JORGE LAGE
Serrar a Velha, em Martim (Murça) – Lembro-me bem da Serragem da Velha na minha terra de Martim, concelho de Murça. Era trabalho dos rapazolas, sobretudo os mancebos já na idade de irem à inspeção, que criavam umas quadras poéticas críticas e sarcásticas bem cáusticas. Lembro-me que era uma honra para os mancebos ficarem apurados para a tropa. Eram olhados como homens válidos e fortes e, por isso, bem vistos pelas raparigas solteiras. Se não fossem apurados para a tropa é porque não prestavam (nem para a tropa prestam!) o que desmotivava as raparigas na sua escolha. Pois esses mancebos deslocavam-se à noite para o Monte do Lombo, defronte da aldeia. e, à luz da vela e duma fogueira, declamavam essas quadras através dum grande funil de lata de encher os tonéis de vinho. Certo é que o som ecoava bem nítido pela aldeia. As famílias à janela, nas varandas ou no terreiro iam ouvindo as quadras de maldizer causando muita risota e galhofa nos aldeões não visados e algum azedume nos atingidos. Mas tudo se aceitava. Belos tempos do tempo passado!
Jorge
Santos


A RUA DAS SOLTEIRONAS
ResponderEliminarQuem passa naquela rua
é sempre bem escoltado
por condigna guarda de honra,
dois canhões de cada lado.
Duas irmãs cinquentonas
moram do lado direito,
do lado esquerdo outras duas,
sessentonas de respeito.
As quatro são solteironas,
muito castas, muito pias,
não tiveram namorados,
todas ficaram pra tias.
E eram até bons partidos,
donas de boas cortinhas,
mas quanto a dotes de espírito,
todas muito pobrezinhas.
A viver dessas maneiras,
em estéril castidade,
então fossem para freiras,
sempre poderiam ser
mais úteis à sociedade.
Esses quatro camafeus
presumem-se gente fina,
são muito assíduas na igreja
e cheiram a naftalina.
Mas por muita presunção
e água benta que tomem,
nem assim conseguirão
colmatar a falta de homem.
IN SERRAR A VELHA
FLÁVIO VARA
SANTINHA E DANINHA
ResponderEliminarNão é tal como se veste,
é calculista e daninha,
perigosa como a peste,
sob o manto de santinha.
Nada faz sem interesse
e se anda por sacristias
a cheirar os reverendos
é porque extrai mais valias,
porque aufere dividendos.
Por interesse atraiçoa
nem que seja Jesus Cristo,
lá pela aldeia até soa
que é barregã do Mefisto.
Quem tiver tratos com ela
não esqueça o anexim
tão sábio como prudente:
cautela, muita cautela,
porque no meio da erva
está escondida uma serpente.
IN SERRAR A VELHA
LARÁPIO
ResponderEliminarQueria botar figura
e não viu melhor maneira
do que armar-se em escritor
através da roubalheira.
Vai-se a um livro publicado,
já lá vão mais de cem anos,
do autor Ferreira Deusdado,
os "Escorços Transmontanos",
e surripia-lhe um naco,
naco que foi publicado,
subscrito pelo ladrão,
num jornal da re(li)gião,
que dá grande acolhimento
a tal tipo de pecado.
Mas houve quem apanhasse
em flagrante o sevandija,
e em público o mostrasse
com a boca na botija*
*cf: Mensageiro de Bragança 26/11/89
IN SERRAR A VELHA - Por de Trás-os-Montes
A ERMIDA
ResponderEliminarLá no topo da colina
sobranceira à minha aldeia,
branqueava uma capela
que agora já não branqueia.
Via-se a grande distância,
era emblema do povoado,
referência na paisagem
e presença do sagrado.
Cercaram-na de um tapume,
Que, embora de vegetal,
não permite que se veja,
não deixa de ser taipal.
Agora sobre a colina,
o que se vê, aberrante,
e sobre o resto domina
é a maison de um emigrante.
FLÁVIO VARA -IN SERRAR A VELHA por de Trás-os-Montes