Alberto Gonçalves
Diário de Notícias
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Encerrado o "rescaldo" dos incêndios, é tempo de fazer o
"rescaldo" das declarações da ministra da Administração Interna sobre
os incêndios. Antes de mais, coloco a hipótese de as declarações em causa terem
sido realizadas sob coacção psicológica ou ameaça de arma, factores que
justificariam a radical imbecilidade das mesmas. Nesse caso, peço
antecipadamente desculpa à sra. ministra por tudo o que se segue.
Enquanto o país ardia, uma revista "cor-de-rosa" fotografou a
sra. ministra a passear o glamour inato numa festa algarvia ou similar. Embora
as proverbiais más línguas se apressassem a condenar a dra. Constança, é
inegável que, divertida e calada, esse foi o melhor momento dela nesta
história. Depois, a sra. ministra cedeu às pressões populares, regressou a
Lisboa e desatou a dizer coisas.
A primeira coisa que disse consistiu em lamentar a falta de
solidariedade europeia no combate aos fogos. Trata-se de uma reacção
representativa das principais qualidades socialistas (e, é chato acrescentar,
portuguesas): perante qualquer contrariedade, procuram instintiva e
alucinadamente arranjar um bode expiatório que os isente de obrigações. Para a
sra. ministra, o problema não são os incêndios, mas naturalmente as maçadas que
os incêndios lhe podem suscitar. Já basta o que basta, leia-se as férias
interrompidas.
A segunda coisa que a sra. ministra disse passou por defender a
"utilização comunitária" dos terrenos florestais abandonados, o que
nas entrelinhas significa roubá-los aos donos em proveito das autarquias, que
cuidariam da sua gestão e exploração: "É uma ideia que deve ser bem
ponderada, bem reflectida e penso que muito útil." Se ponderarmos bem, é
claro que as autarquias, esses paradigmas do rigor, seriam capazes de
aproveitar as desprezadas áreas em questão para magníficas rotundas, magníficos
pavilhões "multiusos" ou, com jeito, um daqueles magníficos projectos
financiados pelos "fundos" e de serventia nula (na minha terra
adoptiva, há um spa sem clientes que custou uma fortuna e está um primor). Se
reflectirmos bem, é claro que a sugestão ajudaria a um enorme avanço na luta
contra os incêndios, perdão, a propriedade privada que tanto consome as matas,
perdão, a alma dos socialistas. Muito útil seria a sra. ministra não pensar de
todo. E, quanto a punir o abandono de territórios, convinha notar os exemplos
dos membros do governo e do PR em pessoa, quase permanentemente em França, no
Brasil, na Índia ou onde calha a fim de "apoiar a selecção",
"apoiar a delegação" e outros propósitos vitais: não se pode trespassar
Portugal para estadistas a sério?
A terceira coisa que a sra. ministra disse define, digamos, um estilo e
merece integrar um compêndio restrito dos Grandes Desígnios da História da
Humanidade: a dra. Constança quer que os incendiários sejam responsabilizados
civilmente além de criminalmente, isto é, que paguem o prejuízo. A sra.
ministra está imparável, ou, no jargão americano e sem trocadilhos, "is on
fire". De acordo com um psicólogo citado na imprensa, eis o perfil do
incendiário-padrão: "Baixo nível educacional e de qualificação
profissional, habitante em zona rural, consumidor de álcool, com atraso
cognitivo e patologias do foro mental." Bate certo. Não é necessário o
anunciado, e assaz democrático, acesso aos dados bancários dos cidadãos para
constatar que um alcoólico retardado do interior, sem estudos e provavelmente
sem emprego, é criatura de vastos recursos financeiros. Mal se apaguem as
chamas nos 200 hectares, uma comissão de avaliação enumera os danos e o tolinho
tem 15 dias para efectuar o respectivo pagamento, mediante cheque na
conservatória do registo predial ou por transferência no multibanco. O Estado
inicia o processo de reconstrução, com investimento público adicional e criação
de emprego, e o povo festeja nas ruas. Assunto encerrado.
A ideia é tão boa que deveria ser alargada à própria esfera
governamental, na qual indivíduos demasiado incompetentes e nocivos seriam
responsabilizados criminal e civilmente pelos estragos cometidos. É evidente
que os senhores que nos tutelam não possuem a disponibilidade orçamental do
típico maluquinho da aldeia. Em contrapartida, os estragos, no bom senso, na
economia e no que calha, são imensamente maiores - e, até a julgar pelas
sondagens, o castigo nenhum. Quem é maluco, quem é?
Sexta-feira, 19 de Agosto
O recurso à diplomacia
Os filhos do embaixador do Iraque que, em Ponte de Sor, espancaram um
rapaz quase até à morte não possuem apenas imunidade diplomática: aparentemente
possuem também imunidade noticiosa. Houve pelo menos um canal televisivo que
tratou o caso sem sequer referir a origem dos agressores. Se a ideia era evitar
críticas preconceituosas, acho bem. Acolher os representantes oficiais de
nações amigas é compreender os respectivos costumes. Alguém condenaria os
filhos do embaixador americano por organizarem uma partida de softball com
colegas? Ou os filhos do embaixador cabo-verdiano por participarem numa sessão
de mornas? Cada um diverte-se como sabe e pode. São as diferenças culturais que
fazem do mundo um lugar lindo. E o respeito pelas diferenças torna-o ainda mais
bonito.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo
Ortográfico
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