João Miguel Tavares – jornal
Público
Metaforicamente falando,
podemos admitir que Mário Centeno apareceu realmente em pelota naquele vídeo –
no sentido em que interpretou a crise grega (e, por extensão, a portuguesa) com
uma transparência inédita.
Oh meu Deus, que surpresa:
Mário Centeno acha que a crise grega é culpa dos gregos e não dos malvados tecnocratas
da União Europeia e do FMI. Como é possível? Um presidente do Eurogrupo a
defender as políticas do Eurogrupo. O horror, o horror! Centeno fez um vídeo a
dar conselhos e parabéns à Grécia e o país reagiu como se o homem tivesse sido
apanhado num daqueles filmes caseiros com gente em pelota que vão parar à
internet. O Bloco de Esquerda em peso saltou da cadeira. O PCP fechou os olhos
e disse coisas sobre “pactos de agressão”. O deputado João Galamba chamou-lhe
“um vídeo lamentável”. E até o inevitável Varoufakis decidiu classificá-lo como
“propaganda norte-coreana”. Qual foi o pecado do pobre homem, afinal? Eu
digo-lhes qual foi: durante um minuto, Mário Centeno resolveu dizer aquilo que
pensa. Erro crasso.
Metaforicamente falando,
podemos admitir que Mário Centeno apareceu realmente em pelota naquele vídeo –
no sentido em que interpretou a crise grega (e, por extensão, a portuguesa) com
uma transparência inédita. Ora, revelar intimidades económicas e políticas é
pornografia para as esquerdas que nos governam. Tendo em conta que eles
inventaram uma narrativa para eleitores com idade mental de cinco anos – que
diz que a culpa disto tudo foi da troika e de Passos Coelho, porque se não
tivessem sido eles o país estaria espectacular –, qualquer complexificação do
discurso é inadequada para a nossa política de escola primária. O que os tuítes
de João Galamba querem dizer é isto: “Veste-te, Mário, volta a pôr a roupa do
português brutalmente oprimido, que isto assim não pode ser.”
Mas não só pode como deve –
até porque não tem sido de outra maneira. Eu sei que parece que existe um Mr.
Mário, ministro das Finanças de Portugal, e um Dr. Centeno, presidente do
Eurogrupo, já que as coisas que um faz lá fora não coincidem com as coisas que
o outro diz cá dentro. Só que não há dois – nem nunca houve. Sim, o vídeo do
Dr. Centeno poderia ter sido escrito por Vítor Gaspar. Mas isso é tão
surpreendente quanto descobrir que José Sócrates é um bocado mentiroso e Bruno
de Carvalho tem problemas de equilíbrio emocional. Toda a actuação de Centeno
ao longo dos últimos três anos tem sido no sentido não só de cumprir as metas
europeias, como de ir além delas. E ainda bem. Só que – lá está – não se pode
dizer isto em voz alta, nem em línguas perceptíveis. O erro de Centeno foi ter
falado inglês. Tivesse optado pelo grego e ninguém daria conta.
Se o vídeo de Mário Centeno
tem pouco para dizer aos gregos, ele tem muito para dizer aos portugueses. A
certa altura, Centeno afirma isto: “Eu sei que estas melhorias ainda não são
sentidas por todos os segmentos da população [grega] mas, gradualmente,
passarão a ser.” Reparem como é uma variação da famosa frase de Luís
Montenegro, de Fevereiro de 2014: “A vida das pessoas não está melhor mas a do
País está muito melhor.” Lembram-se dos rios de tinta que ela fez correr? A
insensibilidade, a falta de contacto com a realidade, a crueldade dos
sociais-democratas! E vai-se a ver, Mário Centeno teve 65 segundos de lucidez
onde disse exactamente o mesmo, responsabilizou um país intervencionado pelo
desastre da sua política económica e aconselhou-o a ter mais juízo daqui para a
frente. Percebo que isso irrite imenso Bloco, PCP e boa parte do PS. Mas eu
gosto muito. Antes um Mário Centeno descascado do que maquilhado com quilos de
demagogia, como é costume.
Jornalista
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