Quando a nossa indignação for maior que o nosso
medo, então sim, discutiremos razões em vez de colocações.
“Quando eu tinha cinco anos, a minha mãe
dizia-me que a felicidade era a chave da vida. Quando fui para a escola,
perguntaram-me o que queria ser quando fosse grande. Escrevi feliz. Então eles
disseram-me que eu não tinha entendido o exercício. E eu disse-lhes que eles
não entendiam a vida”
John Lennon
Como qualquer humano explicado por Freud, somos
o resultado da disputa entre o nosso “id”, vertente primária subjugada pelo
instinto, o nosso “ego”, bússola de navegação pela realidade externa, e o nosso
“superego”, o árbitro implacável que vigia e obriga os outros dois estádios a
permanecerem entre os limites da moral vigente e a considerar os seus dilemas.
Poderemos falar de um “superego pedagógico”,
que obrigue os que têm por missão orientar os seres em crescimento a não lhes
dar o que não lhes deve ser dado, mesmo que imposto pelos normativos
modernistas dos que mandam, prolongando a abulia e subjugando as vontades?
Deverá esse “superego” atípico impedir que os professores empurrem as crianças
pelos corredores da pressa e do utilitarismo, quando as deviam guiar pelos
trilhos calmos do personalismo e dar-lhes tempo para terem tempo? Trilhos onde
os livros tradicionais ganhem aos meios electrónicos, a memória seja uma
qualidade intelectual respeitada e o silêncio cultivado como meio para nos
encontrarmos connosco próprios, aprendendo que até um cabelo projecta a sua
sombra.
A missão de um professor é também impulsionar e
acelerar a evolução da humanidade dos seus alunos, tornando-os mais sensíveis,
ensinando-os a distinguir a verdade da mentira, a justiça da injustiça, a
humildade da vaidade, a bondade da inveja. O desiderato de um professor é
também ter alunos que prefiram uma derrota com honra a uma vitória com trapaça,
que escolham a gentileza à brutalidade, que prefiram ouvir a gritar, que saibam
que chorar é próprio de quem sofre, não diminui e, quando acontece, só
engrandece. A obrigação de um professor é também ensinar aos seus alunos que só
aquece aquilo que se consome, que a falta de uma só trave pode tombar todo um
sistema, que é mais difícil fazer o que o coração dita que o que os outros
esperam, que é impossível tocar uma nuvem mantendo os pés no chão, que são os
erros e as esperanças desfeitas que ajudam a crescer e que, citando Confúcio,
“não poderão mudar o vento mas poderão ajustar as velas do barco para chegarem
onde quiserem”.
Na Escola não vivemos ao Deus-dará. Vivemos ao
Governo-dará, em situação de permanente experiência, conforme o lado donde
sopra o vento, sem ponderar impactos, sem avaliar as políticas ou com
avaliações pré-ordenadas para que os resultados sejam os pré-decididos. Na
Escola permitimos que as teorias sobre a formação de “capital humano” capturem
as teorias sobre o funcionamento da educação integral, expulsando as artes e as
humanidades. Na Escola vivemos obrigados por leis verga-carácter,
constantemente alteradas e interpretadas segundo a conveniência do legislador,
esquecendo o dever que nos assiste: não calar! E calamos. E desistimos. E
pactuamos. Pactuamos com insanos que se julgam profetas e tomam decisões em
nosso nome.
Eu sei que a complacência produz amigos e a
franqueza pode gerar ódios. Mas exponho-me, com o que sinto. Se queremos
resolver e não apenas discutir os problemas da nossa profissão, temos que
começar por tomar consciência de que fomos convertidos em proletários mal
pagos, ao serviço de senhores que não têm que fazer prova nem de saber, nem de
coerência, muito menos de ética, para mandar. Quando a nossa indignação for
maior que o nosso medo, então sim, discutiremos razões em vez de colocações. E
viveremos, como os outros portugueses, sem pânico de nos desmembrarem a família
em cada ano que começa.
Aldous Huxley escreveu algures que a ditadura
perfeita teria a aparência da democracia. Que seria um sistema de escravatura
onde os escravos teriam amor à sua escravidão. No início deste ano escolar,
abraço os professores do meu país e ouso sugerir-lhes que pensem no que acabo
de escrever.
Professor do ensino superior
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