domingo, 28 de agosto de 2016

O BE não pactua é com democracias


Alberto GonçalvesDiário de Noticias

Por dever de ofício, inclinação natural ou gozo, os políticos sempre mentiram. A diferença é que antigamente a mentira implicava um esforço, alguma sofisticação, um esboço de enredo. No Portugal de hoje, atiram-se ao ar as mais descaradas e preguiçosas patranhas na esperança de que as pessoas as engulam. E o nível de exigência está tão baixo que a esperança é fundamentada e as pessoas engolem mesmo as patranhas.
Segundo Catarina Martins, o BE não enviou um representante ao congresso do MPLA por "não pactuar com ditaduras". É preciso lata, mas também é preciso uma audiência particularmente anestesiada. Catarina, a Pequena, poderia justificar a ausência do partido dela em Luanda com o clima, o transtorno das viagens ou a aversão a mandioca: com a ditadura angolana é que não.
Até é ridículo ter de lembrar a simpatia apaixonada do BE pela ditadura palestiniana, ou a simpatia assumida do BE pela ditadura venezuelana, ou a simpatia mal disfarçada do BE pela ditadura cubana, ou ainda, se espreitarmos o respectivo site, a guarida que o BE oferece a sumidades sortidas, especialistas na veneração de totalitarismos sortidos. E é confrangedor ter de lembrar tudo o que os senhores (e senhoras) do BE já disseram, escreveram e pensaram sobre por exemplo os regimes americano, alemão, britânico, israelita, espanhol e português, este no tempo em que por cá governavam os partidos vencedores de eleições.
Pensando melhor, e não é necessário pensar muito, o BE só pactua com ditaduras. O problema do BE, e da extrema-esquerda em geral, é exactamente com as democracias, conceito absurdo que deixa aos cidadãos a possibilidade de escolherem o oposto da miséria com que o BE sonha. O caso de Angola é uma excepção "estratégica", e embora se trate de uma evidente autocracia é capaz de possuir residuais virtudes que me escapavam antes do alerta do BE. Vou ver. Quanto ao resto, prefiro tapar os olhos: é chato sermos burlados por vigaristas, e humilhante sermos burlados por vigaristas sem talento.

Terça-feira, 23 de Agosto

Notícias do Tempo Novo, XXVIII capítulo

De modo a alcançar a "paridade pura" (cito um ministro qualquer), o governo quer estabelecer "quotas mínimas por sexo" em "cargos de liderança". Acho lindo, com reservas. Em primeiro lugar, a ideia não é nada, nada, nada ofensiva para as senhoras. E se, para o peculiar feminismo em vigor, as muçulmanas devem ser livres de usar a burka - leia-se devem ser livres de se subjugar ao marido e ao islão sob pena de lapidação e consolos afins -, não se estranha que esse exacto feminismo defenda o vexame das ocidentais através de "cunhas" estatísticas.
Em segundo lugar, é indecente que as quotas se destinem exclusivamente a postos de chefia. Há demasiado tempo que a recolha do lixo e a carpintaria de sujos são coutada do macho da espécie, privilégio que urge combater.
Em terceiro lugar, lamento que a proposta se limite às fêmeas. Por um lado, é escusado ficarmo-nos só por dois sexos. A acreditar (com dificuldade) no que li algures, a sigla LGBT já pertence ao passado: o presente é LGBTQIA+ (Lesbian, Gay, Bisexual, Trans, Queer, Intersex, Asexuality, + o que calhar). E do futuro nem Deus sabe. Por outro lado, os tolinhos das "causas" não dividem a sociedade apenas segundo o género. Há incontáveis subdivisões, de acordo com a etnia, a religião, a origem social, a naturalidade, o desenvolvimento intelectual e físico e o diabo a quatro, que convém acarinhar através de quotas respectivas. Uma xintoísta aborígene, zarolha, transexual, filha de pai sírio e proveniente de um lar desfeito teria, na ordem ideal das coisas, o mundo aos seus pés. Ou no mínimo, cito o Expresso, no "sector público e nas empresas cotadas em bolsa".
Em quarto lugar, o mesmo governo que amigavelmente nos convenceu a sustentar os 18 cavalheiros da CGD pretende determinar as administrações de empresas privadas? Nisso já não acredito: deve ser gralha.

Sexta-feira, 26 de Agosto

A força do hábito

O mayor de Londres, que é muçulmano e que há meses proibiu o bikini na publicidade dos transportes públicos, apareceu a condenar o veto francês ao burkini (agora também vetado). De acordo com Sadiq Khan, "ninguém tem o direito de dizer às mulheres o que devem e o que não devem vestir". A frase faz sentido. Só por acaso, está incompleta. Ei-la inteira: ninguém tem o direito de dizer às mulheres o que devem e o que não devem vestir excepto se quem o diz professa o islão ou se o vestuário em causa desrespeita a sharia.
A curiosa participação do sr. Khan no debate ilumina-o. O problema não é tanto a intolerância de autoridades que forçam senhoras a despir os trapos, mas o ataque à tolerância que os trapos representam. Mesmo lá no fundo nenhum ocidental se maça face aos exotismos com que os "outros", ou as "outras", se cobrem. Os "outros" é que se ofendem face à "licenciosidade" (cito o prof. Freitas) com que os ocidentais se descobrem.

Dito de maneira diferente, em circunstâncias "normais" nunca nos passaria pela cabeça interferir nos hábitos alheios. Nas circunstâncias que temos, os hábitos alheios simbolizam um projecto destinado a abolir os nossos. E se era ridículo o espectáculo na praia de Cannes, é grotesca a quantidade de ocidentais que, mais do que ignorar a ameaça, defende-a e parece ansiosa pela sua consumação. Tratar o totalitarismo com as regras da liberdade não costuma acabar bem. Em geral, ganha quem procede ao contrário - como o sr. Khan está farto de saber.

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