sábado, 9 de junho de 2012

NADIR AFONSO - O Trabalho Artístico mediante a meditação perseverante

Obras de Nadir Afonso


Nadir Afonso (de quem recebemos simpático convite) lançou recentemente o livro “Trabalho Artístico”. Infelizmente há já algum tempo que deixamos de aparecer em eventos do género. Contudo, não podemos deixar em claro o acontecimento. Como tal, junto se publica artigo que nos ofereceu para publicação recente.[1]
Este será o último texto de "Mosaicos" que publicaremos nesta sequência. Os restantes 15 com relevância, havemos de os publicar mais tarde. Talvz para o ano.



NADIR AFONSO
Como já em tempos afirmei, existem na natureza, dois tipos de atributos: as qualidades e as quantidades. As quantidades sempre existiram à superfície do planeta; são atributos universais, intrínsecas das formas, ao passo que as qualidades surgem com o aparecimento do homem e suas funções e formam propriedades regionais dependentes das diferentes raças.
A compreensão da obra de arte é extremamente difícil e a dificuldade de compreensão reside nisto: na observação das formas da natureza, o ser humano desenvolve a sua sensibilidade às suas leis geométricas, como desenvolve a sua sensibilidade à contemplação das montanhas, dos rios ou dos corpos, sem suspeitar que trabalhando as formas o indivíduo é trabalhado por elas e que é esse perseverante trabalho que activa, na arte, a sua essência matemática. Se meditarmos bem, o sentimento de harmonia que a exactidão Matemática produz é mais que a emocionante do que o sentimento de perfeição ou originalidade.
O ser sensível não procura a perfeição, a originalidade ou a evocação porque sente que elas são qualidades inconstantes e sempre mutáveis.
O homem racional sente a função e procura na arte as suas qualidades.
Eu peço licença para comentar um erro estético já iniciado na Grécia Antiga. A geometria é uma disciplina rara; contrariamente às outras disciplinas pode ser desenvolvida quer pela sensibilidade que sente, quer pela razão que compreende, sem que entre estas duas faculdades do espírito não seja possível estabelecer qualquer relação.
Ora o filósofo esteta que não desenvolve a sua sensibilidade às formas da natureza, não distingue as duas faculdades no seu espírito – sensibilidade e razão – e como ser racional comete a falta de pretender compreender a obra de arte mediante as faculdades da razão.
Assim, ele entende muito bem as leis elementares – círculo, quadrado, triângulo equilátero… - que já foram estudadas e geometrizadas ao nível do raciocínio, mas na arte essas formas integram-se e desintegram-se noutras formas e geram composições complexas de leis difíceis, melhor direi impossíveis de compreender, ao nível do raciocínio. E o chamado «mistério da arte» reside aqui: os estetas nos seus longos tratados escritos sobre arte, ainda não perceberam que o sentimento artístico cria relações matemáticas que a razão não compreende.

            Por exemplo:


Mas o esteta não compreende a figura, apenas formada por meia dúzia de pontos periféricos equidistantes do ponto central. Figura B


O esteta compreende o círculo: formado por um número incomensurável de pontos periféricos equidistantes do centro. Figura A



Ora o artista não sente apenas a figura A. O artista, ser hipersensível, visa igualmente a equidistância matemática dos seis pontos, a,b,c,d,e,f do centro da imagem B. E  é essa mesma hipersensibilidade à pura forma que, por exemplo, em vez de aumentar a sua superfície, intensifica a sua cor.
Por outras palavras. Ultrapassados os noventa anos de vida, reconheço que permaneci demasiado tolerante com os críticos de arte e com os conceituados estetas e reconsidero que nada mais devo desculpar e consentir.
Os exemplos do círculo acima representados auxiliam a compreensão da arte, mas não explicam a arte; para atingir o exacto entendimento da arte, seria necessário que as formas envolventes, expressas pelo fundo branco, fossem igualmente marcadas pelo espectáculo de exactidão; se não fosse eterno esse atributo quantitativo, as composições de Leonardo de Vinci ou de Rembrandt, a já, hoje, não seriam obra de arte (ou será como julgam os estetas, a «perfeição», a «alma do artista» ou qualquer outra qualidade que aguenta as obras de arte?)
De tudo o que li, fui o único ser à superfície do planeta que, em desacordo, compreendeu a verdadeira obra de arte; os atributos quantitativos são intrínsecos das formas e só eles são, na sua essência matemática, específicos da arte. (Se os factores quantitativos das obras de Vinci não fossem imutáveis, seriam retocáveis como foram, por mim, as formas de Van Gogh mais inexactas e evidentes porque menos cuidadas.)
Insisto nisto: os atributos qualitativos – perfeição (qualidade da função do objecto que responde à necessidade do sujeito), originalidade, evocação, etc. - não são qualidades intrínsecas dos objectos; são funções do tema sempre evolutivo e só quando realçadas pelas leis da matemática, nos dão a ilusão de constituir qualidades inerentes à obra de arte.
Insisto também que o presente texto auxilia o entendimento da obra de arte, mas exige uma aturada meditação, nomeadamente da parte daqueles indivíduos que tenham tentado entender os inombráveis ensaios sobretudo “psicologias da arte” e “sociologias da arte” e que muito baralham uma simples compreensão.

NADIR AFONSO 

CHAVES - Fotografia de Nelida Capela


Nadir Afonso nasceu em Chaves em 1920.
Diplomou-se em Arquitectura na Escola de Belas-Artes do Porto. Em 1946, estuda pintura na École des Beaux-Arts de Paris, por interferência de Portinari obtém uma bolsa de estudo do governo francês. Até 1948 e novamente em 1951 foi colaborador do arquitecto Le Corbusier, e serviu-se algum tempo do atelier de Fernand Léger. De 1952 a 1954, trabalha no Brasil com o arquitecto Óscar Niemeyer. Nesse ano, regressa a Paris, retoma contacto com os artistas orientados na procura da arte cinética, desenvolvendo os estudos sobre pintura que denomina «Espacillimité».
Na vanguarda da arte mundial expõe em 1958 no Salon des Réalités Nouvelles «espacillimités» animado de movimento. Em 1965, Nadir Afonso abandona definitivamente a arquitectura e acentua o rumo da sua vida exclusivamente dedicada à criação da sua obra.
Prémio Nacional de Pintura em 1967 e Prémio Amadeo de Sousa-Cardoso em 1969. Membro da Ordem Militar Santiago de Espada e da Academia Nacional de Belas-Artes. Jorge Campos realizou para a Radiotelevisão Portuguesa, o filme Nadir.
Realizou mais de centena e meia de exposições de que destacamos a realizadas no último ano no Museu Soares dos Reis e no Museu do Chiado a que se seguiu outra no Museu da Presidência.
Está representado nos Museus de Lisboa, Porto, Amarante, Rio de Janeiro, S. Paulo, Budapeste, Paris, Wurzburg, Berlim entre outros.
Publicou: La Sensibilité Plastique, Les Mecanismes de la Création Artistique, Aesthetic Synthesis, Universo e o Pensamento, O Sentido da Arte, Da Intuição Artística ao Raciocínio Estético, Sobre a Vida e Sobra a Obra de Van Gogh, As Artes: Erradas Crenças e Falsas Criticas, Nadir Face a Face com Einstein, Manifesto: O Tempo não Existe.
Doutor Honoris Causa pela Universidade Lusíada, Lisboa, foi agraciado com o grau de Grande-Oficial da Ordem de Santiago de Espada em 2010.



[1] Trás-os-Montes e Alto Douro, Mosaicos de Ciência e Cultura (Coord. PALAVRAS, Armando), ed. Exoterra, 2011, pp. 205-206.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Poucos mas bons (o combate ao tráfico de escravos)

  A Marinha Portuguesa teve um destacado historial de combate ao tráfico de escravos ao longo do século XIX. Poucos, mas Bons – Portugal e...