Este
é um orçamento em que Bruxelas não acredita, que a UTAO não acredita, que as
agências de rating não acreditam e de que o próprio Mário Centeno começa a
duvidar.
Depois do Conselho das Finanças Públicas,
da Moody’s, da Fitch, da Standard & Poor’s, dos bancos, dos partidos da oposição,
dos analistas, do taxista, da florista, do homem do talho e da mulher-a-dias,
agora foi a vez da Comissão Europeia e da UTAO dizerem que também não acreditam
nas contas do Orçamento para 2016. A carta que os comissários europeus enviaram
ao ministro Mário Centeno nada mais é do que uma mensagem educada, cortês e
gentil a dizer que as contas do draft do Orçamento não batem certo. Quando a
Comissão diz que identifica um risco de "particularly serious
non-compliance”, em bom português quer dizer que a bota não bate com a
perdigota. Onde o Governo vislumbra um vigoroso crescimento económico, a
Comissão vê uma economia a estiolar; onde António Costa vê um buraquinho nas
contas públicas, Bruxelas vê uma cratera; e aquilo que Mário Centeno diz serem
medidas de consolidação, para a Comissão não passam de remendos e de operações
mal contabilizadas.
Ontem foi a vez de a UTAO (a Unidade
Técnica de Apoio Orçamental) também acusar o Governo de tentar melhorar
"artificialmente" o esforço orçamental já que o draft enviado para
Bruxelas classifica de temporárias operações que aumentam despesas ou diminuem
receitas de forma permanente. E, como tal, dizem os técnicos do Parlamento que
o Orçamento "corre evidentes riscos de incumprimento". Não deixa de
ser curioso que para o mesmo documento e para as mesmas medidas a UTAO calcule
um agravamento do défice estrutural de 0,4 pontos percentuais, a Comissão
Europeia uma deterioração de 1 ponto e o Governo uma melhoria de 0,2 pontos.
Como diria Churchill, se colocarmos dois economistas numa sala, o mais provável
é termos duas opiniões diversas sobre o mesmo tema. E se um deles for Keynes,
teremos pelo menos três opiniões diferentes.
Mas por esta altura do campeonato, parece
que só Mário Centeno e António Costa é que continuam a acreditar na proposta de
Orçamento. O ministro das Finanças fala na maior "contenção de despesa dos
últimos anos” e o primeiro-ministro insiste que o Orçamento vai conduzir a um
“maior vigor na gestão das finanças públicas, permitindo uma redução do défice
e da dívida”. Faz lembrar aquela história do velhote que vai na auto-estrada e
a mulher lhe telefona a dizer para ter cuidado já que nas notícias dizem que há
um carro em contramão. Ao que o velhote responde: “só um? Eles são às dezenas”.
A UTAO e a Comissão Europeia são só mais dois que para o Governo vão em
contramão. E o que aconselha Catarina Martins? Que António Costa siga em frente
e não tenha medo de Bruxelas.
Enfim, sigamos em frente. Quando um
documento chega a Bruxelas com um parecer de uma entidade independente, como é
o Conselho das Finanças Públicas, a dizer que esse mesmo documento tem “riscos
relevantes” e que as previsões são “pouco prudentes”, não seria de esperar uma
reacção muito diferente da UTAO e da Comissão. O deputado socialista João
Galamba, a quem coube a ingrata tarefa de rebater os argumentos do Conselho das
Finanças Públicas, lembrou-se de dizer que "sem assumir riscos, não
podemos ter resultados". Essa é a primeira frase em que penso quando chego
ao Casino do Estoril; mas nunca tal coisa me passaria pela cabeça se estivesse
em São Bento a governar e decidir a vida de milhões de pessoas.
O esboço do Orçamento que o Governo enviou
para Bruxelas, além do risco e das medidas aparentemente mal contabilizadas,
assenta em hipóteses irrealistas e demasiado optimistas. Mário Centeno é
economista e sabe que os modelos económicos dependem das hipóteses que são
assumidas. Se elas forem demasiado optimistas, o resultado final do modelo será
demasiado optimista. É a lógica do senhor do talho; se a carne for boa, a
chouriça é boa. Se a carne for rançosa, nem por isso.
Por exemplo, quando o Governo diz que vai
repor as 35 horas na função pública sem aumentar os custos do Estado, está a
assumir no seu modelo que essa medida terá um impacto nulo no défice. Mas
alguém no Governo já se deu ao trabalho de explicar como é que se passa a
trabalhar menos uma hora por dia, menos 5 horas por semana, menos 11 dias por
ano e mesmo assim o Estado não gasta mais, nem com horas extra, nem novas
contratações? É possível? É possível que com o aumento de 35 para as 40 horas o
Estado tenha poupado 200 milhões de euros e agora que o Governo reverte
novamente das 40 para as 35 horas não gaste nem mais um cêntimo? Não é o
milagre da multiplicação, é o milagre da reversão. Ainda esta semana Adalberto
Campos veio dizer que na Saúde vai ter de haver aumento de custos. Mas no seu
modelo económico, Mário Centeno continua a assumir a hipótese que as 35 horas
vão ter um custo zero na despesa do Estado.
Há uma história, atribuída a Paul
Samuelson, que todos os alunos de economia devem ter ouvido no primeiro ano do
curso. Diz a história que um físico, um químico e um economista estavam
perdidos numa ilha deserta, quando dá à costa uma lata de conserva. Entretanto
é preciso abri-la. O físico dá uma ideia: "vamos bater com uma pedra na
lata"; o químico propõe: "vamos mas é fazer uma fogueira e aquecer a
lata antes"; e o economista começa por sugerir: "assumindo a hipótese
de que nós temos um abridor de latas...". É esta a lógica em que assenta o
modelo de Mário Centeno e por esta altura só mesmo os socialistas mais crentes
é que continuam a acreditar que existe um abridor de latas numa ilha deserta
Este é um orçamento em que Bruxelas não
acredita, que a UTAO não acredita, que as agências de rating não acreditam e de
que o próprio Mário Centeno começa a duvidar. Como a realidade não se adapta ao
modelo, o melhor é começar a mudar o modelo para se adaptar à realidade. Ontem
à noite ficou-se a saber que o IVA na restauração, uma promessa eleitoral do
PS, afinal só vai descer para a comida, mas não para as bebidas. Para quem
ficar com sede ou começar a sentir-se defraudado pelas promessas eleitorais, o
guichet de reclamações é no n.º2 do Largo do Rato.
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