sábado, 9 de junho de 2012

Vamberto Freitas entrevistado por "Terra Nostra" (Açores)




Acaba de ser lançada em Ponta Delgada com chancela das Letras LAVAdas a mais recente obra de Vamberto Freitas intitulada borderCrossings: leituras transatlânticas.

Ponta Delgada (Açores)

Terra Nostra
Sandra Pacheco Tejo

Terra Nostra -- Como nasce a obra borderCrossings: leituras transatlânticas?



Vamberto Freitas -- Paulo Simões, o director do Açoriano Oriental, vinha insistindo comigo já há algum tempo para que eu ressurgisse com a minha coluna literária e cultural no seu jornal. Circunstâncias da minha vida familiar tinham impedido a minha presença na imprensa de um modo regular e sistemático. Eu continuava a escrever ensaios, mas dirigidos a colóquios no nosso país e no estrangeiro, ou então a revistas universitárias ou da especialidade, tudo de pouca ou nenhuma circulação entre o grande público. Sentia que o Paulo tinha razão, pois eu via a escrita dos meus colegas aqui nos Açores e na Diáspora cair no esquecimento, ou sem uma apreciação contextualizante. Eu já tinha saudades da disciplina férrea que é ter de escrever todas as semanas e de ler interminavelmente com um bem definido objectivo em mente para cada palavra ou linha que sublinho e comento nas margens de cada um desses livros. A generosidade do jornal foi-me irrecusável quando me ofereceram todo o espaço necessário ao diálogo prolongado com os nossos leitores. BorderCrossings nasce desse meu compromisso – publico os mesmos textos na coluna “Nas Duas Margens” do Portuguese Times, onde colaboro desde os anos 70 – com a minha página semanal no diário micaelense. 

TN – De que nos fala borderCrossings: leituras transatlânticas?

VF – Trata-se de uma colectânea desses mesmos textos, mais alguns outros que tinham sido publicados em revistas universitárias ou de institutos culturais açorianos. Como já tinha ensaiado nos suplementos que coordenei durante uns bons anos aqui em S. Miguel, decidi que era essencial alargar a visão do nosso mundo, trazendo ao conhecimento dos leitores o que outros, para além dos autores açorianos, escreveram e escrevem de ou sobre nós, desde escritores brasileiros (como Luiz António de Assis Brasil) aos norte-americanos e luso-descendentes de língua inglesa, que estão a cavar fundo e frutiferamente um lugar de destaque na cultura literária dos Estados Unidos e do Canadá. Tenho quase sempre os Açores como ponto de partida ou unificador de temáticas, ou então a representação artística da experiência imigrante portuguesa em geral, a sua história e as comunidades que construíram para si em variadíssimas sociedades de acolhimento.
Para os provincianos incorrigíveis entre nós: a grande literatura contemporânea mundial continua a cultivar os temas de sempre, agora ainda mais na atribulada idade pós-moderna, uma outra espécie de totalitarismo societal imposto e comandado pelos chamados mercados e a especulação criminosa em geral, ante governantes sem memória histórica: a arte literária como acto identitário, o outro em movimento universal entre todos os povos do mundo, tentando reinventar-se sem perder a sua dignidade pessoal ou a honra das suas raízes ancestrais.

TN – Em quantos capítulos está a obra dividida?

VF – Tem três capítulos: “Em Casa nos Açores”, “Memória do Brasil” e “A Diáspora em Mim”. Cada um deles contém abordagens à ficção, poesia e ensaio que julgo pertinentes à temática em causa.

TN – Para si que papel ocupa a literatura na sociedade?

VF – Vou parafrasear Edmund Wilson, o crítico e ensaísta que mais li durante toda a minha vida: a vivência “imaginativa” e o lugar que os homens e as mulheres, individual ou colectivamente, “ocupam” nas sociedades do seu tempo. 
Aliás, para mim, literatura e sociedade são naturalmente indissociáveis. Não quer isto dizer que não possa ser muito mais, ou algo mais do que isto. Por mais narcisista que seja um texto, por mais fechado ou isolado que esteja qualquer criação poética num nicho qualquer, terá sempre de representar o personagem na sua contingência muito pessoal, mas nunca desligado do meio em que está inserido, terá de ser um outro retrato do seu tempo e da sua historicidade, ou de um tempo-outro imaginado e reinventado nesse texto ou nesse poema. Ainda muito recentemente citei num ensaio meu intitulado “Sociedade e crítica: Irving Howe e os Intelectuais de Nova Iorque” que para estes escritores (o que evidentemente também define o que penso) “o formalismo, para todos eles, seria necessariamente relegado para um segundo lugar, pois a sua escrita visava estabelecer a ficção como representação, nos seus sublimes momentos, da época a que pertenciam, dos anseios de liberdade, justiça e igualdade”. Bem sei que estes postulados estão, ou estiveram, fora de moda em tempos recentes, que mais pareciam de uma perpétua e acéfala festa, mas não estão ultrapassados. Vêm aí muito provavelmente todas as condições sociopolíticas que um dia fizeram Lenine viajar (apoiado pela vontade conspiratória e protectora dos alemães, vejam a ironia!) do seu exílio na Suíça até à Estação da Finlândia, vem aí de novo a degradação generalizada que coloca os povos e as suas veneráveis nações de joelhos e em obediência aos canalhas de sempre, tal como acontece já com a Grécia, o berço de tudo que é bom no ocidente -- Democracia, Filosofia e Arte. É por isso que numa ditadura, seja ela de esquerda ou de direita, os primeiros cidadãos a serem perseguidos e presos são os escritores e os jornalistas. São eles que carregam e perpetuam em si a memória colectiva e identitária de um povo.
A literatura poderá ser -- e é, por certo -- muita outra coisa para outros. Para mim, de igual modo, é muito mais do que as suas temáticas, mas a sua “função” na sociedade continua a existir, a mover e comover mentes e corações.

TN – Quantos títulos já tem publicados?

VF -- Com este boderCrossings, onze, mais traduções de alguma escrita de Katherine Vaz (O Homem Quer Era Feito De Rede) e poesia de Frank X. Gaspar (A Noite Dos Mil Rebentos). Mas, como gostava de citar um grande crítico norte-americano, a tarefa de escrever livros nunca está terminada.

TN – Quais as suas expectativas para o lançamento desta nova obra?

VF – Não muitas, a razoabilidade do costume, a presença de alguns amigos e de outros leitores interessados na escrita ensaística, ou particularmente na temática de que me ocupo desde sempre: a literatura transfronteiriça como representação identitária de um povo ou país. Não posso nem devo pedir ou esperar mais. O meu diálogo literário e cultural foi sempre com uma minoria pertencente à nossa classe culta. Muitos deles estão fora de S. Miguel, estão noutras ilhas e espalhados um pouco pelo nosso mundo diaspórico, uns nossos conterrâneos, outros luso-descendentes e ainda outros estudiosos da cultura portuguesa, incluindo a sua vertente açoriana.

TN – Na sua opinião quais são as principais limitações em termos de edição literária nos Açores?

VF – Se espera uma grande queixa minha, vou desiludi-la! As limitações cá são praticamente as mesmas de que lhe falariam a maioria dos escritores em Lisboa:
muitos livros para poucos leitores. Não ignoro as dificuldades de se viver e publicar numa ilha, pois estamos fora dos grandes circuitos comerciais e das máquinas publicitárias de maior projecção. Vou-lhe dar dois exemplos, no que respeita à publicação de livros. Um dos poetas portugueses mais prestigiados e famosos do nosso tempo não conseguirá vender mais do que mil exemplares de um livro seu, ou nem sequer chegar lá perto. Nos Estados Unidos, Edmund Wilson, o crítico canónico do século passado já aqui referido, o mesmo que hoje continua a ser biografado e analisado em obras que saem ano a ano, ele, que publicava os seus ensaios em revistas tão prestigiadas como a The New Republic, The New Yorker e a The New York Review of Books, não vendia mais do que dois mil exemplares de cada um dos seus livros. O seu único livro que ia a caminho de se tornar um best-seller, Memoirs of Hecate County, foi proibido de circular por um tribunal em São Francisco (São Francisco!) pela sua suposta sexualidade pornográfica, gesto hipócrita e puritano que hoje nos faria rir e abanar a cabeça em descrença e gozo. Creio que isso diz muito, senão tudo. Só que os seus livros, pelo menos durante a sua vida, que pouco venderam foram exactamente os que mais marcaram a cultura literária no seu país.
Quanto aos Açores, existe ainda a distância da maioria das livrarias nacionais e o custo adicional de os fazer chegar a esses potenciais destinos. Mesmo assim, essas livrarias estão só interessadas em dois ou três escritores do nosso país, por assim dizer, e em primeiro lugar interessadas nos mais vendidos e badalados escritores populares internacionais, tipo Vampiro Americano Apaixona-se em Paris. Foi sempre assim, aliás. Quem por cá anda a vangloriar-se de ter publicado fora do arquipélago, esquece-se ou é mesmo ignorante do facto de que até há poucos anos alguns dos escritores açorianos publicaram em Lisboa durante mais de uma década, e estavam presentes em muitas das livrarias do país, mesmo que alguns deles não vendessem muito devido às suas temáticas; e ser publicado “lá fora” não garante maior sucesso em nada. Com a facilidade que a net agora nos proporciona, blogues e redes sociais, toda essa questão está a ser ultrapassada. Hoje, um livro publicado nos Açores será de imediato conhecido em qualquer parte do mundo, e quem estiver interessado poderá adquiri-lo com toda a facilidade. Temos leitores no mundo inteiro, desde Riga a Tóquio, para não falar de países como os Estados Unidos e o Brasil, onde figuramos já em inúmeras teses universitárias e noutros estudos ou ensaios eruditos.
Entre nós, nos Açores, a ignorância foi sempre singularmente atrevida. A grandeza ou legitimidade literária e intelectual de um livro mede-se pelo lugar onde foi publicado?

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Sandra Pacheco Tejo - É Jornalista desde 1999. Há sete anos trabalha no Jornal
Terra Nostra, da Publiçor, Ponta Delgada, Açores
por: Lélia Pereira Nunes e Irene Maria Blayer



Vamberto Henriques Ávila Freitas nasceu no dia 27 de Fevereiro de 1951 nos Açores. Frequentou o Liceu Nacional de Angra do Heroísmo e a Chino High School, Chino, Ca. Licenciou-se em 1974 em Estudos Latino-Americanos e fez estudos de Pós-Graduação em Pedagogia e Literatura. É presentemente leitor de Língua Inglesa e coordena o Suplemento Açoriano de Cultura do Correio dos Açores. É também representante dos Açores no Conselho Nacional de Opinião da RDP.
Trabalhos publicados em volume: Jornal da Emigração – a L(USA)lândia Reinventada –, Angra do Heroísmo, Gabinete de Emigração e Apoio às Comunidades Açorianas, 1990. Pátria ao Longe. Jornal da Emigração II, Ponta Delgada, Eurosigno, 1992. O Imaginário dos Escritores Açorianos, Lisboa, Eds. Salamandra, 1992. Para Cada Amanhã. Jornal de Emigrante, Lisboa. Eds. Salamandra, 1993. América. Entre a Realidade e a Ficção, Lisboa, Eds. Salamandra, 1994. Entre a Palavra e o Chão. Geografias do Afecto e da Memória, Ponta Delgada, Jornal de Cultura, 1995 .
Trabalhos publicados em revistas, jornais e suplementos culturais: "O Homem Suspenso, ou um outro Livro do Desassossego", Vértice, nº76, Janeiro/Fevereiro 1997. "A Critic's Notebook, de Irving Howe: Sociedade e Critica", Atlântida, XII, 1996. "Lá muito Longe para além do Mar: A nossa imigração na Califórnia", Atlântida, XL, 1995. "The Western Canon, de Harold Bloom: Sociedade, Literatura e Crítica", Atlântida, XXXIX, 1994. "Culture and Imperialism, de Edward Said: da Ficção imperialista e da Viagem para Dentro", Vértice, nº58, 1994. "História e Política em A Ilha de Aldous Huxley", Arquipélago (Ciências Humanas),Vol. XIII , 1994. "Crónicas da Diáspora: Um Espaço sem Fronteiras", Arquipélago (Ciências Sociais), Vol. VII, 1994. "Ida e Volta: À Procura de Babbit, de Ilse Losa. A Outra América e o Outro Babbit", Letras & Letras, nº 110, 1994. "José Rodrigues Miguéis e o seu Contrabando Literário", Vértice, nº 54, 1993. "Pós-Modernismo em Questão: The Critics Bear it Away: a Crítica da Crítica, Letras & Letras, nº90, 1993. "William Faulkner e João de Melo: De Yoknapatawpha ao Rozário da Achadinha" Atlântida, Vol. XXXVI, 1991. "Alguns Aspectos Faulknerianos na Obra de João de Melo", Letras & Letras, nº39, 1991. Tem publicado dezenas de artigos de crítica literária e de opinião no Diário de Notícias, em Lisboa; Açoriano Oriental e Correio dos Açores, em Ponta Delgada.
Em colaboração com Adelaide Batista, preparou o estudo «Women's literary contribution in the Portuguese region of the Azores», publicado em Engendering Identities, Porto, Edições Universidade Fernando Pessoa, 1996. Direcção de Susan Pérez Castillo.

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