segunda-feira, 17 de novembro de 2025

Serrar a Velha, em Martim (Murça)

 

JORGE  LAGE



Serrar a Velha, em Martim (Murça) – Lembro-me bem da Serragem da Velha na minha terra de Martim, concelho de Murça. Era trabalho dos rapazolas, sobretudo os mancebos já na idade de irem à inspeção, que criavam umas quadras poéticas críticas e sarcásticas bem cáusticas. Lembro-me que era uma honra para os mancebos ficarem apurados para a tropa. Eram olhados como homens válidos e fortes e, por isso, bem vistos pelas raparigas solteiras. Se não fossem apurados para a tropa é porque não prestavam (nem para a tropa prestam!) o que desmotivava as raparigas na sua escolha. Pois esses mancebos deslocavam-se à noite para o Monte do Lombo, defronte da aldeia. e, à luz da vela e duma fogueira, declamavam essas quadras através dum grande funil de lata de encher os tonéis de vinho. Certo é que o som ecoava bem nítido pela aldeia. As famílias à janela, nas varandas ou no terreiro iam ouvindo as quadras de maldizer causando muita risota e galhofa nos aldeões não visados e algum azedume nos atingidos. Mas tudo se aceitava. Belos tempos do tempo passado!


Jorge Santos


 

Nota: No curto e espontâneo texto acima, lavrado pelo juíz-desembargador, Jorge Santos, de Murça, após a leitura da «nota da minha agenda 20», da Professora, Júlia Serra, sobre o livro de poemas, «Serrar a Velha», de Flávio Vara. Pela qualidade partilho-o com os leitores. Estamos a perder as memórias e tradições que povoavam o mundo rural e até os embudes e os pipos desaparecem das adegas. Eram precisos pequenos museus ou núcleos de museus de imagens e pequenos Museus Rurais. Aconselho a visita dos Museus Etnográficos: de Abreiro (Mirandela), de Escalhão (Fig. de Castelo Rodrigo) e de Silgueiros (Viseu). Vivam as tradições e usufruam dos artefactos que ainda vão existindo no mundo rural.

4 comentários:

  1. A RUA DAS SOLTEIRONAS

    Quem passa naquela rua
    é sempre bem escoltado
    por condigna guarda de honra,
    dois canhões de cada lado.

    Duas irmãs cinquentonas
    moram do lado direito,
    do lado esquerdo outras duas,
    sessentonas de respeito.

    As quatro são solteironas,
    muito castas, muito pias,
    não tiveram namorados,
    todas ficaram pra tias.

    E eram até bons partidos,
    donas de boas cortinhas,
    mas quanto a dotes de espírito,
    todas muito pobrezinhas.

    A viver dessas maneiras,
    em estéril castidade,
    então fossem para freiras,
    sempre poderiam ser
    mais úteis à sociedade.

    Esses quatro camafeus
    presumem-se gente fina,
    são muito assíduas na igreja
    e cheiram a naftalina.

    Mas por muita presunção
    e água benta que tomem,
    nem assim conseguirão
    colmatar a falta de homem.

    IN SERRAR A VELHA
    FLÁVIO VARA

    ResponderEliminar
  2. SANTINHA E DANINHA

    Não é tal como se veste,
    é calculista e daninha,
    perigosa como a peste,
    sob o manto de santinha.

    Nada faz sem interesse
    e se anda por sacristias
    a cheirar os reverendos
    é porque extrai mais valias,
    porque aufere dividendos.

    Por interesse atraiçoa
    nem que seja Jesus Cristo,
    lá pela aldeia até soa
    que é barregã do Mefisto.

    Quem tiver tratos com ela
    não esqueça o anexim
    tão sábio como prudente:
    cautela, muita cautela,
    porque no meio da erva
    está escondida uma serpente.

    IN SERRAR A VELHA

    ResponderEliminar
  3. LARÁPIO

    Queria botar figura
    e não viu melhor maneira
    do que armar-se em escritor
    através da roubalheira.

    Vai-se a um livro publicado,
    já lá vão mais de cem anos,
    do autor Ferreira Deusdado,
    os "Escorços Transmontanos",

    e surripia-lhe um naco,
    naco que foi publicado,
    subscrito pelo ladrão,
    num jornal da re(li)gião,
    que dá grande acolhimento
    a tal tipo de pecado.

    Mas houve quem apanhasse
    em flagrante o sevandija,
    e em público o mostrasse
    com a boca na botija*


    *cf: Mensageiro de Bragança 26/11/89

    IN SERRAR A VELHA - Por de Trás-os-Montes

    ResponderEliminar
  4. A ERMIDA

    Lá no topo da colina
    sobranceira à minha aldeia,
    branqueava uma capela
    que agora já não branqueia.

    Via-se a grande distância,
    era emblema do povoado,
    referência na paisagem
    e presença do sagrado.

    Cercaram-na de um tapume,
    Que, embora de vegetal,
    não permite que se veja,
    não deixa de ser taipal.

    Agora sobre a colina,
    o que se vê, aberrante,
    e sobre o resto domina
    é a maison de um emigrante.

    FLÁVIO VARA -IN SERRAR A VELHA por de Trás-os-Montes

    ResponderEliminar

Os mais lidos