Obras de Nadir Afonso |
Nadir Afonso (de quem recebemos simpático convite) lançou
recentemente o livro “Trabalho Artístico”.
Infelizmente há já algum tempo que deixamos de aparecer em eventos do género.
Contudo, não podemos deixar em claro o acontecimento. Como tal, junto se
publica artigo que nos ofereceu para publicação recente.[1]
Este será o último texto de "Mosaicos" que publicaremos nesta sequência. Os restantes 15 com relevância, havemos de os publicar mais tarde. Talvz para o ano.
NADIR AFONSO |
Como já em tempos afirmei, existem na
natureza, dois tipos de atributos: as qualidades e as quantidades. As
quantidades sempre existiram à superfície do planeta; são atributos universais,
intrínsecas das formas, ao passo que as qualidades surgem com o aparecimento do
homem e suas funções e formam propriedades regionais dependentes das diferentes
raças.
A compreensão da obra de arte é extremamente
difícil e a dificuldade de compreensão reside nisto: na observação das formas
da natureza, o ser humano desenvolve a sua sensibilidade às suas leis
geométricas, como desenvolve a sua sensibilidade à contemplação das montanhas,
dos rios ou dos corpos, sem suspeitar que trabalhando as formas o indivíduo é
trabalhado por elas e que é esse perseverante trabalho que activa, na arte, a
sua essência matemática. Se meditarmos bem, o sentimento de harmonia que a
exactidão Matemática produz é mais que a emocionante do que o sentimento de
perfeição ou originalidade.
O ser sensível não procura a perfeição,
a originalidade ou a evocação porque sente que elas são qualidades inconstantes
e sempre mutáveis.
O homem racional sente a função e
procura na arte as suas qualidades.
Eu peço licença para comentar um erro
estético já iniciado na Grécia Antiga. A geometria é uma disciplina rara;
contrariamente às outras disciplinas pode ser desenvolvida quer pela
sensibilidade que sente, quer pela razão que compreende, sem que entre estas
duas faculdades do espírito não seja possível estabelecer qualquer relação.
Ora o filósofo esteta que não desenvolve
a sua sensibilidade às formas da natureza, não distingue as duas faculdades no
seu espírito – sensibilidade e razão – e como ser racional comete a falta de
pretender compreender a obra de arte mediante as faculdades da razão.
Assim, ele entende muito bem as leis
elementares – círculo, quadrado, triângulo equilátero… - que já foram estudadas
e geometrizadas ao nível do raciocínio, mas na arte essas formas integram-se e
desintegram-se noutras formas e geram composições complexas de leis difíceis,
melhor direi impossíveis de compreender, ao nível do raciocínio. E o chamado
«mistério da arte» reside aqui: os estetas nos seus longos tratados escritos
sobre arte, ainda não perceberam que o sentimento artístico cria relações
matemáticas que a razão não compreende.
Por exemplo:
Mas o
esteta não compreende a figura, apenas formada por meia dúzia de pontos
periféricos equidistantes do ponto central. Figura B |
O esteta
compreende o círculo: formado por um número incomensurável de pontos
periféricos equidistantes do centro. Figura A |
Ora o artista não sente apenas a figura
A. O artista, ser hipersensível, visa igualmente a equidistância matemática dos
seis pontos, a,b,c,d,e,f do centro da imagem B. E é essa mesma hipersensibilidade à pura forma
que, por exemplo, em vez de aumentar a sua superfície, intensifica a sua cor.
Por outras palavras. Ultrapassados os noventa
anos de vida, reconheço que permaneci demasiado tolerante com os críticos de
arte e com os conceituados estetas e reconsidero que nada mais devo desculpar e
consentir.
Os exemplos do círculo acima
representados auxiliam a compreensão da arte, mas não explicam a arte; para
atingir o exacto entendimento da arte, seria necessário que as formas
envolventes, expressas pelo fundo branco, fossem igualmente marcadas pelo
espectáculo de exactidão; se não fosse eterno esse atributo quantitativo, as
composições de Leonardo de Vinci ou de Rembrandt, a já, hoje, não seriam obra
de arte (ou será como julgam os estetas, a «perfeição», a «alma do artista» ou
qualquer outra qualidade que aguenta as obras de arte?)
De tudo o que li, fui o único ser à
superfície do planeta que, em desacordo, compreendeu a verdadeira obra de arte;
os atributos quantitativos são intrínsecos das formas e só eles são, na sua
essência matemática, específicos da arte. (Se os factores quantitativos das
obras de Vinci não fossem imutáveis, seriam retocáveis como foram, por mim, as
formas de Van Gogh mais inexactas e evidentes porque menos cuidadas.)
Insisto nisto: os atributos qualitativos
– perfeição (qualidade da função do objecto que responde à necessidade do
sujeito), originalidade, evocação, etc. - não são qualidades intrínsecas dos
objectos; são funções do tema sempre evolutivo e só quando realçadas pelas leis
da matemática, nos dão a ilusão de constituir qualidades inerentes à obra de
arte.
Insisto também que o presente texto
auxilia o entendimento da obra de arte, mas exige uma aturada meditação,
nomeadamente da parte daqueles indivíduos que tenham tentado entender os
inombráveis ensaios sobretudo “psicologias da arte” e “sociologias da arte” e
que muito baralham uma simples compreensão.
NADIR AFONSO
Diplomou-se em Arquitectura na Escola de
Belas-Artes do Porto. Em 1946, estuda pintura na École des Beaux-Arts de Paris,
por interferência de Portinari obtém uma bolsa de estudo do governo francês.
Até 1948 e novamente em 1951 foi colaborador do arquitecto Le Corbusier, e
serviu-se algum tempo do atelier de Fernand Léger. De 1952 a 1954, trabalha no
Brasil com o arquitecto Óscar Niemeyer. Nesse ano, regressa a Paris, retoma
contacto com os artistas orientados na procura da arte cinética, desenvolvendo
os estudos sobre pintura que denomina «Espacillimité».
Na vanguarda da arte mundial expõe em 1958 no
Salon des Réalités Nouvelles «espacillimités» animado de movimento. Em 1965,
Nadir Afonso abandona definitivamente a arquitectura e acentua o rumo da sua
vida exclusivamente dedicada à criação da sua obra.
Prémio Nacional de Pintura em 1967 e Prémio
Amadeo de Sousa-Cardoso em 1969. Membro da Ordem Militar Santiago de Espada e
da Academia Nacional de Belas-Artes. Jorge Campos realizou para a
Radiotelevisão Portuguesa, o filme Nadir.
Realizou mais de centena e meia de exposições de
que destacamos a realizadas no último ano no Museu Soares dos Reis e no Museu
do Chiado a que se seguiu outra no Museu da Presidência.
Está representado nos Museus de Lisboa, Porto,
Amarante, Rio de Janeiro, S. Paulo, Budapeste, Paris, Wurzburg, Berlim entre
outros.
Publicou: La Sensibilité Plastique , Les Mecanismes de la Création Artistique , Aesthetic Synthesis,
Universo e o Pensamento, O Sentido da Arte, Da Intuição Artística ao Raciocínio
Estético, Sobre a Vida e Sobra a Obra de Van Gogh, As Artes: Erradas Crenças e
Falsas Criticas, Nadir Face a Face com Einstein, Manifesto: O Tempo não Existe.
Doutor Honoris Causa pela Universidade Lusíada,
Lisboa, foi agraciado com o grau de Grande-Oficial da Ordem de Santiago de
Espada em 2010.
[1]
Trás-os-Montes e Alto Douro, Mosaicos de
Ciência e Cultura (Coord. PALAVRAS, Armando), ed. Exoterra, 2011, pp.
205-206.
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