Sempre
tive pelos magistrados e pelos tribunais um enorme respeito. A toga preta que
os titulares da justiça usam em julgamentos e audiências próprias da aplicação
da Justiça, sempre me amedrontaram. Quando comecei a ir à vila de Montalegre (a
sede do meu concelho), fixei na minha retina um ambiente quase sinistro.
Volvidos 70 anos, ainda me arrepia o corpo e a alma. Em frente ao edifício da
Câmara: o tribunal, a cadeia, o carvalho da Forca e o paredão da Casa do
Cerrado. Nesse recinto se realizava a feira quinzenal do gado. Das aldeias
chegavam os bezerros com cerca de 6 a 7 meses. Lá apareciam o Cinzas, o
Barbudo, o Miranda e outros compradores que chegavam do Minho. Os preços por
cada vitelo oscilavam entre as 17 e as 19 notas (de cem escudos cada). Meu pai
já tinha comprador certo: o João Cinzas. Quase sempre oferecia 18 notas que era
«dinheirinho sagrado» para os gastos essenciais, ao longo do ano. Outros
vitelos eram comprados por negociantes habituais da zona do Minho. Juntavam
esses vitelinhos em cortes de vila. E ao fim de cada feira, eram encaminhados,
em manadas, por caminhos e atalhos que conduziam, com grandes dificuldades, até
Braga e Guimarães, revendendo a talhos ou matadouros conhecidos. Conservo desses tempos recordações saudosas
pelo amor aos bezerros que via nascer, crescer e partir para o abate fatal
O cenário do Largo do Toural, mudou de sítio
e de forma de comercialização. Em vez das «manadas», vieram as camionetas de
transporte e o local da feira também mudou de sítio, tal como eu que deixei de
ser pastor para ser estudante, militar e várias outras coisas, como esta de dar
testemunho de como era no meu tempo e na minha geração.
Dessas más recordações me servi para não
querer nada com tribunais, cadeias e funções afins. A primeira vez que entrei
num tribunal foi em Chaves, num conflito entre clientes de dois advogados:
Manuel Verdelho e o «Dr. Alheiras», cujo nome verdadeiro nunca fixei. As coisas
«aqueceram» entre os dois juristas, de tal modo que eu, regressado de Angola,
como oficial miliciano Ranger, disse aos circunstantes que, em dois anos de
guerra, nunca assistira a cena tão peripatética.
Declaradamente
fiquei mal impressionado com a experiência e, ainda que, como jornalista tenha
sido arguido nalguns processos por «alegado abuso de liberdade de imprensa»,
nunca fui julgado, nem sequer admoestado, o que considero uma façanha para
quem, como eu, sempre foi tão frontal como polémico.
A este propósito deixo aqui um certo
sentimento de pasmo: o anterior governo – que eu saiba – atravessou um mandato
de 4 anos sem que algum governante, político ou assessor, tenha processado qualquer jornalista ou órgão de informação. E
muitas injúrias, nomes feios e acusações graves foram, publicamente feitas contra
vários governantes. Já o mesmo não se pode dizer de membros do atual governo e
de seus apoiantes, como o ministro da Educação e o sindicalista Mário Nogueira
que já anunciaram processar alguém que os beliscou. Pela aragem...
Trouxe
este tema à reflexão com os meus leitores pela notícia que tem circulado em
jornais credíveis, como o JN de 21 de Maio, pela revista Gente da última
semana. Nesta revista cor-de-rosa foi manchete, na capa, em duas páginas
interiores. Na capa pôde ler-se: «Sócrates e advogados chocados- não queremos
acreditar que isto possa ser verdade – Escândalo Festas Privadas no Tribunal –
oficiais de Justiça divertem-se no local de trabalho». A revista usa letras
garrafais e imagens com diversas pessoas como interpretes, facilmente
identificáveis.
O JN mostra uma imagem elucidativa e escreve
em título: «Vídeo de funcionárias judiciais faz furor nas redes sociais: Dança
no varão sem inquérito disciplinar». Se a notícia vem confirmar que tais
procedimentos afetam a (boa) imagem dos funcionários da Justiça, o que aí se
lê, é que alguma coisa mais profunda e revoltante se passa com a Justiça e seus
servidores.
«As
funcionárias judiciais que improvisaram uma dança no varão no local de trabalho
não deverão ser alvo de processo disciplinar». E esclarece: «o que fizeram
durante a hora de trabalho, se ocorreu, é grave. Mas ocorreu há mais de um ano.
E «o Código Administrativo não permite abrir inquéritos sobre algo que ocorreu
há mais de três meses. Ora a cena terá sido filmada numa terça-feira de
Carnaval, em 2013 e, durante o almoço. Vê-se bem que foi uma brincadeira»...
Mas
os funcionários públicos, já por si, têm má imagem, por parte de quem a eles
recorre. No caso concreto dos tribunais, as televisões mostram, nalgumas
reportagens, as pastas espalhadas pelo chão, em cima de mesas mal arrumadas e
acauteladas, face aos casos jurídicos que estão em segredo de justiça. Essas
imagens vêm sempre ao de cima, quando, num caso como este, surgem cenas nada
edificantes. As decisões políticas recentes, de fechar, de reabrir, de alterar
serviços tão complexos, quase dá a entender que a justiça anda de rastos. E a
justiça não é, nem pode ser uma bola de pingue-pongue.
Barroso da Fonte
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