Juan
Martin tinha acabado de chegar à central de camionagem onde trabalhava quando
viu a manchete do jornal Clarín: “A Bolívia anuncia que o Che morreu”. A
capa mostrava uma foto do guerrilheiro argentino, vestido com a habitual farda
militar e a fumar um charuto. Na segunda página do jornal, vinha a famosa
fotografia do Che de “rosto inexpressivo, tronco nu, olhos abertos, braços ao
longo do corpo e cabelo em desalinho, sobre a placa de cimento da lavandaria do
hospital Vallegrande”, na Bolívia. Para Juan Martin foi um choque tremendo que
fez questão de guardar só para si. Na empresa onde trabalhava a distribuir
produtos lácteos, ninguém sabia que era o irmão mais novo de Ernesto Che
Guevara. E ele nada disse.
O
silêncio que Juan Martin decidiu manter naquele dia 10 de outubro de 1967
prolongou-se por mais de 50 anos. Desde que o irmão foi fuzilado na sala de
aula de uma escola primária de La Higuera, uma pequena aldeia no sul da
Bolívia, nunca falou publicamente sobre ele. Só visitou o local muito, muito
tempo depois, e recusou sempre entrevistas ou comentários. Nunca quis escrever
um livro ou ajudá-lo a escrever. Fechou a sete chaves as memórias que tinha
daquele Che, que conheceu quando era simplesmente Ernesto, convencido de que
não deviam e não podiam ser partilhadas. Até que, em 2009, tudo mudou.
(…)
Depois
da criação de Los Caminos del Che, Juan Martin esbarrou, por acaso, com Armelle
Vincent. A jornalista francesa tinha-o entrevistado anos antes para uma reportagem
sobre o negócio da venda de charutos cubanos para a revista L’Amateur (depois
da saída da prisão em 1982, Martin tornou-se no primeiro importador de charutos
Havana). Naquela altura, não quis falar de Ernesto, mas as coisas entretanto
tinham mudado. “Agora já falas do teu irmão?”, perguntou-lhe Arnelle. Juan
Martin respondeu-lhe que “sim” e a jornalista propôs-lhe fazerem uma espécie de
entrevista sobre o Che. “Não foi de pergunta e resposta, foi mais uma longa
conversa gravada”, explicou o argentino. Foi essa longa “conversa gravada” que
deu origem ao livro O Meu Irmão Che, um relato pessoal e familiar da vida de
Ernesto Che Guevara, desde os seus primeiros anos de vida à sua morte em 1967,
na Bolívia, e dos acontecimentos de que foi protagonista. Publicado
recentemente em Portugal pela Objectiva, o volume saiu primeiramente em França.
“Só que eu não falo francês…”, lamentou Juan Martin. “A Armelle enviou-me o
original em francês, mas eu não o conseguia ler. E com o tradutor Google não
dá…”, brincou o argentino, que só conseguiu ler o livro de que foi coautor
quando este saiu em espanhol.
A
biografia, que é também uma autobiografia, tem como “objetivo humanizar o Che”
e colocar dentro da sua famosa imagem “um conteúdo também de pensamento”.
“Ernesto era um homem, é preciso tirá-lo do seu pedestal e devolver a vida a
essa estátua de bronze, para perpetuar a sua mensagem”, refere o livro, logo
nas primeiras páginas. É que, apesar de a figura de Ernesto Che Guevara ser uma
das mais famosas, as suas teorias políticas são, em grande medida,
desconhecidas. “Disse uma vez que as duas imagens mais conhecidas do mundo são
a de Cristo e a do Che, e um amigo disse-me que lhe parecia que não, que a de
Cristo é muito mais conhecida”, afirmou Juan Martin durante a conversa com o
Observador. “Creio que sim, mas Cristo foi morto há mais de dois mil anos. O
Che morreu há 50.”
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