Numa longa entrevista de
vida publicada no Observador, Marques Mendes
resolveu deixar a porta aberta para uma candidatura às eleições presidenciais
de 2024. Eu sei que até 2024 é possível que o mundo acabe ou que o país seja
leiloado, mas a mim interessa-me menos a probabilidade do que a
disponibilidade. O jornalista Vítor Matos, que assina a peça, começa por
perguntar se ele está interessado em vir a ser deputado ou presidente da
Assembleia da República. Marques Mendes é taxativo: “Nem pensar”. Já quando lhe
pergunta pela presidência da República, a resposta é esta: “Não sei, um dia
daqui a oito anos talvez pense nisso. O Presidente em princípio faz 10 anos e,
portanto, começa-se a pensar nisso dois anos antes. Um dia poderei pensar
nisso, apenas e só.”
Aquele “apenas e só”, não é nem “apenas”,
nem “só”. Por duas ordens de razões, ambas importantes. A primeira tem a ver
com aquilo que começa, aos poucos, a instituir-se como uma tradição nacional:
para alcançar os mais elevados cargos da pátria é preciso ter tido primeiro boa
nota como comentador, após longo estágio televisivo. Com a excepção de Cavaco
Silva e de Passos Coelho, desde o portentoso reinado de Pedro Santana Lopes que
não temos visto outra coisa. Santana Lopes foi durante mais de um ano
comentador em horário nobre com José Sócrates. José Sócrates foi comentador em
horário nobre com Santana Lopes. António Costa foi comentador da Quadratura do
Círculo. E Marcelo foi comentador durante metade da vida e, a bem dizer,
continua a ser, agora a partir de Belém. Nada tenho contra a televisão nem
contra o comentário político. Mas isto não me parece ser particularmente
saudável para a democracia portuguesa. Qualquer dia, em vez de votarmos,
escolhemos os nossos governantes através da análise do seu share.
A outra razão é esta: Marques Mendes tem
ar de poder servir, com a ajuda de uma cabeleira loura, de modelo para um anjo
de Rubens – mas é mesmo só ar. De santinho ele nada tem, e para o caso de não
terem reparado, o seu nome anda a fazer tangentes a episódios muito duvidosos.
Na questão dos escândalos dos vistos gold – descrito pelo juiz Carlos Alexandre
como “um lamaçal” –, o seu nome apareceu associado a vários arguidos, dos quais
foi sócio na empresa JMF Projects & Business, implicada no caso.
Depois, descobriu-se que também tinha andado a
pedir favores ao presidente do Instituto dos Registos e Notariado António Figueiredo
– cuja filha era sócia de Marques Mendes na empresa JMF –, para obter a
nacionalidade portuguesa para dois cidadãos estrangeiros. Um deles a mulher de
“um tipo de grande prestígio, talvez o maior empresário de Moçambique”. O outro
a nora do fundador do grupo Pão de Açúcar: “É muito importante, porque eles vão
investir muito dinheiro em Portugal”. Na entrevista ao Observador, Marques
Mendes garantiu que era “jurista, sempre”, e não lobista, nem facilitador. Pois
bem: não se nota. Digamos que é a sua queda para os eufemismos, que o levou a
chamar “pecadilhos” às pressões que fez na RTP, tal como em tempos chamou
“reencaminhamento de mails” a pressões junto da PT. Em 2007, a propósito de uma
polémica envolvendo a Universidade Atlântica, o chefe de gabinete de Marques
Mendes respondeu aos jornalistas com a seguinte frase: “Não se lembra de nada e
o que sabe é que está tudo bem”. Essa frase merecia estar inscrita no seu
cartão de visita. Comentador da SIC? Com certeza. Presidente da República?
Jamais.
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