A sua vitória, mais do que a vitória de um homem,
foi um grito de revolta da América profunda a favor de certos valores da
América, dos interesses da América e contra uma ideologia que avança na Europa
mas muitos americanos rejeitam.
ANTES DA CIMEIRA entre Trump e Putin, ouvi um
‘professor universitário’, investido nas funções de comentador de um canal
televisivo, afirmar que o Presidente americano «não fazia a menor ideia do que
ia dizer» ao líder russo. Afirmou-o assim, sem se rir.
Já escrevi que Trump me faz lembrar o dono de um
saloon no velho farwest. Imagino-o a dar umas palmadas no rabo das dançarinas
enquanto espreita para dentro dos folhos que lhes cobrem o peito, disparando
uma piada brejeira.
Também pode dizer-se que Trump trata as relações
externas como fossem negócios privados, comportando-se como um capitalista sem
grandes escrúpulos e não como um homem de Estado. E que tem poucas maneiras e
mente com frequência. Mas afirmar-se que vai para os encontros com homólogos
sem fazer «a menor ideia» do que irá dizer-lhes, isso não lembra ao careca!
SERÁ QUE NÃO EXISTEM assessores na Casa Branca?
Que o Presidente dos EUA prepara as cimeiras fechado no gabinete oval, sozinho,
a olhar para o ar a ver se lhe vem alguma inspiração?
Quem conhece os americanos sabe que, nas
reuniões, eles estão sempre entre os mais bem preparados. Levam as coisas muito
a sério e são focados e pragmáticos. Sabem exatamente o que pretendem de cada
reunião e não divagam. Podem não saber muito de outros assuntos, mas sabem o
que estão a fazer ali.
Ora, sendo este o comportamento-padrão dos
americanos nas reuniões internacionais, será plausível que o responsável máximo
do país vá para uma cimeira com um ‘rival’ sem saber o que lá vai fazer, nem
quais são os pontos sensíveis, os objetivos pretendidos, os interesses da
América nos assuntos a tratar?
Será isto credível?
Como é possível um professor universitário dizer
uma tonteria destas?
O QUE SE DIZ sobre Trump roça às vezes o
ridículo. E há acusações estranhas. O caso da interferência da Rússia nas
eleições americanas continua a ser para mim um mistério. Quase todos os dias há
uma nova notícia sobre o assunto. Mas tudo o que retive até hoje das sucessivas
notícias é que «houve interferência da Rússia nas eleições presidenciais
americanas». Já ouvi esta frase dezenas ou centenas de vezes. Mas ainda não
percebi em que consistiu a ‘interferência’. Os russos entraram no sistema de
contagem dos votos? Adulteraram os resultados eleitorais? Se não foi isto, o
que foi? Influenciaram os eleitores nas redes sociais? Mas isso qualquer pessoa
ou entidade pode hoje fazer! Também terá havido com certeza movimentos nas
redes sociais a favor de Hillary Clinton.
Na semana passada, aliás, Putin disse com toda a
razão que as acusações à Rússia «lançavam no ridículo o sistema político
americano». De facto, se é tão fácil influenciar eleições presidenciais na
América, é porque o sistema político é ridiculamente vulnerável…
CONFESSO que nunca tinha visto antes um
Presidente dos EUA ser tão atacado. Uma vez eleito, o Presidente tornava-se ‘o
Presidente de todos americanos’ e ninguém mais o discutia. Podia haver casos
como o folhetim Clinton-Monica Lewinsky, mas eram coisas localizadas. Ora, com
Trump, há um desgaste diário, a oposição e os media não descansam, parece que
estamos em Portugal no tempo de Passos Coelho…
Claro que há razões para isso.
Trump foi o primeiro líder ocidental a pôr
fragorosamente em causa a globalização. Afirmou o primado da América - «America
first» -, impôs limites à imigração e denunciou tratados internacionais tidos
como ‘sagrados’. Disse muitos disparates mas não teve medo de enfrentar os
dogmas do ‘politicamente correto’, combatendo as chamadas ‘causas fraturantes’
- como o aborto ou o casamento gay.
ASSIM, a sua vitória, mais do que a vitória de um
homem, foi um grito de revolta da América profunda a favor de certos valores da
América, dos interesses da América e contra uma ideologia que avança na Europa
mas muitos americanos rejeitam.
E a verdade é que, para lá de baralhar o jogo
internacional - como o provam as cimeiras com Putin e Kim Jong-Un -, Trump vai
somando vitórias na frente interna: a economia está a crescer acima dos 4% e o
desemprego situa-se nos 3.7%.
Sendo verdade que é muitas vezes arrogante, que
pode ser vulgar, não ter maneiras, dizer disparates, ser grosseiro, Trump não é
atacado por isso: é atacado por ser contra a globalização, por querer travar a
imigração, por não partilhar de certas ‘causas’.
Assim, ao atacar-se Trump, não é só o homem que
se ataca - é uma visão do mundo que está em brutal conflito com o ‘ar do tempo’
e com algumas práticas acarinhadas no continente europeu e em certos círculos
intelectuais e artísticos dos EUA. Neste sentido, o homem é muito
inconveniente.
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