quarta-feira, 31 de julho de 2013

Dois momentos de politica nacional

 


Ontem aconteceram dois momentos políticos, para os quais 95% dos portugueses se estiveram “borrifando”: a moção de confiança ao Governo, e a auditoria à ministra das finanças pela comissão de inquérito parlamentar. Mas já lá vamos; importa reter, ainda que sinteticamente, outras questões.
O governo de Pedro Passos Coelho arrecadou uma herança que lhe tem dificultado as reformas, na medida em que as terapias (ajustamentos) causam sempre resistências na sociedade. Não dizemos nada de novo; isto já havia sido observado pelos grandes sábios da Antiguidade Clássica. As resistências criam-se, sobretudo, na Administração. Porque alguns ciclos governativos não resistem a apadrinhar os “seus”, colocando aqui e ali o sobrinho, o primo, o tio, a sogra, o cunhado, o primo do cunhado, a prima da sogra, o amigo do primo do cunhado, a amiga da amiga da prima da sogra, e por aí adiante. É pois notório que a corrupção não tarda. E o governo de Pedro Passos Coelho recebeu essa herança, não a criou.
No texto de Lessing (a que já fizemos referência), de 1778, a determinado “grupo” de homens são chamados aqueles “com aptidão necessária”. Isto transposto para a governação e para a Administração, como muitas vezes acontece, traz as tais lacunas que, de vez em quando, leva os países à bancarrota, principalmente os pequenos, com uma economia fraca. Foi o caso de Portugal. E isto porquê? Porque ao exigir-se apenas a “aptidão necessária” (sobretudo nas chefias), a maior parte das vezes opta-se naturalmente por quem tem condições financeiras e sociais mais elevadas, ou por quem é “amigo”.
Se recuarmos no tempo, à Antiguidade Clássica, o que verificamos? Precisamente o contrário. Poderíamos citar um rol de textos a começar pelos de Platão, Aristóteles, Séneca, Cícero, entre outros. Mas não. Vamos citar um (a que já fizemos referencia) que nos parece o mais adequado e o mais deslumbrante em termos de justiça humana: O elogio fúnebre de Péricles (no qual se fundamentou o prefácio da carta europeia).
A dado passo Péricles diz aos seus concidadãos: “ Quando temos de recorrer às leis, verificamos que elas conferem a todos o mesmo nível de justiça, no respeito pelas suas diferenças[1]. A progressão na vida pública depende do mérito e das capacidades de cada um, sem olhar à sua origem social. Do mesmo modo, se um homem possui aptidões para servir o estado, não é a obscuridade da sua eventual pobreza que o impede de o fazer” (Guerra do Peloponeso, 37).
A diferença que vai entre a “aptidão necessária” e o “mérito”! Parece pequena, mas não é. Separam-nas “anos-luz”. O individuo de mérito, à partida, não é corrupto. É o melhor. E o serviço que desempenha não depende da sua riqueza ou da sua condição social. Depende das suas capacidades.
Não foi isto que o actual governo herdou. O que herdou nos lugares de chefia foi uma quantidade de gente com “aptidão necessária”. E mesmo assim aos que a não tinham, inventou-se!
Vem então isto a propósito do que alinhavámos no primeiro parágrafo do texto. A auditoria à ministra Maria Luís Albuquerque, veio demonstrar que no parlamento temos uma quantidade de gente com “aptidão necessária”, e outra quantidade com ela inventada. O que se ouviu à ministra sugere que esta auditoria foi uma farsa; um distraimento. Quem a promoveu está mais interessado em distrair o país do que em resolver os seus problemas. Porque razão não foram chamados os verdadeiros responsáveis? Aqueles que à época tutelavam o pais e as empresas?
Já noutro plano, a comunicação feita pelo Primeiro-ministro foi do melhor que ouvimos. Mas houve, sobretudo, um ponto do qual queremos chamar a atenção. Pela primeira vez, num discurso do género, se ouviu a palavra “meritocracia”. No que respeita à reforma da Administração. Vai ser difícil. Porque para isso era preciso, desde logo, corrigir as patifarias dos dois governos anteriores do “comentador de Paris”. Começando pelas arbitrariedades cometidas a gente de talento e mérito, e acabando nos cargos de chefia de gente com “aptidão necessária”, nuns casos, e inventada noutros. Mas é melhor tentar do que não fazer nada. As sementes germinarão, mais cedo do que tarde.
Armando Palavras


Post-scriptum

Continuam activos os grupelhos de contestação ao governo. Ontem, na Assembleia, lá estavam, mascarados de palhaços. Uma contestação séria segue as regras democráticas. E elas são muitas. Desde logo, exige-se a que quem contesta respeite quem é contestado. Mas não. O objectivo não é contestar, é ridicularizar, humilhar. Fazer aquilo que foi denunciado em bom tempo por homens admiráveis: Soljenitsyne, Grossman ou Sakarov.
Não é para admirar. É que esses grupelhos pertencem ao grupo de vilãos que humilharam milhões de pessoas, só porque não pensavam como eles.
A estes grupelhos dedicaremos escrito conveniente dentro de alguns dias.


[1] Fosse ao pobre, fosse ao rico.

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