segunda-feira, 18 de julho de 2016

Uma heroína do nosso tempo


ALBERTO GONÇALVES - Revista
SÁBADO
Elie Wiesel, que morreu há dias, sobreviveu ao Holocausto e tornou-se um dos seus mais conhecidos divulgadores. Podemos discutir se Noite, livro de 1958, é uma grande obra literária. É indiscutivelmente um testemunho brutal da vida, se disso se tratava, em Auschwitz e em Buchenwald. Só não é único porque, felizmente, muitas vítimas do nazismo escaparam para contar a sua infeliz história, criando um subgénero que pelo menos um crítico designou por "indústria do Holocausto". Para inúmeros anti-semitas e self-hating jews, lembrar o horror é um golpe para encher páginas e ganhar dinheiro. "Denunciar" o golpe, e com isso encher páginas e ganhar dinheiro, é que é um gesto nobre. Se a extrema desumanidade da "solução final" é para desvalorizar e esquecer, ignoro que tipo de acontecimentos traumáticos estes vigilantes julgam digno de preencher um volume de memórias. Talvez o terrível bullying entre crianças. Ou, valha-nos Deus, o crucifixo na sala de aula. Ou, cataclismo dos cataclismos, o assédio sexual no trabalho.
À primeira vista, a deputada Isabel Moreira, que partilha com Wiesel a tatuagem no braço, não passou por atrocidades comparáveis. Aliás, o partido que representa encontra-se tacitamente coligado com um partido assumidamente comunista, cujos regimes se especializaram em campos de concentração, e com outro assumidamente trotskista, cujo mentor ajudou a inventar os campos de concentração modernos. Mas que importam os detalhes? Os queixumes do Gulag ou das câmaras de gás são para meninos. A trágica verdade é que a filha de Adriano Moreira, e emérita activista pela Palestina, sofreu assédio quando, menina e moça, iniciava a carreira num escritório de advogados.
Vou respeitar um minuto de silêncio para que o leitor controle o pranto e enxugue as lágrimas. Já está? Tentemos prosseguir. Na segunda -feira, a dona Isabel surgiu no noticiário da TVI a exigir (as almas sensíveis exigem imenso) a obrigação (as almas sensíveis obrigam imenso) de as empresas organizarem "seminários sobre assédio laboral". E foi aí que, enquanto explicava a necessidade da lei (as almas sensíveis legislam imenso), confessou, quase contrariada, o drama pessoal: "(A coisa) chegou ao ponto de, para mim, ser aflitivo ir trabalhar, aflitivo ser chamada para trabalhar a horas que não era suposto. (...) Ao fim de meses de desgaste (...), acabei por ganhar coragem de dizer a quem de direito e resolver a situação."
Até sinto um nó na garganta. Como é possível uma pessoa aguentar tamanha violência? Como é possível uma pessoa achar "aflitivo" trabalhar? Como é possível uma pessoa ser chamada a trabalhar a horas "que não é suposto" (sic)? Como é possível uma pessoa pôr termo a este desmesurado suplício? Pelos vistos, dizendo "a quem de direito" e pronto. Porém, isso implica possuir a "coragem" da dona Isabel, benesse que não coube a todos. Se os prisioneiros não fossem medricas e fizessem as queixinhas adequadas, o extermínio dos judeus nunca teria acontecido.
Só não espero que a dona Isabel converta as suas feridas para livro na medida em que folheei um "romance" (?) dela e é escusado alargar a tortura à língua. Mas, a bem da memória e do futuro, é urgente que a senhora percorra empresas a reivindicar uma sociedade que respeite as mulheres. A título de modelo, a senhora pode citar a sua amada Palestina.

O BOM
Altos quadros

O primeiro choque foi descobrir que há um Museu da Presidência. O segundo foi que o prof. Marcelo ainda não o transformou num lounge da bola. O terceiro foi que o director investigado pela PJ possuía ilegalmente um retrato de Jorge Sampaio pintado por Paula Rego. A ilegalidade é o menos: a questão é apurar se o infeliz o detinha voluntariamente. Se sim, é possível que se safe por inimputabilidade. Se não, já sofreu castigo suficiente. Pensem nisso enquanto vou ali pendurar um óleo de Catarina Martins assinado por Júlio Pomar.

O MAU
Nem falo das vénias a Sócrates

Durante 15 minutos do noticiário, o prof. Marcelo surgiu em três ocasiões. Na primeira, ao lado de populares, lambia um sorvete. Na segunda, ao lado de bombeiros, dizia-se em "estado de prontidão" para apagar incêndios. Na terceira, ao lado de quem calhou, comentava a morte de Camilo de Oliveira. Já não vi, mas é certo que ainda apareceu a esconjurar as sanções económicas, a divagar sobre a Selecção da bola e, não duvido, a prever o clima. Cavaco Silva nunca foi um PR acima de qualquer crítica. O prof. Marcelo começa a estar abaixo de todas.

O VILÃO
A gaiola das malucas

Se bem percebo os génios financeiros que nos governam, e que num semestre aumentaram a dívida pública em 6 mil milhões, não há motivo para sanções a Portugal. Ou há motivo para sanções e a culpa é do governo anterior. Ou não há motivo para sanções e a culpa das sanções é do governo anterior. Ou qualquer coisa assim. Entretanto, metade das ponderadas gémeas Mortágua acusa o sr. Schäuble de "semear o caos" para "desviar as atenções" da situação alemã (superavit recorde, desemprego nos 5%, etc.). Faz sentido. Faz calor. Faz de conta.

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