Por António Magalhães
Sheffield-Inglaterra
Depois de seis dias de um intenso,
árduo, meticuloso e engenhoso trabalho na criação do mundo, ao sétimo dia Deus
decidiu finalmente descansar. É que isto de criar um universo inteiro não é
tarefa fácil, e mais difícil se torna quando o Criador tem de fazer tudo
sozinho, desde ter a ideia, criar o projeto, planear até ao mais ínfimo
pormenor, e depois executar o plano. Temos de ter em conta de que foi tudo
criado a partir do nada. Não é só ligar para o armazém e encomendar uns quantos
planetas, estrelas, um conjunto completo de galáxias, buracos negros e tudo o
mais que a compreensão e conhecimento humano ainda não conseguiu alcançar.
Foi tudo criado a partir do nada, em
apenas seis dias. Bem que Deus mereceu este descanso no sétimo dia. Até mesmo
Deus, depois de um árduo e exaustivo trabalho, precisa de pelo menos um dia
para descansar e comtemplar o trabalho que fez.
Consumada a criação do mundo, durante
uns milhões de anos Deus andou entretido a passear de uma galáxia para outra,
por sítios a que só Ele tem acesso, porque também foi Ele que os criou.
No entanto, falta-nos a compreensão
humana para entender como e de onde criou Deus o universo, tendo em conta que
para a sua criação Deus teria de estar em algum lado, esse nada antes da
existência, da criação.
Não fosse por si só essa questão
difícil de mastigar, eu diria sem pecar por exagero, que na eventualidade de se
arranjar uma teoria que roçasse apenas o inteligível e compreensível à questão
aparentemente de explicação impossível, esbarraríamos com a evidente questão
que se colocava logo de seguida…Quem criou Deus?
Será que Deus tem um deus seu, que
também o criou?
Será que o universo tem um universo
paralelo de onde se criou este universo?
Mesmo que a resposta a estas
perguntas seja um “sim”, as dúvidas não ficam esclarecidas porque a pergunta,
como um vírus que se reproduz e multiplica, desencadeia uma mesma pergunta a
cada deus, a cada universo. Quem criou quem? Onde está o princípio?
São perguntas para as quais, na falta
de uma explicação satisfatória, a religião, qualquer religião, arranjou uma
maneira simplíssima de satisfazer o entendimento ao que humanamente é
impossível de entender. “É um mistério”. E pronto. O argumento morre aqui
mesmo.
Há quem acredite que a morada de Deus
é o céu. E por muita e boa tecnologia que se invente, a única maneira de chegar
ao céu é através da morte, e o caminho começa a ser preparado em vida,
seguindo-se uma série de regras e obediências, requisitos necessários e
obrigatórios para garantir o acesso à morada de Deus.
O processo não é complicado. É até
bastante simples. Basta fazer o bem, praticá-lo em todos os dias da nossa vida,
e quando chegada a hora, não há nada a temer, a viagem rumo à morada do
Criador, está garantida.
Contudo, fazer o bem e praticá-lo no
dia a dia não é tarefa assim tão fácil uma vez que, dada a nossa natureza,
somos providos de uma mistura de emoções e sentimentos que a maior parte das
vezes se interpelam uns aos outros.
Não se sabe se foi propositadamente,
ou apenas um erro, uma espécie de defeito de fabrico, que Deus ao criar a
raça-humana, num só corpo, numa só mente, incutiu com doses fracionariamente desiguais,
a bondade, a generosidade, a inteligência, a maldade, o egoísmo, o altruísmo, a
ignorância etc. etc.
Ora, por muito inteligente ou
ignorante que um ser humano seja, tem sempre uma ou mais variantes da bondade e
da maldade. Por isso é que embora parecendo fácil o caminho para a casa de
Deus, não é tão fácil assim. É uma tarefa que requer um trabalho e uma dedicação
diária no sentido de combater a nossa natureza humana em pecar mais
regularmente do que nós mesmos assim esperamos. Não se peca
só por palavras, atos e ações, peca-se muitas vezes por pensamentos.
Se toda esta complicação foi um
defeito de fabrico, ou um erro de Deus, aquando da nossa criação, só nos resta
clamar diariamente pela sua ajuda, confiantes de que, mesmo sendo tarefa nossa
mantermo-nos no caminho da salvação, confiaremos com fé de que Ele nos ajudará
a passar nesta nossa jornada de um mundo de tantas tentações que nos atormentam
o caminho.
Mas, se Deus nos criou assim,
propositadamente, não nos resta outra alternativa a não ser a de continuar a
confiar, com a mesma fé, de que Ele la tem os seus motivos, motivos esses dos
quais não compreendemos as intenções, mas que passada a provação, tendo em
conta que há uma provação a passar, seremos recompensados assim que chegarmos à
sua morada.
Não nos apraz pensar que criando o
universo, e depois de passar uns milhões de anos a passear por ele comtemplando
as maravilhas da sua criação, Deus se tivesse aborrecido passada a natural
curiosidade do que é novo, e tivesse escolhido um planeta, a terra, a varresse
dos enormíssimos dinossauros para nos colocar a nós, só para se distrair a ver-nos
criar e destruir, qual macabro entretenimento.
Quando se diz que não se entendem
muito bem as intenções do Criador é porque nos falta a capacidade como humanos
que somos, para perceber com que intenção Deus coloca as suas primeiras
criaturas no jardim do Éden e lhes aguça a curiosidade, sentimento tão natural
na espécie como natural parece ser a sua existência, e lhes diz que podem
usufruir de tudo à sua volta, menos da árvore que contem o fruto proibido. Com
que intenções macabras planta a semente da curiosidade na mente de uma espécie
que, sabe-se agora, sabê-lo-ia na altura Deus porque foi quem criou, que
curiosidade é uma das tentações que o ser humano tem enormes dificuldades em
resistir…
Sendo assim, hipótese tão absurda
quão absurdo será o pressuposto, faltar-nos-ia saber se, sendo a nossa complexa
criação um entretenimento de um Criador que se fartou de dias enfadonhos, Ele
assiste às nossas ações no dia a dia, como quem assiste a uma novela a qual tem
sempre cenas dos próximos capítulos a aguçar a curiosidade de voltar no dia
seguinte, mesmo que no fundo no fundo, se saiba de antemão que a Júlia vai
casar com o irmão dela…
E como assiste o Criador à nossa
novela diária. Quero dizer…a novela da qual somos protagonistas?
Senta-se num enorme sofá, tem pipocas
e refrigerante? Fuma um cigarro nos intervalos?
Discute com os anjos momentos mais
excitantes, ou menos excitantes?
Pois claro. Com toda a certeza Deus
não fuma. Quem melhor do que Ele para saber dos malefícios do tabaco.
O pecado é tão humano como a própria
existência do ser humano. Ninguém, por muito que se esforce, por muito boa
pessoa que seja, durante a sua existência, longa ou curta, está totalmente
isento de pecar a qualquer altura da sua vida. A grande diferença entre
pecadores, que são nem mais nem menos todo e qualquer ser humano, é a
capacidade que cada pecador tem em admitir e reconhecer que pecou, e a
capacidade, a honestidade, o esforço e a coragem que exige de si mesmo em
corrigir, aceitar, refletir e acima de tudo entender a natureza do seu pecado em
ordem de crescer como ser humano. No fundo será esse o grande propósito da
nossa vida. A luta diária contra a nossa natureza humana, que, propositadamente
ou apenas por defeito de fabrico por parte do Criador, se tem revelado como o
maior desafio da nossa existência como seres humanos desde que, curvados, sujos
e descalços, andávamos pelo planeta a encher a pança de raízes das
árvores e das plantas, e a cobrir as partes íntimas com folhas das árvores.
Em suma, vistas bem as coisas, mesmo
não entendendo muito bem as intenções do Criador, a ideia da nossa criação foi
um enorme desafio, tanto para o Criador como para o criado, uma vez que desde
os princípios da criação fomos postos no planeta, brutos, ignorantes,
imprevisíveis e limitados em relação ao tempo da existência individual de cada
um.
Daí se conclui que a tarefa para a
qual fomos desenhados em relação há nossa existência no mundo em que vivemos, é
incrivelmente dependente da humanidade no seu todo, e a humanidade no seu todo
é composta por cada ser humano seja qual for o tempo que vive neste mundo.
Assim se compreende que nenhuma vida é inútil porque cada vida faz parte do
todo. Ou seja, cada vida desde o principio da criação é parte do grande projeto
de Deus para uma espécie que desde os tempos das raízes das árvores e plantas
como alimento, das tangas, do caminhar curvado, do andar sujo e descalço, assim
que saiu por detrás dos arbustos, se tem vindo a desenvolver com uma incrível
capacidade de criação e desenvolvimento e ao mesmo tempo autodestruição que,
chegados tão longe, arrepia pensar que, paira no ar o espectro da dúvida
eminente e real do quão longe mais será possível chegar.
É aqui que não se entendem bem as
intenções do Criador.
Se é certo que muitos acreditam que
nos dá a liberdade do arbítrio das nossas próprias vidas, assumindo e
acarretando as consequências das nossas ações e decisões, porque parece
assistir impávido às tantas atrocidades e maldades cometidas diariamente, em especial
aos mais vulneráveis e indefesos, porque assiste às constantes barbaridades
cometidas entre seres da mesma espécie e das barbaridades cometidas contra o
planeta onde essa mesma espécie vive, ao ponto de por em dúvida real a sanidade
deste mesmo planeta e da sua continuidade?
Ou…seremos assim tão cegos, isto para
não dizer estúpidos, ao ponto de não vermos, ou entendermos que não é trabalho
de Deus o trabalho que a cada um de nós pertence fazer…? Que não é Deus que tem
de vir ter connosco, mas sim nós que temos de ir ter com Ele. Independentemente
do conceito que cada um de nós tem acerca de Deus e da sua possível existência.
No fundo, se de facto há um Deus que nos criou, quão feliz ficaria esse mesmo
Deus se cada um de nós tivesse a hombridade de ser digno da criação,
desenvolvendo-se a si mesmo não só no crescimento como pessoa, como também no
crescimento intelectual, tentando sempre saber mais, questionar mais, aprender
mais, ser mais responsável, mais digno, mais compreensível, mais…humano, menos ovelha
de um rebanho que não sabe viver de outra maneira a não ser comandado. Que
triste. Pelo menos, mais, do que de um humano se pode esperar. Afinal somos a
espécie mais inteligente do planeta…(?)
Sem comentários:
Enviar um comentário