sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Uma pouca-vergonha



David Dinis - PÚBLICO
O caso do parecer que António Costa pediu à PGR sobre a imunidade do ex-vice-presidente de Angola mostra que nada mudou, em Portugal ou em Angola.


Deixe-me voltar a 2013: em Outubro desse ano, o então ministro dos Negócios Estrangeiros de Passos Coelho, Rui Machete, deu uma entrevista que causou escândalo, porque pediu “desculpas diplomáticas” ao Estado angolano pelas investigações judiciais que decorriam em Portugal visando altas figuras do regime de Luanda. 
Em 2013 não era Angola que estava (ainda) em crise profunda, era Portugal. E as empresas angolanas – as do regime – tinham vindo em salvação, que é como quem diz em proveito próprio, apanhar os cacos do resgate. O contexto não salvou Machete – justamente. Pelo PS, o então deputado Silva Pereira apressou-se a pedir a demissão do ministro: “Preste um último serviço ao país e faça o favor de sair, em nome daquilo que mais interessa: a dignidade do Estado português.” Pelo Bloco, Catarina Martins questionou Passos num debate quinzenal, pedindo-lhe resposta sobre um facto que “humilha” o país: “Não podemos aceitar que o ministro se ajoelhe, que peça desculpa por Portugal ser um Estado de direito.” Passos ignorou-a (sendo certo que Machete acabou por dar meia volta, admitindo que o pedido de desculpas “não foi feliz”).
Estamos agora em 2017. O Governo português é outro, o de Angola também. Mas ainda há uma investigação judicial em curso por cá, assombrando o antigo vice-presidente de Angola – e as relações entre os dois países.
Sintomático é que, nos últimos meses, António Costa tenha feito um pedido de parecer à PGR para saber se a Justiça portuguesa pode julgar Manuel Vicente ou se este terá imunidade. Só soubemos do pedido pelo Expresso, que deu conta do “incómodo” que o pedido tinha causado no nosso Ministério Público. Depois vimos Costa e Lourenço juntos, numa cimeira, em que o português disse isto: “O único irritante que existe nas nossas relações é algo que transcende o Presidente de Angola e o primeiro-ministro de Portugal.” E foi preciso vir Marques Mendes, comentador e conselheiro de Estado, esclarecer-nos que o parecer da PGR tinha fechado a conversa: a Justiça portuguesa pode mesmo julgar Vicente.
Questão encerrada? Impossível. Porque até hoje António Costa não confirmou o teor do parecer, não o homologou oficialmente, nem nos disse se o vai divulgar (em bom português, meteu o papel na gaveta para não incomodar mais). Impossível encerrá-lo também, porque o Bloco não pediu uma demissão, nem ousou fazer uma perguntinha a Costa no debate quinzenal; e porque Angola, mudando de Presidente, continua a fazer como outrora. É vira o disco e toca o mesmo. Afinal, em Angola e em Portugal mudou o quê?

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