1. Dada a regularidade
com que se indignam, é complicado mantermo-nos actualizados com as aflições dos
indignados profissionais. Nos primeiros 50 ou 60 escândalos, uma pessoa ainda
tenta prestar atenção ao sucedido. Após largas centenas, a tarefa mostra-se
impossível – e, dado a histeria infantil normalmente em causa, escusada. Foi
por isso que, em larga medida, a indignação desta semana me passou ao lado. No
máximo, percebi que um juiz invocou a Bíblia e o adultério para justificar o
espancamento de uma mulher. Uma tristeza? Evidentemente. À primeira vista, e
por uma vez, os indignados profissionais pareciam ter razão. À segunda vista,
infelizmente, não têm nenhuma.
O problema é muitos dos e
das feministas agora revoltados com a coutada do macho ibérico (cito outro
magistrado) são, salvo excepções, os mesmos que respondem com acusações de
racismo, xenofobia aos que hesitam em considerar o islão uma religião amiga das
senhoras e propensa à tolerância em geral. E, desculpem lá, não é muito
coerente atacar o juiz que decreta umas atoardas sem fundamento legal e, em
simultâneo, acarinhar a cultura que legalmente recomenda a lapidação pedagógica
das adúlteras.
Não é coerente nem é
compreensível. A menos que, como costuma acontecer, os indignados profissionais
possuam critérios de avaliação variáveis de acordo com a
crença/etnia/ideologia/naturalidade/o que calha de vítimas e carrascos. Talvez
os indignados profissionais achem que as mulheres portuguesas merecem mais
consideração que as muçulmanas. Talvez achem que os homens portugueses batem
mal. Talvez achem que os muçulmanos batem melhor. Certo é que os indignados
profissionais não parecem bater bem.
2. O sr. Sócrates é um
caso. Ou inúmeros casos. Apenas numa semana, com e sem escutas, aprendemos que:
1) a Ordem do ramo não considera o sr. Sócrates engenheiro, etiqueta a que
aliás meio país só recorria por galhofa; 2) uma das diversas senhoras das
relações do sr. Sócrates, que como as restantes se servia do homem para fins
materiais, em matéria sentimental preferia Claudino, emigrante e trabalhador da
construção civil; 3) um tal prof. Domingos, autor do primeiro livro do sr.
Sócrates (esta frase é estranha em qualquer contexto excepto neste), negou que
a “obra” tivesse sido escrita em francês, conforme o ex-primeiro-ministro
garantiu para dar “prestígio”; 4) o sr. Sócrates assinou (aqui o termo é
literal) novo livro, e embora ainda se desconheça o autor, o título (“O Mal que
Deploramos”) parece autobiográfico – e não é; 5) o sr. Sócrates tinha na CGD
uma gestora de conta invejável e intransmissível, que lhe dispensava quantias
gordas a tempo de pagar jantares e casacos Prada; 6) o sr. Sócrates não fazia
ideia do dinheiro que (não) possuía, estratégia que de resto adoptou no governo
da nação. Entre esquemas toscos, mentiras pegadas e restante parafernália
pirotécnica típica dos fura-vidas, o sr. Sócrates construiu uma figura pública
e privada que, desculpem lá, tem a sua graça. Aos que acusam o indivíduo de
prosperar à custa dos outros, e provavelmente à nossa, respondo que, se calhar,
valeu a pena: o abundante divertimento que o homem regularmente proporciona não
podia ser gratuito. Podia, admito, ser um pouquinho mais barato. Mas de borla
ninguém consegue nada (ninguém, vírgula).
3. Sobre os fogos e as
vítimas dos fogos e as causas dos fogos, ouvi as explicações de centenas de
especialistas e não liguei a nenhuma. Liguei à fornecida por Catarina Martins,
que sem meias palavras culpou os “preceitos neoliberais” pelas tragédias. É
evidente que a tese faz tanto sentido quanto responsabilizar o sr. Trump pelo
violador de Telheiras, ou a Autoeuropa pelas sobremesas no Rei dos Frangos. Mas
não resisto a admirar quem passa a vida a proferir insanidades só para ser
aplaudida em cursos de sociologia e alas psiquiátricas. Pode-se investigar a
espécie de carreira da dona Catarina, ou pegar na senhora pelos pezinhos e
agitá-la com vigor, que dali não sai, nunca saiu, o esboço de uma ideia
pertinente, ou sequer discutível. São anos e anos de disparates sucessivos, sem
intervalos para respirar e, sobretudo, pensar. É preciso coragem. Ou lata,
consoante a perspectiva. Não há embaraço ou qualquer outra forma de comedimento
que impeçam a dona Catarina de enfrentar microfones e, naquele jeito
pré-apoplético que celebrizou o seu antecessor, aliviar-se da coisa mais
absurda que lhe atravessa a cabecinha. Uma pessoa comum teria, por assim dizer,
vergonha. A dona Catarina não é uma pessoa comum: é a pessoa certa no lugar
certo, embora o curso de sociologia ou a ala psiquiátrica também não fossem
errados.
4. Por falta de formação
adequada e interesse, não tenciono acrescentar nada à análise das “relações”
entre o governo e o presidente. Limito-me a notar que, por um lado, as reacções
do PS ao ralhete do prof. Marcelo (as quais oscilaram entre chamar-lhe jumento
ou acusá-lo de querer implantar uma ditadura) foram as expectáveis num partido
que tem Lula, Chávez e a Gorda do Frágil como exemplos de sofisticação. Por
outro lado, noto ainda que no vergonhoso período que separou Pedrógão Grande do
ralhete o prof. Marcelo fez o possível e mais um bocado para proteger a
“entourage” do dr. Costa. E que, mesmo depois do ralhete, o abraço apertado à
ministra enxotada manchou seriamente a franqueza dos abraços que, a benefício
dos fotógrafos e da popularidade, o prof. Marcelo andou a distribuir pelos
sobreviventes da desgraça. Ao desprezar, por estratégia ou convicção, a incúria
que causou a primeira vaga de mortos, o prof. Marcelo absteve-se de impedir o
desleixo criminoso na origem da segunda. É por isso que é inútil, e algo
triste, o empenho de tantos em prever o futuro da famosa “estabilidade
institucional”. Útil seria compreender o passado da sociedade que permite uma
estabilidade assim e, sem trocadilhos, instituições assado.
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