Por muito que se amplifiquem as vozes que são especialistas a dizer mal
da UE, constituirão uma minoria os que prefeririam recuar a 1985 e continuar
«orgulhosamente sós» à margem da Europa.
Ana Paula Azevedo - Jornal Sol
Por estes dias, chovem críticas à União Europeia e esta tornou-se o
bode expiatório de eleição. Porque não soube ler os sinais de insatisfação dos
ingleses e prevenir o Brexit, porque não nos perdoa dívida e quer aplicar-nos
sanções por infração do limite do défice, porque não tem solução para os
refugiados, porque não é suficientemente solidária com os países do Sul, porque
demora a reagir concertadamente ao terrorismo ou, até, porque nos obrigou a
usar utensílios de plástico em vez de colheres de pau e impôs calibres às maçãs
e às laranjas. Enfim, uma catástrofe, diz-se. A tal ponto que um partido, o BE,
quer fazer a toda a força um referendo sobre o Tratado Orçamental.
Recuemos 30 anos. Não tínhamos um país ligado por uma rede de estradas
e autoestradas, graças a fundos europeus que foram decisivos também para
modernizar empresas e centros de investigação. Não percorríamos sem obstáculos
a maioria dos países da Europa, sem fronteiras, e os jovens não tinham como
certo irem estudar para um qualquer país europeu ao abrigo de programas de
intercâmbio.
Também não tínhamos acesso a
organismos que permitem desmantelar redes transnacionais de crime organizado,
nem, em caso de resgate, um Banco Central Europeu a comprar a todo o transe
dívida pública para conter as taxas de juro com que nos financiamos. E muitos
outros exemplos se poderia dar.
«A Europa é dos cidadãos, não das regulamentações», disse esta semana
Mário Centeno, a propósito do processo aberto a Portugal por infração do défice
e insurgindo-se contra a eventual aplicação de sanções. O ministro das Finanças
tem, em parte, razão: a UE tem muitas qualidades, mas também defeitos,
nomeadamente o de olhar para o acessório e esquecer o essencial – e que, neste
caso, é o facto de estar em causa uma infração de duas décimas por parte de um
país que engoliu o xarope todo da receita prescrita pela própria UE, além de
que nunca um Estado-membro foi antes sancionado por infringir o défice – e isso
aconteceu incontáveis vezes.
Mas Centeno não pode esquecer que uma união de países e cidadãos tem
regras e que estas são feitas para serem cumpridas. Não se pode exigir
solidariedade entre Estados e não corresponder com a quota-parte de
responsabilidade e empenho. Não se pode exigir direitos e benesses e, ao mesmo
tempo, recusar deveres e sacrifícios.
Do mesmo modo, é muito engraçado ouvir certas vozes, em particular do
BE e do PCP, a criticar violentamente os «desmandos da Comissão Europeia» e do
BCE, que apelidam de «entidades externas» – como se essas não fossem as instâncias
que representam e governam uma comunidade voluntária de países, entre os quais
Portugal. Faz lembrar os impropérios que Alberto João Jardim proferia contra os
«senhores do Continente» e dizia que não tinha de obedecer às suas regras,
quando os partidos da esquerda o criticavam pelos gastos em obras públicas
sumptuárias que fizeram disparar a dívida da Madeira. De tal forma que, nos
últimos anos, isso custou um plano de resgate também aos madeirenses, não se
tendo ouvido vozes de solidariedade com Jardim na hora das negociações.
Por muito que se amplifiquem as vozes que são especialistas a dizer mal
da UE, constituirão uma minoria os que prefeririam recuar a 1985 e continuar
«orgulhosamente sós» à margem da Europa. Uma Europa que continua a atrair milhões
de pessoas originárias de outros continentes e não apenas as que fogem às
guerras – querem aqui viver porque somos um referencial de progresso, de
valores humanistas e de cultura de liberdade. Valorizemos, pois, o que é
essencial e não o acessório.
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