Prisioneiros nos Gulag |
As políticas genocidas na Rússia
Soviética dos anos 1932-1933 e 1937-1949 estão hoje devidamente documentadas e
estudadas.
Já Dostoyevsky , em Demónios, nos transporta para as origens
do terrorismo moderno. Porque o conceito de “terror em massa” é fulcral em
Lenine, fórmula que surge a partir da revolução de 1905. Volta a surgir em
força na Primavera e durante o Verão de 1918, estando ainda presente em Abril
de 1921. E largamente apoiada por intelectuais como Gorki, sobretudo no que diz
respeito à massa de camponeses. Em 1930-31, foram deportados cerca de 2 milhões
de camponeses. Das suas tragédias nos dá conta o historiador italiano Andrea
Graziozi; desta “patologia sistémica” estalinista, pode recorrer-se ainda a
Moshe Lewin ou Lynne Viola.
De repente, o terror de 1793 dos
“homens do barrete frígio” é institucionalizado no dia 5 de Setembro de 1918
pelo decreto “sobre o terror vermelho”. De facto, os meses que se seguem
caracterizam-se por um clima de violência estatal absolutamente novo. São
15.000 as vítimas do Outono de 1918. Ou seja, foram executados, em dois meses,
três vezes mais do que o número total de executados no último século pelo
terror czarista!
Nicolas Werth destaca o escabroso
editorial do jornal da tcheka de Kiev: “Que o sangue jorre a rodos!”.
O aniquilamento é, sobretudo,
visível na Crimeia. Cerca de 150 mil “burgueses” são executados, deportados,
etc. O livro de Melgounov, comoveu a Europa Ocidental. Diz a dado passo: “ fuzilar
tornou-se o início e o fim da ponderação administrativa dos comunistas”. E
socialistas, acrescente-se. São mortos 500 mil cossacos. Isaac Z. Sternberg nas
suas memórias denuncia este terror
leninista. O terror de massas tornou-se assim, uma politica de higiene social.
Na Sibéria Ocidental eliminaram-se 300 mil.
Foram pertinentes as conclusões
da autora d’As Origens do Totalitarismo,
sobre as leituras dos revolucionários do século XX – Marx e Darwin – e o papel
decisivo que o conceito de evolução teve nas teorias bolcheviques e nazis.
Caracterizado pela obsessão da
depuração o terror de massas leninista cria a via de limpeza social que
Estaline empreende a partir de 1929, ano da “Grande Viragem” e dos “Amanhãs que
cantam!”.
Tudo isto foi confirmado em obras
literárias como Tudo Passa[1], de Vassili
Grossman. Um dos seus personagens, um activista convicto, a dado passo diz:
“escorraçámo-los como a um bando de gansos”. Mas noutra passagem a barbárie
humilha; vai ao limite da dignidade humana: “ … eles …”filhos da puta”. E
gritam-lhes: “Bebedores de sangue”! … não podemos sentar-nos à mesa desses
parasitas, o filho do Kulak é asqueroso, a sua filha é pior que um piolho. Eles
consideram esses camponeses como gado, como porcos. Tudo o que se relaciona com
os kulaks é repugnante: primeiro a sua pessoa, depois o facto de não terem
alma…Depois, eles fedem … Quando os tivermos exterminado, começará uma era
feliz para o campesinato”.
Entre isto e Hitler, “venha o
diabo e escolha”, como diz o povo.
São exactamente 855 páginas de
leitura complexa, traduzidas por Nina Guerra e Filipe Guerra, publicadas pela
Dom Quixote. O emaranhado de personagens ligados aqui e ali à família de Aleksandra
Vladimirovna, química no laboratório da fábrica de sabão de Kazan, e do
cunhado, o cientista Víktor Pávlovitch (Strum), rejeitado pelos seus pares, fazem
parte de uma obra épica cuja acção central se situa na batalha de Stanilegrado,
“a guerra do povo …”, que irá mais tarde justificar a mortandade de (quase) 30
milhões de mortos e a instrumentalização ortodoxa de Estaline.
Descrevem-se as florestas do
norte até ao rio Volga, o gabinete de Estaline; os bunkers de Stalinegrado, os
cubículos dos refugiados moscovitas em Kúbiechev ou em Kazan, na frente, nas
trincheiras, nos hospitais de campanha, nos campos correccionais e nos campos
de concentração, no gueto, nos vagões da morte, dentro da câmara de gás, nos
laboratórios científicos de Moscovo.
Os personagens, nesta caminhada
de incertezas, reencontram-se com o seu próprio passado. Muitos deles existem
apenas; deixam de viver. São executados como se de animais se tratasse.
É um retrato arrepiante da
condição humana desses tempos: a descrição desumana dos massacres, a morte de
Sófia e do pequeno David, de mãos dadas na câmara de gás, ou a imagem de
Liudmila, de alma arrasada e sangrando de dor sobre a campa de Tólia, seu
filho.
Em Vida e Destino, Grossman, além de denunciar as atrocidades nazis,
manifesta um profundo desencantamento com as lideranças soviéticas desde a
revolução de 1917, denunciando os pogrom. Anna Semiónovna, foi uma das vítimas
dos pogrom e Evguénia Nikoláevna, perseguida devido às posições políticas do
seu marido. Víktor, assistiu à progressão do medo e do sistema vil da denúncia
em nome da “confiança do partido”. E procurou guiar-se e “agir segundo a sua
consciência”, o melhor que foi dado ao ser humano.
O livro de Grossman é profundo
como A Condição Humana e Eichmann em
Jerusalém, minucioso como Guerra e
Paz (com o qual, aliás, tem sido comparado), e sobretudo, um testemunho de
denúncia como os livros de Primo Levi.
É um dos maiores testemunhos
literários sobre o totalitarismo no século XX; uma página negra da Humanidade.
Vassili Grossman nasceu na cidade
de Berdítchev, a “capital judia” da Ucrânia, no ano de 1905. Filho de judeus, o
pai era engenheiro e a mãe professora. Embora tenha estudado engenharia, Vassili
acabou por se tornar jornalista e escritor.
Como correspondente do jornal
militar russo Krasnaya Zvezda, cobriu
as batalhas de Moscovo, Stalinegrado, Kursk e Berlim. Será um dos primeiros
repórteres a testemunhar a libertação dos campos de extermínio de Treblinka e
Majdanek. E o seu artigo “O Inferno de Treblinka” servirá de prova nos
julgamentos de Nuremberga.
A pedido do governo soviético
inicia a escrita do livro negro sobre a perseguição dos judeus soviéticos. Mas
é uma patranha, Estaline detecta quão subversivo será esse testemunho! Em 1961,
os agentes do KGB assaltam-lhe a casa levando-lhe todas as anotações que
possuía para Vida e Destino. Politburo,
um líder ideológico, disse-lhe mesmo que aquele romance não veria a luz do dia
nos três séculos seguintes. Grossman morre em 1964, em Moscovo, vítima de
cancro. Em 1974 um dos originais que sobreviveu é microfilmado pelo poeta
Semion Lípkin e através do físico nuclear Andrei Sákarov e do humurista
Vladimir Voinovich, esse manuscrito sai do país para ser editado em vários
países em 1980. Em 1988 é publicado na Rússia de Gorbatchev.
Armando
Palavras
Campos de prisioneiros |
A grande obra de denúncia sobre o
terror soviético foi o Arquipélago de
Gulag, de Alexander Soljenitsyne. Os gulags eram campos de concentração e
de trabalho forçado na antiga União Soviética. A obra de Soljenitsyne é uma
narrativa sobre factos presenciados pelo autor, prisioneiro durante onze anos,
em Kolima, num dos campos do arquipélago, e pelas cartas e relatos de 237
pessoas. Os factos ocorreram de 1918 (ano do nascimento do autor), até 1956. E Soljenitsyne,
além de ter escrito uma obra literária notável, teve o grande mérito de ter
denunciado o trabalho escravo dos campos por onde passaram mais de 18 milhões
de pessoas. Dessas, cerca de 6 milhões sofreram o degredo; desterradas para os
desertos cazaques e florestas siberianas.
Escrito entre 1958 a 1967, a obra foi publicada
no Ocidente no ano de 1973 e circulou clandestinamente na União Soviética, numa
versão minúscula, escondida, até à sua publicação oficial no ano de 1989.
O Gulag aparece na Rússia
czarista, com os campos de trabalho. Após a Revolução Russa (1917), assumiu uma
forma completamente diferente. Tornou-se parte integral do sistema soviético. Em
1921, já havia 84 campos de concentração em 43 províncias. E não parou de
crescer. Expandiu-se durante a Segunda Guerra Mundial e atingiu o seu apogeu no
inicio dos anos 50. Nessa altura, os campos desempenhavam um papel decisivo na
economia soviética. Deles provinha um terço do ouro do país, bem como carvão e
madeira. Surgiram, aproximadamente, 476 complexos distintos de campos, onde os
presos trabalhavam em quase todas as actividades, em condições absolutamente
desumanas como é descrito tanto na obra de Soljenitsyne, como na de Grossman. Iam para os Gulags
principalmente os exilados políticos; os que não convinham ao sistema Leninista
e Estalinista.
Em 1973, O Arquipélago Gulag converteu muitos intelectuais
marxistas/leninistas, sobretudo na França, em anti-soviéticos.
Sobre o assunto, pode
consultar-se os seguintes sites:
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