A propósito da entrevista do escritor J. Rentes de Carvalho ao
OBSERVADOR, surgiram para aí umas criticazinhas de gente miúda que se tem por graúda.
Certas senhoras ( e certos senhores) pensam que já têm obra para dar e vender, julgando que, pelo
facto de terem meia dúzia de livros publicados, são donas (ou donos) do saber, da verdade
e, sobretudo, de um poder moral que lhes advém de um molho de páginas que,
sabe-se lá para que fim servirão. Para nossa leitura não.
Esquecem-se, por exemplo, que Jean- Arthur Rimbaud escreveu uma obra
prima (“Iluminações”) de poesia com 16 anos. Escreveu mais uns excertos (“Uma
cerveja no Inferno”) e levou uma vida lendária em África, morrendo com cerca de
40 sem ter escrito mais uma linha que fosse; que Juan Rulfo escreveu apenas um
pouco mais de 300 páginas (com “Pedro
Páramo”, livro de cabeceira de Jorge Luís Borges e Garcia Marquez, à cabeça) ,
e que Aleksandr Soljenítsin quando recebeu o prémio Nobel da Literatura apenas
tinha publicado uma novela, ou seja, um único livro : “Um Dia na Vida de Ivan Denisovich”.
Rentes de Carvalho já publicou mais do que eles, mas já está no Outono
da vida. E, como eles, publica com extremosa qualidade. Publicar aqui toda a
entrevista não se perdia nada, mas optámos apenas por uma única pergunta (do
jornalista) e uma única resposta (do escritor) , a qual nos lembra gente como
Kant, John Stuart Mill, Karl Popper, Fiódor Dostoiévski
(e porque não Platão?!), ou mesmo o nobel acima referido - Soljenítsin.
O jornalista (do sistema) pergunta-lhe:
Não teme eventuais consequências junto dos seus leitores habituais por
ter declarado esta intenção de voto? Pergunto isto porque Wilders é sobretudo
associado a ideais como a islamofobia, nacionalismo, princípios de extrema-
-direita…
Rentes de Carvalho responde:
"Temer eventuais consequências? Nunca isso me passaria pela cabeça. Nada
tenho a ver com os meus leitores, não lhes devo coisa nenhuma, tão-pouco me
interessa o seu favor ou desfavor, ou que eles suponham poder-me associar com
Wilders, a islamofobia, a extrema-direita, o partido dos animais ou os
vegetarianos. Não pertenço, não me associo, não tiro proveito. Sou livre e ajo
com liberdade, nenhum interesse material, político, económico, social ou outro
tem poder para coartar a minha liberdade. Claro que sofro as consequências e
sei o preço dessa liberdade. O não ter cantado loas ao 25 de Abril, paguei-o
com quarenta anos de desdém e ostracismo. De nada contou ser na Holanda um
escritor bestseller, um jornalista respeitado, um docente universitário de boa
fama, um sujeito estimado. Em vez de dizer que nem as moscas nem o excremento
tinham mudado, teria sido proveitoso entrar no coro e gritar que, finalmente, o
sol brilhava para todos, até para os deserdados". Armando Palavras
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