Acaba de ser lançada em Ponta Delgada com
chancela das Letras LAVAdas a mais recente obra de Vamberto Freitas
intitulada borderCrossings: leituras
transatlânticas.
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Ponta Delgada (Açores) |
Terra Nostra
Sandra Pacheco Tejo
Terra Nostra -- Como nasce a obra borderCrossings: leituras transatlânticas?
Vamberto Freitas -- Paulo Simões, o director do Açoriano Oriental,
vinha insistindo comigo já há algum tempo para que eu ressurgisse com a minha
coluna literária e cultural no seu jornal. Circunstâncias da minha vida
familiar tinham impedido a minha presença na imprensa de um modo regular e
sistemático. Eu continuava a escrever ensaios, mas dirigidos a colóquios no
nosso país e no estrangeiro, ou então a revistas universitárias ou da especialidade,
tudo de pouca ou nenhuma circulação entre o grande público. Sentia que o Paulo
tinha razão, pois eu via a escrita dos meus colegas aqui nos Açores e na
Diáspora cair no esquecimento, ou sem uma apreciação contextualizante. Eu já
tinha saudades da disciplina férrea que é ter de escrever todas as semanas e de
ler interminavelmente com um bem definido objectivo em mente para cada palavra
ou linha que sublinho e comento nas margens de cada um desses livros. A
generosidade do jornal foi-me irrecusável quando me ofereceram todo o espaço
necessário ao diálogo prolongado com os nossos leitores. BorderCrossings nasce desse meu compromisso – publico os mesmos
textos na coluna “Nas Duas Margens” do Portuguese
Times, onde colaboro desde os anos 70 – com a minha página semanal no
diário micaelense.
TN – De que nos fala borderCrossings: leituras transatlânticas?



TN – Em quantos capítulos está a obra dividida?
VF – Tem três capítulos: “Em Casa nos Açores”, “Memória do Brasil”
e “A Diáspora em Mim”. Cada um deles contém
abordagens à ficção, poesia e ensaio que julgo pertinentes à temática em causa.
TN – Para si que papel ocupa a literatura na sociedade?
VF – Vou parafrasear Edmund Wilson, o crítico e ensaísta que mais
li durante toda a minha vida: a vivência “imaginativa” e o lugar que os homens
e as mulheres, individual ou colectivamente, “ocupam” nas sociedades do seu
tempo.
Aliás, para mim, literatura e
sociedade são naturalmente indissociáveis. Não quer isto dizer que não possa
ser muito mais, ou algo mais do que isto. Por mais narcisista que seja um
texto, por mais fechado ou isolado que esteja qualquer criação poética num
nicho qualquer, terá sempre de representar o personagem na sua contingência
muito pessoal, mas nunca desligado do meio em que está inserido, terá de ser um
outro retrato do seu tempo e da sua historicidade, ou de um tempo-outro
imaginado e reinventado nesse texto ou nesse poema. Ainda muito recentemente
citei num ensaio meu intitulado “Sociedade e crítica: Irving Howe e os
Intelectuais de Nova Iorque” que para estes escritores (o que evidentemente
também define o que penso) “o formalismo, para todos eles, seria
necessariamente relegado para um segundo lugar, pois a sua escrita visava
estabelecer a ficção como representação, nos seus sublimes momentos, da época a
que pertenciam, dos anseios de liberdade, justiça e igualdade”. Bem sei que
estes postulados estão, ou estiveram, fora de moda em tempos recentes, que mais
pareciam de uma perpétua e acéfala festa, mas não estão ultrapassados. Vêm aí
muito provavelmente todas as condições sociopolíticas que um dia fizeram Lenine
viajar (apoiado pela vontade conspiratória e protectora dos alemães, vejam a
ironia!) do seu exílio na Suíça até à Estação da Finlândia, vem aí de novo a
degradação generalizada que coloca os povos e as suas veneráveis nações de joelhos
e em obediência aos canalhas de sempre, tal como acontece já com a Grécia, o
berço de tudo que é bom no ocidente -- Democracia, Filosofia e Arte. É por isso
que numa ditadura, seja ela de esquerda ou de direita, os primeiros cidadãos a
serem perseguidos e presos são os escritores e os jornalistas. São eles que
carregam e perpetuam em si a memória colectiva e identitária de um povo.

TN – Quantos títulos já tem publicados?
VF -- Com este boderCrossings, onze, mais traduções de alguma
escrita de Katherine Vaz (O Homem Quer Era Feito De Rede) e poesia de Frank X.
Gaspar (A Noite Dos Mil Rebentos). Mas, como gostava de citar um grande crítico
norte-americano, a tarefa de escrever livros nunca está terminada.
TN – Quais as suas expectativas para o lançamento desta nova obra?
VF – Não muitas, a razoabilidade do costume, a presença de alguns
amigos e de outros leitores interessados na escrita ensaística, ou
particularmente na temática de que me ocupo desde sempre: a literatura
transfronteiriça como representação identitária de um povo ou país. Não posso
nem devo pedir ou esperar mais. O meu diálogo literário e cultural foi sempre
com uma minoria pertencente à nossa classe culta. Muitos deles estão fora de S.
Miguel, estão noutras ilhas e espalhados um pouco pelo nosso mundo diaspórico, uns
nossos conterrâneos, outros luso-descendentes e ainda outros estudiosos da
cultura portuguesa, incluindo a sua vertente açoriana.
TN – Na sua opinião quais são as principais limitações em termos de
edição literária nos Açores?
VF – Se espera uma grande queixa minha, vou desiludi-la! As
limitações cá são praticamente as mesmas de que lhe falariam a maioria dos
escritores em Lisboa:


Entre nós, nos Açores, a
ignorância foi sempre singularmente atrevida. A grandeza ou legitimidade
literária e intelectual de um livro mede-se pelo lugar onde foi publicado?
________
Sandra Pacheco Tejo - É
Jornalista desde 1999. Há sete anos trabalha no Jornal
Terra Nostra, da Publiçor, Ponta
Delgada, Açores
por: Lélia Pereira Nunes e Irene
Maria Blayer
Vamberto Henriques Ávila Freitas nasceu no dia 27 de Fevereiro de
1951 nos Açores. Frequentou o Liceu Nacional de Angra do Heroísmo e a Chino
High School, Chino, Ca. Licenciou-se em 1974 em Estudos Latino-Americanos e fez
estudos de Pós-Graduação em Pedagogia e Literatura. É presentemente leitor de
Língua Inglesa e coordena o Suplemento Açoriano de Cultura do Correio dos
Açores. É também representante dos Açores no Conselho Nacional de Opinião da
RDP.

Trabalhos publicados em volume:
Jornal da Emigração – a L(USA)lândia Reinventada –, Angra do Heroísmo, Gabinete
de Emigração e Apoio às Comunidades Açorianas, 1990. Pátria ao Longe. Jornal da
Emigração II, Ponta Delgada, Eurosigno, 1992. O Imaginário dos Escritores
Açorianos, Lisboa, Eds. Salamandra, 1992. Para Cada Amanhã. Jornal de
Emigrante, Lisboa. Eds. Salamandra, 1993. América. Entre a Realidade e a
Ficção, Lisboa, Eds. Salamandra, 1994. Entre a Palavra e o Chão. Geografias do
Afecto e da Memória, Ponta Delgada, Jornal de Cultura, 1995 .
Trabalhos publicados em revistas,
jornais e suplementos culturais: "O Homem Suspenso, ou um outro Livro do
Desassossego", Vértice, nº76, Janeiro/Fevereiro 1997. "A Critic's
Notebook, de Irving Howe: Sociedade e Critica", Atlântida, XII, 1996.
"Lá muito Longe para além do Mar: A nossa imigração na Califórnia",
Atlântida, XL, 1995. "The Western Canon, de Harold Bloom: Sociedade,
Literatura e Crítica", Atlântida, XXXIX, 1994. "Culture and
Imperialism, de Edward Said: da Ficção imperialista e da Viagem para
Dentro", Vértice, nº58, 1994. "História e Política em A Ilha de
Aldous Huxley", Arquipélago (Ciências Humanas),Vol. XIII , 1994.
"Crónicas da Diáspora: Um Espaço sem Fronteiras", Arquipélago
(Ciências Sociais), Vol. VII, 1994. "Ida e Volta: À Procura de Babbit, de
Ilse Losa. A Outra América e o Outro Babbit", Letras & Letras, nº 110,
1994. "José Rodrigues Miguéis e o seu Contrabando Literário",
Vértice, nº 54, 1993. "Pós-Modernismo em Questão: The Critics Bear it
Away: a Crítica da Crítica, Letras & Letras, nº90, 1993. "William
Faulkner e João de Melo: De Yoknapatawpha ao Rozário da Achadinha"
Atlântida, Vol. XXXVI, 1991. "Alguns Aspectos Faulknerianos na Obra de
João de Melo", Letras & Letras, nº39, 1991. Tem publicado dezenas de
artigos de crítica literária e de opinião no Diário de Notícias, em Lisboa;
Açoriano Oriental e Correio dos Açores, em Ponta Delgada.
Em colaboração com Adelaide
Batista, preparou o estudo «Women's literary contribution in the Portuguese
region of the Azores», publicado em Engendering Identities, Porto, Edições
Universidade Fernando Pessoa, 1996. Direcção de Susan Pérez Castillo.
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