SANTANA CASTILHO - jornal Público
27/01/2016
Bendito
seja Costa se vier a ter razão para me chamar Velho do Restelo!
1. Dois meses corridos sobre a entrada em
funções do novo Governo, considerando todos os anúncios de mudança e o que já
foi mudado, venho perguntar aos professores de sala-de-aula: então, que tal?
Da última vez que os contei, eram 11 os
documentos, com 18 itens de referência obrigatória, que uma simples reunião de
turma de final de período gerava. Há sinais de alívio desta burocracia
gratuita? As esferográficas continuam a ser compradas através de concursos
públicos centralizados, via plataforma informática? Em tempos de reversão,
fala-se por aí que cada escola vai voltar a ser escola? Ou está tudo sereno, na
molhada do agrupamento? Já discutem um novo modelo de gestão, que traga democraticidade
à coisa, ou estão bem sob o jugo de vários pequeninos ditadores? O vosso quadro
de pessoal está em vias de ter uma dimensão adequada às necessidades? Já
perceberam como a vossa carga desumana de trabalho não remunerado vai ser
aliviada? Já reorganizaram as vossas vidas para responderem zelosamente ao
acréscimo de provas a corrigir com a ressurreição das provas de aferição? Já
trabalham para definir que recursos e que meios a vossa escola vai ter para
combater as dificuldades dos alunos? Já decidiram algo sobre a reversão das
aulas de 90 minutos? Embora já habituado, notei que há poucos dias (Escola
Secundária Jorge Peixinho, no Montijo) um colega nosso levou um valente murro
de um aluno, em plena sala de aula. Pergunto-vos se já notaram indícios de que
algo vai mudar em matéria de disciplina. Fala-se por aí em tornar público o
crime de agressão a um professor? Ou está tudo tranquilo e a indisciplina é
coisa que não vos aflige? Serviços de orientação escolar, vocacional ou
tutorial? Diz-se algo? Sobre o que se seguirá ao fim do vocacional em idade
precoce, consta algo? Necessidades educativas especiais, minorias étnicas,
culturais e religiosas? Fala-se disso? Têm corrido bem as reuniões com os
sindicatos para alterar o estatuto da carreira docente?
Desculpem! Reli isto, um décimo do que
gostaria de vos perguntar, e reconheço a minha inconveniência: que importam
estas minudências se os exames acabaram?
2. O fim da denominada Bolsa de
Contratação de Escola (BCE), instrumento que permitia que escolas com contratos
de autonomia ou integrantes dos Territórios Educativos de Intervenção
Prioritária (TEIP) fixassem critérios próprios para contratar professores, é
uma medida positiva, por pôr fim a uma roleta-russa absurda, geradora de
processos tresloucados, que vitimaram milhares de professores.
Mas a morosidade na colocação (21 dias em
média por cada docente) numa burocracia inaudita, balizada por 2,3 milhões de
candidaturas a 7573 concursos no presente ano, sendo relevante, não é argumento
primeiro. Mas foi o que o ministro invocou.
Tão-pouco me parece aceitável insistir em
reivindicar poder para fixar critérios próprios, por isso fazer parte dos
contratos de autonomia. Mas foi o que invocaram o presidente da Associação
Nacional de Dirigentes Escolares e o presidente da Associação Nacional de
Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas.
Termos em que parece pertinente recordar
que o argumento primeiro é o que o artigo 47.º da Constituição da República
Portuguesa fixa, quando determina que “todos os cidadãos têm direito de acesso
à função pública, em condições de igualdade e liberdade”. Com efeito, o
carácter universal deste direito de acesso foi denegado a milhares de
professores, por via de 1149 páginas de critérios imbecis e grotescos,
definidos para só servirem a alguns. E porque o momento é próprio e o tempo é
novo, recorde-se, ainda, toda a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União
Europeia, relativa à directiva 1999/70/CE, que aponta numa só direcção, legal e
justa: vinculação aos quadros de todos os professores que, desde 2001, sejam
titulares de mais de três contratos anuais sucessivos.
3. A DBRS, a agência de notação financeira
que tem sido generosa com a dívida do Estado português, deu sinais de
impaciência (leia-se de profundo desagrado) com a pulverização sem critério dos
créditos de alguns credores seniores do Novo Banco. Se daí resultar um
abaixamento do rating (leia-se o débil elo que nos liga à protecção do BCE)
será com um ruidoso “paf!” que explodirá a nossa reputação, já em queda nos
mercados, sem que qualquer coligação nos acuda e a António Costa. É que, por
muito que não gostemos deles (e eu não gosto), os mercados existem e sem os
tomar em conta o esboço de orçamento não passará de um esboço de desgraça. É
que tomar de assalto o Rato e driblar Seguro foi fácil. Fintar o resto para
chegar a São Bento requereu engenho e arte. Mas para conseguir ultrapassar a
ortodoxia financeira de Bruxelas e garantir as migalhas que o esboço distribui,
não chega o sorriso crónico de Centeno. Bendito seja Costa se vier a ter razão
para me chamar Velho do Restelo!
Professor do ensino superior
(s.castilho@netcabo.pt)
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