segunda-feira, 30 de julho de 2018

Um «pequeno» criativo da escrita


JORGE LAGE

Hoje não é fácil ser Professor do ensino não superior. Ao longo dos anos a figura do Professor degradou-se e atingiu o ponto máximo no ministério da instrução de Lurdes Rodrigues, na governação socretista. Os professores vivem atulhados de papéis que mal os deixam sonhar com um bom ensino ou fazer crescer os jovens intelectualrmente. Pessoalmente, quando o resto do edifício da Educação ruía, consegui que cerca de 2000 (dois mil) alunos, do pré-escolar ao secundário, participassem num Encontro Distrital, no Bom Jesus/Sameiro, durante um dia (Maio/2009), sem se verem telemóveis ou auscultadores, sem um rasgão num joelho. Os mais pequeninos eram ajudados pelos maiores como se fossem irmãos mais velhos. Como foi possível esta disciplina voluntária durante quinze Encontros? Dando aos Alunos dos Clubes da Floresta responsabilidade e liberdade (as regras de convivência, na sua maioria eram definidas por eles e outras decorriam das grandes acções). Isto para vos dizer que é possível nas escolas uma educação com valores morais e sociais sem ser de bagunça nem autoritária. Há uns tempos o sábio bibliófilo, Celestino Reis, fez-me chegar um texto do seu neto João Reis (tem dois netos como duas estampas). Perguntava-me, pressinto com uma ponta de merecida vaidade, se a composição do João estava bem. O texto foi criado quando o João tinha nove anos e deu-lhe uns retoques passados dois anos. Até parece que imitou Miguel Torga, que via e revia a sua escrita. O «Poeta da Montanha» (como se definia) era capaz de passar uma noite mal dormida a pôr e a tirar uma vírgula ou a substituir uma palavra ou expressão por outra que mais lhe caísse no goto talentoso. Mas, o texto do João tem imensa imaginação, as ideias ordenadas e uma história que poderia servir de suporte a uma pequena metragem animada ou a um filme sentimental em que se coloca nos objectos o que os humanos deviam fazer e a acção. Este texto podia servir, ainda, para introdução a uma economia mais amiga do Ambiente e do planeta Terra ou de que os objectos que utilizamos acabem por receber um pouco de nós e não devem ser descartados. Podia invocar-se o mundo de intriga e inveja que muitos portugueses não desdenham. Podia servir para mostrar se os objectos em fim de vida devem ser acarinhados, porque é que maltratamos os nossos velhos (pais, familiares ou vizinhos) colocando-os bem abaixo dos cães? Este texto do João Reis publico-o quando a maioria das crianças se interessa mais pelos telemóveis e internet e poucos se viram para a leitura, para as histórias e saberes dos pais e dos avós e até, como este caso, para escrita. O título do texto é por si figurativo: 
«Se eu fosse um lápis de carvão…
Eu gostaria de ser um lápis de carvão, porque ele é utilizado para poesia, textos descritivos, textos dialogais, desenhos… É utilizado para trabalhar e para sonhar.
Se eu fosse um lápis de carvão, o meu dono seria Miguel Torga (Adolfo Correia da Rocha), pois ele é famoso e um grande escritor português.
A minha história seria assim: Encontrava-me eu, em 1917, em S. Martinho de Anta, numa livraria pequena mas muito popular, já que muitas pessoas iam lá comprar livros e outros materiais, quando, certo dia, apareceu Miguel Torga. Este, ao ver os lápis de carvão, pegou em mim, pagou-me e levou-me para o seu escritório, onde me apresentou aos meus novos amigos e amigas. Fiquei muito feliz, enquanto os outros lápis ficaram com muita inveja por ter sido eu o escolhido por uma pessoa importante.
Como o meu dono escrevia muito, eu podia ficar gasto, sem bico, rombudo,… mas existia sempre uma afiadeira em cima da mesa, ou nas gavetas da sua secretária.
A minha rotina como lápis era simples. Depois de ser utilizado a escrever as ideias no bloco de papel, acabava em casa de um grande homem, que ganhou muitos prémios, como o Prémio de Camões, no seu escritório, ao lado de muitos livros que já escreveu colocados na estante entre borrachas, afiadeiras, folhas de papel e lapiseiras. Alguns destes objetos já gastos, pelo tempo ou uso, e outros a serem utilizados. Todos os dias, ficava no parapeito da janela à espera de novos amigos que o meu dono trazia da livraria onde eu tinha sido comprado.
Com o seu passamento, ficámos todos muito tristes, mas eu fico muito feliz porque o meu dono nunca deitava fora os “amigos” e “amigas” que o acompanharam ao longo da sua vida e talvez, por um passe de magia, eu pudesse continuar a escrever tudo aquilo que ele me ensinou.»

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