubla ouviu de longes terras
 As vozes ancestrais anunciando guerras!


         Passeava a sombra do palácio
         Em meio às ondas revolutas;
         Nelas se ouvia um só compasso
         Do som das fontes e das grutas;
 Era um milagre de lavor preciso:
 Palácio ao sol com grutas de granizo!


         Uma donzela com uma cítara
         Numa visão eu vi outrora:
         Uma donzela da Abissínia
         Tangendo cítara tão fina
         E celebrando o Monte Abora.
         Me fosse dado reviver
         A melodia e o canto agora,
         Sucumbiria a tal prazer,
 Que à longa música sonora
 Eu ergueria no ar o monumento –
 O Palácio ao sol! as grutas de granizo!
 E ouvindo, iriam ver nesse momento,
 E ouvindo, proclamar “Atento! Atento!
 O olho que brilha, a cabeleira ao vento!
 Faz-lhe à volta três círculos no piso,
 E cerra os olhos com temor sagrado,
 Pois ele de maná foi saciado
 E bebeu do leite do Paraíso”.

(Tadução de Alípio Correia de Franca Neto)

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