Não é por conselho
do meu médico de família, o qual aliás desconheço, que em geral não vejo
"informação" política nas televisões. Nessa matéria, confesso
automedicar-me para evitar fenómenos precoces de degeneração mental. No outro
dia, furei o boicote e imprudentemente apanhei com cinco minutos de um
"debate". Moderado por João Adelino Faria, incluía o deputado ou ex-deputado do PSD José Eduardo Martins, o
grande historiador e grande ex-promessa do trotskismo Rui Tavares e um mocito
chamado Adão não sei quê.
A certa altura, o
moderador pede ao mocito que compare o famoso populismo do sr. Trump com o
menos famoso populismo do Podemos, do Syriza e do Bloco de Esquerda. O mocito
recusa compará--los, sob o argumento - cito de cor - de que, ao contrário dos
partidos nomeados, o sr. Trump é anti-semita, e isso, principalmente isso, o
mocito não admite. Aliás, o mocito adverte que desde a eleição americana, e só
desde então, o anti-semitismo regressou em força à Terra.
Não sei se o mocito
sofre de percepção limitada (é burro), pseudologia fantástica (é aldrabão) ou
pratica uma modalidade alternativa de comédia (é génio). O facto é que, mesmo
num meio em que a mentira descabelada é língua franca, não me lembro, nem
sequer nas intervenções do dr. Louçã, de alguém se aliviar de tantos e tão
desmesurados delírios em tão pouco tempo. É verdade que Adelino Faria e Eduardo
Martins tentaram, sem demasiada convicção, desmentir a enxurrada de asneiras. O
mocito permaneceu imperturbável. Os idiotas têm essa vantagem. Ou os charlatães
encartados. Ou os génios.
Não adianta, pois,
dizer ao mocito que o sr. Trump, que será imensas coisas desagradáveis e
possivelmente perigosas, não é, que se saiba, anti-semita, apesar de ter sido
apoiado por gente que o é (há uma diferença). Ou esclarecer o mocito de que a
filha, o genro e alguns dos principais conselheiros do sr. Trump são judeus. Ou
elucidar o mocito sobre a promessa do sr. Trump de mudar a embaixada americana
para Jerusalém. Ou lembrar ao mocito o júbilo do primeiro-ministro israelita ao
congratular o sr. Trump pela vitória.
E ainda que o sr.
Trump fosse anti-semita, de que modo sairia desqualificado da comparação com o
Syriza, que além de coligado com um partido neonazi possui dirigentes que
acusam os judeus de incendiarem - metaforicamente, espero - a Grécia com os
candelabros do Hanukkah? E da comparação com o Podemos, cujos sobas envergam
lenços palestinianos, veneram o Hamas e, na melhor tradição de Goebbels,
"desvendam" os "interesses" judaicos "ocultos"
nos filmes da Disney? E da comparação com o BE, rival dos comparsas acima em
matéria de "anti-sionismo", a versão "correcta" do
anti-semitismo de sempre?
Como o mocito ignora
ou finge ignorar isto, não vale a pena informá-lo de que o anti-semitismo não
voltou ao Ocidente na semana passada: é há muito dominante nos votos da ONU,
nos boicotes de universidades e nas estatísticas dos crimes de ódio. Também não
vale a pena aguardar que o poder, qualquer poder, ganhe vergonha e feche uma
RTP hoje quase totalmente ocupada por funcionários da propaganda oficial: o
mocito é apenas um entre inúmeros moços de recados. Mas quando orgulhosa e
descaradamente referem o célebre "serviço público", podiam explicitar
o "público" que servem. Pensando melhor, não é preciso: já fazemos
uma ideia.
Sexta-feira, 18 de
Novembro
A criança na
primeira fila
Não é costume
divulgar-se as conversas privadas entre estadistas. O breve - e, por causa do
embaraço, interminável - pedacinho conhecido do encontro do nosso presidente
com a rainha da Inglaterra mostram porquê.
Despachado o
protocolo ("É uma honra" e tal), o prof. Marcelo lembra as visitas de
Isabel II a Portugal e desata logo a chamar velha à senhora, ao notar que
aquando da primeira visita ele era uma criança. Pasmada com tamanha falta de
tacto, a rainha adopta o sarcasmo que tenta manter até ao fim daquela espécie
de diálogo: "Acredito..." O prof. Marcelo, porém, não apanha a
indirecta e prossegue impávido, agora a descrever o cenário: "O Terreiro
do Paço, aquela grande praça..." E a rainha, a fingir que em 59 anos não
voltou a pisar outra praça nem a pensar noutra coisa: "Sim..." E o
prof. Marcelo: "A carruagem..." E a rainha, divertida por alguém
imaginar que ela recordaria uma carroça específica: "Sim..." E o prof.
Marcelo: "Com o general Craveiro Lopes..." E a rainha, que
inexplicavelmente não parece ter presente essa incontornável figura da história
contemporânea, ameaça trocar o sarcasmo pelo receio: "Hm, hm." Em
roda livre, o prof. Marcelo desce ao pormenor ("Eu estava lá, em criança,
na primeira fila"), na esperança de que Isabel II o interrompesse: "O
pequenito com suspensórios? Ai era você?" Mas a rainha, quase em pânico,
lança um "A sério?" e, enquanto dá um passo atrás, pensa: "Ele
tem de estar a brincar!" Nisto, o prof. Marcelo, que só brinca, salta para
a visita de 1985, na qual, garante, foi convidado para jantar no Britannia
porque liderava a oposição. Não liderava nada, provavelmente ninguém o convidou
e, a julgar pelo fim abrupto do vídeo, de certeza que o encontro acabou aqui,
com a monarca em fuga a gritar por auxílio ("Ó da guarda!", como
diria Craveiro Lopes).
Moral da história? A
pândega com Fidel mostrou que o prof. Marcelo devia visitar exclusivamente
torcionários tropicais, onde os "afectos" não destoam. Vergonha por
vergonha, pelo menos os ensaios do dr. Sampaio não passam a fronteira.
Sociólogo
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