Pelos vistos, nenhum deles parou cinco minutos
a reler aquilo que escreveu sobre José Sócrates ao longo dos anos.
Pedro Adão Silva |
No último Expresso, Pedro Adão e Silva e Daniel
Oliveira escreveram duas colunas gémeas sobre o caso Medina, insurgindo-se
contra o seu tratamento por parte da comunicação social. Louvo-lhes a
coerência. Lastimo que sejam incapazes de aprender com os erros. Pelos vistos,
nenhum deles parou cinco minutos a reler aquilo que escreveu sobre José
Sócrates ao longo dos anos, regressando agora com a argumentação patética da
terrível comunicação social e do malvado Ministério Público a propósito de
Fernando Medina e das notícias do seu apartamento. É um déjà-vu que causa
arrepios na espinha.
Daniel Oliveira |
Ponto prévio para quem adora tresler-me: eu não
estou a comparar Fernando Medina com José Sócrates. Já disse – e repito – que o
caso da casa não parece ter especial gravidade. Aquilo que estou, de facto, a
comparar é a argumentação dos dois colunistas do Expresso com a argumentação de
inúmeros colunistas ao longo dos anos socráticos, de cada vez que aparecia a
notícia de uma suspeita. Também ali havia invasões da “esfera íntima”,
impróprias de uma “sociedade decente”; também ali havia “insinuação
transformada em notícia” e um “processo de ‘correiodamanhização’ da comunicação
social”. Claro que Sócrates, que é tudo menos estúpido, aproveitou logo para
lançar mais um vídeo no YouTube, a exibir a sua solidariedade para com Medina.
Ao contrário de Pedro Adão e Silva e Daniel Oliveira, ele percebeu que a
mecânica que estava a ser criticada encaixava na perfeição na sua “narrativa”:
confundir o mais básico trabalho de escrutínio com ofensas à honra e à
dignidade de quem é alvo de notícia. Sócrates fez carreira à custa desta tese e
é inacreditável que ainda haja colunistas que a continuem a alimentar.
Há pelo menos cinco razões para o caso Medina
ser notícia: 1) o presidente da câmara comprou uma casa de 645.000 euros; 2) o
presidente da câmara comprou essa casa a uma herdeira do grupo Teixeira Duarte;
3) essa casa foi vendida por menos 200.000 euros do que a herdeira do grupo
Teixeira Duarte a comprou; 4) essa casa está num prédio que foi remodelado pelo
grupo Teixeira Duarte; 5) o grupo Teixeira Duarte foi contemplado com obras de
adjudicação directa pela Câmara de Lisboa. Isto, caros leitores, seria notícia
em qualquer parte do mundo. Significa que há aqui um crime? Não, não significa.
Mas desde quando está o jornalismo limitado a noticiar crimes? Espantosamente,
as mesmas pessoas que criticam a má influência do Ministério Público sobre os
jornais propagam uma visão policial do jornalismo: eles acham que todas as
notícias têm de ser crimes devidamente comprovados antes de chegarem às bancas.
Tudo o resto é “irresponsabilidade”.
Explica Daniel Oliveira: “É investigar e
provar. Provas diferentes das criminais, mas, ainda assim, provas.” Senão,
estamos no “domínio do boato”. Não, não estamos – estamos no domínio dos
factos. Lá por não haver uma relação criminosa entre eles, não quer dizer que
esses factos não sejam relevantes e que não devam ser noticiados. O artigo do
PÚBLICO foi assinado por José António Cerejo, que já fazia investigação
jornalística no tempo em que Daniel Oliveira andava de calções. E a sua
publicação exigiu explicações detalhadas a Fernando Medina, como é próprio numa
sociedade democrática. O que é que falhou aqui? Não falhou nada. Foram
jornalistas a fazer o seu trabalho, para grande tristeza de alguns colunistas
que ainda não perceberam o papel lastimável que desempenharam entre 2005 e
2011.
Jornalista
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