Helena Matos - OBSERVADOR
27/4/2019
Basta colocar um cravo ao peito para os
vigaristas passarem a incompreendidos; os ditadores a democratas e os actuais ministros
a oposição. Já o BE esquece as PPP com Salazar e Bolsonaro.
Depois de assistir à última manifestação
do 25 de Abril tenho a certeza de que os milagres acontecem nesta terra
predestinada. Falo naturalmente do milagre dos cravos. Aliás estou mesmo convicta
de que o milagre das rosas não é nada ao pé do milagre dos cravos. Álvaro
Cunhal apoiava e admirava o terror soviético mas de cravo ao peito
transformava-se num combatente pela liberdade. Jerónimo de Sousa pega num cravo
pronuncia “Abril” com fervor beato e lá se esfumam os seus ditirambos sobre a
Coreia do Norte e a mordaça que impõe ao movimento sindical. Aos militares
então, a junção entre fardas e cravos garante-lhes o estatuto da santidade.
Não há incredulidade ou cepticismo que
não se rendam diante do milagre dos cravos: em Portugal, basta colocar um cravo
ao peito para os terroristas passarem a combatentes pela liberdade; os
vigaristas a incompreendidos; os ditadores a democratas; os medíocres a
intelectuais e os parasitas a solidários.
Mas a esta transfiguração que já
estávamos mais ou menos habituados acresceu este ano um mistério que a teologia
não explica mas a política esclarece: os ministros e os parceiros do Governo
puseram cravo ao peito e de imediato deixaram de ser Governo para se tornarem
oposição. Na avenida da Liberdade, cravo na mão, a ministra da Saúde já não é a
ministra que tem de explicar como foram retirados nomes das listas de espera
para se tornar numa manifestante defensora do mesmo SNS que deixa degradar a
níveis nunca vistos. Já o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes
transfigurou-se em jovem e desfilou com os manifestantes da Juventude
Socialista que gritavam: “Queremos
revolução, socialistas em acção“.Sendo certo que a única revolução que
está por fazer em Portugal é precisamente a que derrube a ditadura fiscal
presidida pela secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais, cabe perguntar se o
senhor secretário de Estado dos Assuntos Fiscais quando miraculado em jovem
manifestante nos toma por parvos ou se faz parvo? Por fim o ministro das
Infraestruturas e Habitação, Pedro Nuno Santos, desembaraçado do Porsche, além
do cravo muniu-se de calças de ganga, o que para o caso faz do seu um
milagre ainda mais promissor.
Segundo o Expresso aconteceram
ainda outras manifestações que não tenho força terrena nem fé qb para analisar,
como ouvir as criancinhas ditas “afectas” ao PCP cantar “Somos
a esperança, em cada criança há sinais de mudança“. E é claro, tivemos
Mariana Mortágua entoando rimas e Catarina Martins, que além de entoar também
sabe fazer os gestos, transfiguradas em arrebatadas opositoras. De quê e de
quem? Do Governo que como aqui assinala Cristina Miranda maquilha as contas da Segurança Social?Da transformação do
aparelho de Estado numa rede familiar a que já nem os cemitérios escapam?… Nada
disso. Opositoras de Salazar e Bolsonaro. Um longe no tempo – Salazar morreu em
1970! – e o outro, Bolsonaro, está a quilómetros de distância. Assim
devidamente munidas dos seus demoniozinhos úteis, mais o Santo António, os
cravos na lapela e o megafone, as dirigentes do BE protagonizavam não apenas o
milagre de passarem de suporte do governo a contestatárias do sistema mas
também levavam a cabo o exorcismo que as desembaraçava do fantasma da negociação
das PPP.
Tendo em conta que apesar de
tudo a descrença se pode instalar entre os assistentes destas transfigurações
o melhor será a manifestação do 25 de Abril passar da avenida da
Liberdade para o Parque Mayer. A revista à portuguesa já viu coisas piores.
Sem comentários:
Enviar um comentário