Alberto
Gonçalves – jornal de Noticias
Um governo. Uma maioria. Um presidente. O primeiro, movido pelo
oportunismo, pela intrujice e por incompetência, actua com gloriosa
irresponsabilidade. A segunda, movida pela pressão das clientelas e pelo
fanatismo ideológico, exige com urgência inéditos paradigmas de loucura. O
terceiro, movido por um pavor clínico da rejeição, persegue transeuntes com
comendas e faz figuras incompatíveis com o cargo. Mesmo à distância, não seria
difícil adivinhar o futuro, a breve prazo, de um país assim. Para nossa
desgraça, a distância é nula e o país é aquele em que vivemos: difícil é
imaginar pior conjugação de circunstâncias. E o futuro, escusado lembrar, é
negro como a noite. Trata-se de azar? Só em parte. Sobretudo trata-se de um
crime, cujos autores sairão impunes e cujas vítimas serão inúmeras.
Ao contrário do que alguns esperam, isto não é um regresso a 2011,
quando apesar de tudo havia no PS uma ou duas pessoas com vergonha na cara. E
havia no poder ascendente uma ou duas pessoas que, cobardias de lado, teimaram
em evitar a queda. E havia uma "Europa" disponível para nos amparar
na dita.
Ao contrário do que temem outros, isto nem sequer é uma réplica da
situação grega, onde até a demência do Syriza depressa se viu invadida por
vestígios de realidade. As "sanções", ou a "prepotência de
Bruxelas", são o que hoje nos impede de prosseguir jovialmente o caminho
da Venezuela ou de um paraíso progressista similar, repleto de consciência
social e miséria. Não sei se, cansada de corrigir incorrigíveis, a odiada
"ingerência externa" impedirá tamanhas conquistas amanhã.
No fundo, isto é muito simples. E muito triste. O dr. Costa, que é tão
escrupuloso e sério quanto fluente na língua, está disposto ao que calha para
sobreviver politicamente. Sejam um produto de incidentes neurológicos ou uma
artimanha para servir amigos, as recentes declarações sobre o Novo Banco são um
mero exemplo, entre dezenas, daquilo que uma criatura radicalmente desprovida
de bom senso é capaz. Em poucos meses, Portugal transformou-se numa história
para assustar criancinhas, investidores e contribuintes em geral. O caso é de
tal maneira grave que a recorrente questão acerca do carro usado não se aplica:
do dr. Costa, ninguém aceitaria, nem dado, um carro com 0 km.
Infelizmente, não falta quem o siga até ao stand. Por conveniências
sortidas, temos o PS dos negócios, o PCP dos sindicatos e o BE da moral. E o PR
dos "afectos". E certo PSD unido na oposição subtil a um reduto de
sanidade chamado Pedro Passos Coelho. Cada elemento da divertida trupe
prepara-se para espatifar o país e, graças à tradicional tendência para
culparmos terceiros, espera terminar a proeza sob aplausos. Com jeito, este
processo de destruição metódica acabará imputado à UE, à Alemanha, ao brexit, à
instabilidade na Síria, ao sr. Trump e a três futebolistas franceses.
Sábado, 23 de julho
Pokémons
Camiões que atropelam nas esplanadas de Nice. Machados que retalham nos
comboios da Baviera. Punhais que esfaqueiam nas estâncias dos Alpes.
Metralhadoras que disparam em Munique. Por algum motivo que escapa à análise
mais cuidada, toda a sorte de utensílios desatou a atacar, e frequentemente a matar,
transeuntes despreocupados.
Se ao menos houvesse um factor comum à revolta dos objectos inanimados,
poderíamos identificá-lo e, quem sabe, combatê-lo. Mas não há. Ou melhor: há,
mas não se pode dizer. Só um racista e um xenófobo da pior espécie seria capaz
de notar que, atrás do volante ou das peças de cutelaria, existem sujeitos de
carne, osso e convicções fortemente orientadas por uma religião em particular.
Sejamos francos: queremos um mundo fundamentado na desconfiança? É justo
discriminar uma crença pacífica apenas porque uma quantidade razoável dos seus
praticantes costuma ser vista nas imediações de traquitanas usadas na chacina
de inocentes? Vamos confundir o islão com os atentados que animam as notícias
e, aos poucos, modificam o nosso quotidiano?
Não contem comigo. Quando me apetece afligir com a intolerância
religiosa, aflijo-me com as escolas que penduram crucifixos, com o "In God
We Trust" que enfeita as notas de dólar, com as cautelas securitárias do
"estado judaico" e com os pares de mórmones que às vezes passeiam na
rua ao lado. Isso sim, é grave e susceptível de arrasar um modo de vida. Os
muçulmanos encontrados na extremidade de machados e do que calha são uma
conversa diferente. E polémica.
Para muitos, esses muçulmanos não representam as comunidades a que
pertencem, tão sossegadas que, para não criar rebuliço, até evitam denunciar os
elementos "radicalizados" à polícia ou pendurá-los preventivamente
num poste. Para outros - ou para os mesmos, consoante os dias -, esses
muçulmanos são de certeza vítimas de deficiências na integração social, fruto
do desemprego, do descontentamento face ao T3 de renda técnica e de atrasos no
rendimento mínimo. Para um terceiro grupo de pensadores, esses muçulmanos
limitam-se a vingar, e bem, a opressão exercida por regimes imperialistas e
capitalistas.
Para mim, até estes argumentos sofrem de discriminação enviesada. O
islão, religião de paz, nada tem a ver com a violência acidental que assola a
Europa. O problema são os islamofóbicos que, aposto, subornam bugigangas
diversas para incriminar muçulmanos. Se a ideia é perseguir uma ameaça real,
persiga-se islamofóbicos. Ou gambozinos. Ou Pokémons.
Sem comentários:
Enviar um comentário