Qual
é o meu problema com o vistoso arraial do Orçamento Participativo de Portugal?
É este: três milhões de euros.
É
verdade que tenho escrito muitos textos a atacar António Costa. Mas admitam: o
homem dá-me todos os dias boas razões para isso. Na segunda-feira, o nosso
querido primeiro-ministro foi ao Museu Nacional de Arte Antiga anunciar, com
toda a pompa e circunstância, o primeiro OPP – Orçamento Participativo de
Portugal. Levou estrado, palanque, microfones, projectores e, pelo menos (foi
os que consegui contar), um primeiro-ministro, três ministros e alguns secretários
de Estado. A comunicação social deu o seu OK ao OPP e respondeu em força: a
cerimónia foi abordada logo nos primeiros minutos dos telejornais da SIC e da
TVI e o PÚBLICO dedicou-lhe uma página inteira no dia seguinte.
A
atenção compreende-se. O Orçamento Participativo de Portugal pretende ser uma
réplica à escala nacional dos orçamentos participativos que têm vindo a ser
desenvolvidos com sucesso em vários municípios, com destaque para Lisboa. A
ideia nasceu no tempo em que António Costa era presidente da câmara, tem
corrido bem, aproxima os cidadãos da política, convida-os a tomar a iniciativa
de melhorar as suas cidades, e permite concretizar pequenos projectos úteis e
criativos, após votação pública. Tudo coisas, como diria Artur Jorge, boas e
bonitas – e, ainda por cima, descentralizadoras e liberais. Música para os meus
ouvidos. Pode discutir-se, claro, se aquilo que faz sentido localmente faz
sentido nacionalmente – eu acho que não, mas nem quero ir por aí. Vou até
admitir, que é para os meus queridos leitores não acharem que isto é só má
vontade, que a ideia é estupenda e faz todo o sentido ser implementada a partir
do Terreiro do Paço.
Qual
é, então, o meu problema com o vistoso arraial no Museu Nacional de Arte
Antiga? É este: três milhões de euros. O orçamento do Orçamento Participativo
de Portugal tem o valor de três milhões de euros, 0,0035% do orçamento do
Estado para 2016 (85,4 mil milhões de euros, mais coisa, menos coisa), para
aplicar em quatro áreas: cultura, agricultura, ciência e formação de adultos, o
que dá uns estupendos 750 mil euros por área. E agora deixo-vos a descrição que
o PÚBLICO faz dos vários passos do processo até chegar à atribuição desse
incrível montante. Até final do ano, “decorre a fase exclusivamente dedicada à
divulgação da iniciativa, junto de autarcas, associações, empresários e
cidadãos”. Entre Janeiro e Abril de 2017 há quatro meses para apresentar
ideias, durante os quais “governantes andarão pelo país” a “falar com as
pessoas”. Depois vem a “discussão e elaboração” das propostas, em assembleias
participativas. Em Maio, “terá início a fase da análise técnica”. Entre Junho e
Agosto os cidadãos poderão votar online ou por sms. E segue-se, em Setembro, a
apresentação pública dos projectos vencedores. Fixaram tudo?
Óptimo.
Agora façam as contas. Se somarmos os custos da apresentação do OPP, da
divulgação do OPP, da organização do OPP, da discussão do OPP, da votação do
OPP e da implementação do OPP, desconfio que a burocracia e os meios envolvidos
na atribuição de uns ridículos três milhões de euros serão superiores a três
milhões de euros. Não só António Costa andou entretido em cerimónias de
propaganda por causa da alocação de 0,0035% dos recursos do Estado, como
certamente vai ser maior a despesa da propaganda do que o investimento que
propagandeia. Digam-me: sou eu que tenho mau feitio? Ou andar a perder tempo e
dinheiro com uma iniciativa destas, no actual contexto do país, é mesmo uma
vergonha?
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