terça-feira, 21 de junho de 2016

Crime, disse eu




José António Saraiva – jornal Sol

O acordo à esquerda não serviu os interesses do país: serviu os interesses de António Costa e do Partido Socialista


Durante muito tempo discutiu-se a ‘legitimidade’ desta solução de Governo apoiada pelo PCP e pelo BE.
 «É ou não é legítima?» – perguntava a esquerda, irritada com as críticas da direita.
Ora a questão não era a legitimidade: a questão era saber se seria uma solução boa ou má.
Ou seja, era saber se seria melhor o PS juntar-se às esquerdas ou aliar-se ao PSD  e fazer um bloco central.
Do ponto de vista estrito do PS, essa solução era pior – pois António Costa não seria primeiro-ministro, mas sim Passos Coelho.
Mas do ponto de vista do país também seria pior?
Quando se realizaram as eleições de 4 de Outubro, a situação era esta:
– O PIB estava a crescer;
– O investimento estava a crescer;
– As exportações estavam a crescer;
– O desemprego estava a diminuir;
– Os juros da dívida estavam em valores mínimos.

Ora, tendo isto em conta, qual seria a atitude certa?
Obviamente, prosseguir no mesmo caminho.
«Em equipa que ganha não se mexe», lá diz o adepto de futebol.
Mas, para isso, era preciso António Costa aceitar ser vice de um Governo PSD/PS (ou então, deixar passar o Governo minoritário PSD/CDS).
Assim, seria garantida, no essencial, a continuidade das políticas que tinham começado a dar frutos.
Seria este o interesse do país.
Mas, como desse modo não seria primeiro-ministro, António Costa fez exatamente o contrário: celebrou uma aliança contranatura com as esquerdas, a qual obrigou o Governo a reverter as medidas e as decisões tomadas pelo Executivo anterior e a iniciar um caminho completamente diferente.
A justificação era acelerar o crescimento económico.
Mas o objetivo escondido era outro: permitir que António Costa fosse primeiro-ministro.
Hoje, o resultado dessa ‘nova política’ está a vista de todos:
 – O PIB abrandou o crescimento;
– O investimento caiu bastante;
– As exportações diminuíram;
– O desemprego não caiu e até cresceu ligeiramente;
– Os juros da dívida subiram.

António Costa diz que as coisas estão a correr como previsto.
Então ele previa que todos os indicadores piorassem em relação ao Governo PSD/CDS, ao Governo da austeridade, ao Governo que a esquerda incensava como o pior desde o 25 de Abril?
Dir-se-á que o consumo interno cresceu.
Mas isso é bom – ou será um facto perverso?
É que o aumento do consumo leva ao aumento das importações, à diminuição da poupança e à consequente diminuição da liquidez dos bancos.
Os países ricos são os que exportam muito e não os que importam muito.
Uma coisa já não é possível esconder: a situação está bastante pior do que estaria caso o país tivesse continuado no mesmo rumo.
Ou seja, se o PS tivesse feito um acordo com o PSD ou tivesse viabilizado o Governo PSD/CDS.
O acordo à esquerda não serviu os interesses do país: serviu os interesses de António Costa e do Partido Socialista.
Na prática, António Costa usou o país para ter a vaidade de ser primeiro-ministro e de o seu partido ser poder.
Esta é a verdade nua e crua.
Sanções, por que não?
Devo ser o único português a defender esta posição, mas procuro sobretudo ser coerente comigo próprio.
A direita e a esquerda, o Presidente da República e o primeiro-ministro, estão juntos no objetivo de rejeitar o pagamento de sanções pelo não cumprimento do défice de 2015.
Compreende-se: a direita foi responsável por ele e a esquerda teria de o pagar.
Mas, para lá destas razões interesseiras, ainda não vi qualquer argumento racional contra as sanções.
Basicamente, diz-se que o Governo de Passos Coelho fez o que a troika mandou – e, se a receita não deu resultado, a culpa é da troika e não de Portugal.
Depois adianta-se que o pagamento de sanções seria «contraproducente» para os interesses de Portugal e da própria União Europeia, na medida em que prejudicaria o nosso crescimento.
Ora, é preciso dizer que Portugal não fez bem o que a troika mandou: basta pensar nos cortes chumbados pelo TC, que a terem sido feitos seriam mais eficazes na redução da despesa e no controlo do défice. E isto para não falar nas reformas estruturais, que ficaram muito aquém do acordado.
Em segundo lugar, a responsabilidade das medidas é sempre dos governos nacionais e não da troika.
A troika pode sugerir medidas – mas a última palavra é do Governo, que tem a possibilidade de aplicar receitas alternativas, desde que teoricamente passíveis de obter os mesmos resultados.
Portanto, a responsabilidade pelo incumprimento do défice é sempre de cada Estado.
Quanto às sanções serem «contraproducentes», pergunto: elas não constam de um tratado que todos assinaram?
E só agora vêem isso?
Agora é que passaram a ser contraproducentes? Antes não eram?
A questão tem de ser posta ao contrário: para que serve o Tratado Orçamental se as sanções continuarem a não ser aplicadas?
Se as sanções forem constantemente adiadas ‘para melhor oportunidade’, todos os países se sentirão à vontade para não cumprir o Tratado – e nunca mais será possível aplicá-lo.
E isto, a prazo, fará rebentar a UE, porque uns Estados não quererão indefinidamente continuar a pagar os défices dos outros.
Portugal não devia, pois, querer um tratamento de favor: Portugal deveria ter por objetivo cumprir anualmente os défices, dispondo-se a pagar quando tal não fosse possível.
E deveria exigir para os outros países o mesmo tratamento.
Doutra forma, a União Europeia não terá qualquer futuro.
E nós também não.

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