Sempre na linha da frente, a minha conterrânea Graça Matos
alertou-me para um trabalho do nosso distinto comprovinciano Barroso da Fonte
que tem estado a ser divulgado em Tempo Caminhado.
(CRÓNICAS DO TEMPO DA GUERRA ESCRITAS POR QUEM A VIVEU (ANGOLA 1965/67 - BARROSO DA FONTE) |
Não fora
despertar-me a atenção para esse fato era quase certo que passava sem prestar a
minha devida apreciação ao notável relato que o nosso comum amigo tão
desenvolvidamente faz desse histórico acontecimento.
Mais lhe pedi, foi que me copiasse a carta que Barroso da
Fonte recebeu de José Régio, e consta na parte superior do formulário, que de
pronto essa prezada senhora fez o favor de me enviar e aqui transcrevo:
«"Portalegre 10/ 9/66
Exmo. Senhor e Camarada:
Os livros que tem a amabilidade de me enviar e oferecer __ NEVE E
ALTURA e FORMAS E SOMBRAS.
não me chegaram numa ocasião propícia, porque estou doente. Não
escrevo a quase ninguém. Estes livros também falam muito de morte, e são, por
vezes, desesperados. Um doente não gosta muito que lhe falem da Morte… Se
puder, meu Amigo, aproveite a sua Mocidade, e espere. Eu, mesmo velho e agora
doente, faço o possível por ainda não desesperar.
Duas palavras apenas sobre esses livros: Há neles uma
força que merece não ser perdida. Portanto só posso animá-lo a continuar. O meu
Amigo tem que dizer e di-lo, __ não se acorrenta à moda dos formalismos
requintados e ocos. Aconselhá-lo-ia, porém a ser cada vez mais exigente com a
expressão artística das suas expansões e confissões. Muitos livros de versos se
publicam hoje, mais ou menos destinados ao esquecimento. É preciso que os seus
sobrevivam, e por isso lhe aconselho aquela exigência. Também lhe aconselharia
a leitura dos nossos grandes poetas e prosadores clássicos (essa leitura nunca
faz mal a ninguém!) assim como a dos mais recentes. Isto, claro, sem permitir
que esses ou outros constranjam a sua personalidade. De vez em vez, há versos
bastante felizes, versos "cheios", nos seus poemas. Sendo mais rigoroso
com os seus poemas, esses versos serão cada vez em maior número.
Boa sorte, e as cordiais saudações do camarada mais velho,
José Régio"»
Régio é o pseudónimo do Dr. José Maria dos Reis
Pereira, um vila-condense nascido a 17 de Setembro de 1901, e falecido a 22 de
Setembro de 1969. Mais um dos valores culturais deste país que os ditos
“progressistas” retiraram dos livros escolares. Bem ele andou, quando escreveu:
“DEIXÁ-LOS FALAR OS QUE VÃO A PARIS/ E NÃO VÊEM UM PALMO Á FRENTE DO NARIZ”
Na fazenda São Paulo, na região dos DEMBOS, acerca
de 20 Km do MUCONDO. O autor, juntamente com os seus homens, estava
destacado para dar protecção aos BAILUNDOS, tarefeiros que vinham do
sul. Esta fazenda era administrada pela fazendeira Lourdes Loureiro,
natural de Mangualde, que aparece em amena cavaqueira com o alferes Barroso
da Fonte.
Merecedor da
admiração dos seus pares da comunicação social de que faz parte com muito labor
e mérito, tem no Doutor Armando Palavras, director de Tempo Caminhado, um
sincero e dedicado amigo que sabe apreciar os autores dignos desse título.
“Nestas
primeiras 58 páginas lidas, está presente a nostalgia do autor pelo pátrio
Barroso, pelas festas, tradições e pessoas do planalto barrosão, vigiado a
miúde pela mítica serra do Larouco, onde se sente a presença pagã milenar. São
raras as referências à Antiga África Portuguesa, para a qual se deslocou em
cumprimento do dever. Uma referência aqui, outra ali, sobretudo à “grandiosa”
cidade de Luanda, onde várias destas crónicas foram escritas, na mesa de um
café predilecto (cujo nome ainda se não sabe): “Á hora em que escrevo o sol está encoberto com nuvens
portadoras de cacimbo nocturno. Mas a cidade sorri, com seu semblante de menina
solteira, dama castiça, senhora livre e donairosa” (p.47). A beleza desta escrita assume uma realidade primorosa. Só
quem lá esteve sabe da verdade escrita por Barroso da Fonte. Desmistifica alguns mitos criados acerca
do clima angolano (p.44) e do natural ciclo dos dias. A noite surge rápido,
assim como o dia. Ás operações no teatro de guerra, nestas primeiras 58
páginas, dedica uma crónica (26), na página 54. Destaca a fé católica, o
episódio do camarada morto no Rio Douro e as Madrinhas de Guerra.”- Isto, no dizer de Armando Palavras.
JOSÉ RÉGIO SE VIESSE CÁ HOJE E VISSE COMO SE COZINHA A POESIA NESTE TEMPO DE EUROPA, MORRIA OUTRA VEZ DE PASMO ...
ResponderEliminarNosso grande Barroso da Fonte - foi receoso e revoltado por ir combater, e veio de lá apaixonado pela Terra e pelas suas gentes. Até nisto é grandioso e invulgar!
É um Homem do Norte...
TÓPICOS DUMA VIAGEM
ResponderEliminar-De Norte de Angola aos confins de Trás-os-Montes -
Ambrizete, Dezembro, 1 __ A tarde vai caindo lentamente, como quem procura na esquina da rua a sombra do autocarro que vai passar. O sol aproxima-se da neblina que sobre o oceano se eleva para os céus, semelhando imensa serrania, a tocar as alturas.
Ao longe, por entre as mangueiras e os embondeiros, as pretas movimentam-se , curvadas sobre a terra, cavando com uma pequena enxada, a batata doce e a mandioca, enquanto à sombra de um cajueiros os filhitos mais novos, deitados sobre o capim, riem e choram, esperando pela mãe que extrai da terra dura, a ementa de uma numerosa família.
Do meu quarto _ deste quarto que vou deixar daqui a instantes _ prolongo os meus olhos sobre a imensa paisagem e encontro-a revestida de uma espessa camada de nostalgia que brota da minha alma, pura e latente como o capim que nasce da terra inerte, tonalizando de um inconfundível verde-claro, o vasto panorama que se reflete nas águas do fabuloso Atlântico. Quisera fazer deste cartaz imenso, uma partes das minhas possessões, para levar comigo, nesta longínqua viagem que me separará para sempre, da terra que mais amei, nas minhas andanças pela guerra.
Encostadas ás paredes do quarto, as minhas malas aguardam já novos rumos a seguir. Sobre a mesa, apenas um bloco e uma esferográfica bic que deixei propositadamente para levar na pasta que me acompanhará, pari passu, nesta viagem, até aos confins de Trás-os-Montes.
Prometi relatar as impressões desta viagem que os homens me proporcionaram, como recompensa das minhas adversidades de campanha.
Quando recebemos , dos homens, homenagens e aplausos que a noção do dever cumprido reclama, sentimo-nos gratos e procuramos corresponder a eles, com o gesto da nossa profunda sensibilidade.
Por isso me vou daqui, a caminho dos meus pátrios lares. sensibilizado com a atitude dos homens e comovido comigo mesmo porque não é em vão que nos reconhecemos eficientes, na hora exacta da nossa valorização.
Aqui estou pois. de malas feitas, a aguardar a chegada do avião da DTA que vindo do Zaire me levará a Luanda, onde após alguns dias, retomarei o avião da TAP que em pouco mais de sete horas me transportará à sempre saudosa cidade de Lisboa. Entretanto, vou rabiscando estas primeiras impressões que o acaso deste entardecer de Dezembro me vai ditando.
Saudades levo desta pequenina vila do Ambrizete onde em menos de sete meses de permanência me irmanei com este povo, branco e preto que aqui vive. De todos levo as melhores impressões e estou certo de que embora daqui me vá com toda a minha bagagem, aqui deixo a minha alma, a ligar-me para sempre, a estes caminhos e a esta gente que nunca mais posso esquecer, por a ela e a eles, tanto me ter afeiçoado.
Vida da minha vida, restos de mim, pedaços da minha sentimentalidade social, ficam aqui, a clamar para sempre o bem que quero a este povo, preto na cor, mas branco na alma, porque nasceu humano e se fez português. …
(…)…
In Crónicas do tempo de guerra escritas por quem a viveu -Angola 1965/67
Barroso da Fonte