26/05/2016
A
laicidade não diz respeito apenas ao catolicismo, pois não?
A
primeira notícia que li sobre o assunto saiu no PÚBLICO do passado
dia 18, mas a desatenção é minha: em Outubro de
2015 já vários jornais haviam dado conta da intenção da Câmara de Lisboa em construir
uma nova mesquita na Mouraria.
Deixem-me sublinhar logo à cabeça, que é para não pensarem que receio a
infiltração do Daesh na Baixa de Lisboa, que nada me move contra mesquitas.
Aliás, se há sítio onde faz sentido construí-las é na Mouraria, como o próprio
nome indica. A minha questão é muito mais comezinha, e não tem nada a ver com o
papão do terrorismo islâmico. Ela resume-se a duas breves palavras e um ponto
de interrogação: quem paga?
A
notícia do PÚBLICO centrava-se em António Barroso, proprietário de dois
edifícios que a câmara decidiu expropriar e demolir para a construção da
mesquita e requalificação da Praça da Mouraria. António Barroso quer mais
dinheiro pelos imóveis – a câmara oferece 530 mil euros, ele pede dois milhões.
Se valem isso ou não, não faço ideia, mas consigo identificar-me com parte das
suas queixas. Argumenta o senhor Barroso que quando avançou com a recuperação
dos prédios, em 2006 e em 2009, foi obrigado a cumprir uma longa lista de
exigências e restrições para respeitar os traços arquitectónicos originais.
Agora, que é para deitar abaixo, a câmara argumenta que os edifícios “não
apresentam especial interesse arquitectónico”. Eis, em todo o seu esplendor, o
típico duplo critério da burocracia pública nacional.
Mas
por muito injusta que seja a situação do senhor Barroso, a questão fundamental
para o erário público não é quanto dinheiro vai ele receber, mas quem é que lho
vai pagar. Todo o artigo está escrito no pressuposto de que é a própria câmara,
até porque foi ela que assinou a “declaração de utilidade pública de
expropriação com carácter de urgência”. Ora, vão desculpar-me: eu percebo com
muita dificuldade que o mesmo Partido Socialista que no país é tão lesto na
defesa da laicidade – como ainda
recentemente se viu a propósito dos contratos de associação com escolas
católicas –, seja tão lento na defesa da laicidade em Lisboa quando se trata de
construir uma mesquita.
Eu
sei que dá certa panache percorrer a Mouraria de tuk tuk enquanto se escuta o
muezim no alto do minarete. É um espectáculo bonito, sim senhor, e até poderia
ser patrocinado pela Associação Turismo de Lisboa. Mas a laicidade não diz
respeito apenas ao catolicismo, pois não? É que às vezes parece. Quando se fala
em católicos, a esquerda é toda laica – e quer a Igreja longe dos dinheiros
públicos. Quando se fala em muçulmanos, a esquerda é multicultural – e chega-se
à frente com o cheque. Alguém me consegue explicar a lógica disto, se faz
favor? Ou é uma situação habitual, e a câmara também patrocina igrejas,
sinagogas e templos de Shiva?
Infelizmente,
a câmara não esclareceu o PÚBLICO sobre o tema. E também não esclareceu a Lusa:
“As questões têm de ser analisadas por diferentes serviços, tendo em conta a
complexidade do assunto.” Contudo, em Outubro, o vereador Manuel Salgado
esclareceu, ao menos, os números: 2,9 milhões de euros para expropriar,
requalificar o espaço e construir a mesquita. A cargo da comunidade muçulmana
ficariam apenas “os acabamentos”. O presidente da Câmara celebrou o facto como
uma “marca de abertura e de que todos são bem-vindos”. Eu, claro, também acho
óptimo que todos sejam bem-vindos. Só acho péssimo que sejam os meus impostos a
subsidiar o culto de Alá.
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