Dúvidas do Presidente sobre acordo de esquerda "não foram
dissipadas". Cavaco avisa que pode demitir o Governo que hoje tomou posse
e espera que o país não descarrile.
“O Governo que hoje toma posse foi
formado na sequência da crise política aberta pela rejeição do Programa do XX
Governo Constitucional. Nos termos da Constituição, tal implicou
automaticamente a sua demissão, ficando o Executivo limitado à prática dos atos
estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos.
Ao primeiro-ministro cessante, que chefiou o Governo de Portugal durante
mais de quatro anos, bem como aos membros dos seus governos, expresso público
reconhecimento pelos serviços prestados ao País em circunstâncias muito
difíceis, e desejo os maiores sucessos pessoais e profissionais.
Em resultado da demissão do Governo, e tendo presente que se vive um tempo
em que o Presidente da República não dispõe da faculdade de dissolver o Parlamento
e convocar novas eleições, decidi auscultar a opinião dos parceiros sociais e
de instituições e personalidades da nossa vida pública conhecedoras da
realidade económica, social e financeira do país.
Nessas audiências, obtive informações relevantes sobre as opções de
política económica que devem ser seguidas em ordem a preservar a trajetória de
crescimento e de criação de emprego, a estabilidade do sistema financeiro e o
financiamento do Estado e da economia, assim como sobre a importância do cumprimento
das regras de disciplina orçamental e de sustentabilidade da dívida pública.
Entretanto, quatro forças políticas assinaram três documentos de diferente
alcance, designados “posições conjuntas”, com vista à apresentação de uma
solução governativa alternativa.
Os referidos documentos são omissos quanto a alguns pontos essenciais à
estabilidade política e à durabilidade do Governo, suscitando questões que,
apesar dos esforços desenvolvidos, não foram totalmente dissipadas.
Trata-se de uma solução inédita na história da nossa democracia, suportada
por uma maioria parlamentar que se comprometeu a não inviabilizar a entrada em
funções de um novo Executivo, o que confere às forças políticas envolvidas a
responsabilidade pelo Governo que hoje é empossado.
A entrada em funções do XXI Governo Constitucional inicia um novo ciclo
político.
No entanto, os objetivos estratégicos do País permanecem. Como afirmei no
passado dia 30 de outubro, «o superior interesse nacional é muito claro:
devemos consolidar a trajetória de crescimento económico e preservar a
credibilidade externa. Não podemos regredir num caminho que foi árduo, em que
foram pedidos muitos sacrifícios aos Portugueses.»
Nesse sentido, e como referi então, e cito «exige-se ao Governo que agora
toma posse que respeite as regras europeias de disciplina orçamental aplicáveis
aos países da Zona Euro e subscritos pelo Estado português, nomeadamente o
Pacto de Estabilidade e Crescimento e o Tratado Orçamental, de modo a que
Portugal saia rapidamente do Procedimento por Défice Excessivo, reduza o rácio
da dívida pública e alcance o objetivo de médio prazo fixado para o défice
estrutural.»
Trata-se de compromissos de Estado que a Assembleia da República sufragou
por esmagadora maioria.
No momento histórico que atravessamos, é uma ilusão pensar que um país como
Portugal pode prescindir da confiança dos mercados financeiros e dos
investidores externos e, bem assim, do apoio de instituições internacionais.
Importa, a este propósito, ter presente algumas verdades elementares de
política económica que, por serem lembradas por entidades independentes e
credíveis, um Governo não pode deixar de ter em conta.
Já este mês, a OCDE, referindo-se às perspetivas económicas para Portugal,
afirmou: «o não cumprimento dos objetivos orçamentais afeta negativamente a
confiança e aumenta os juros dos empréstimos».
Por outro lado, no seu último relatório, o Conselho de Finanças Públicas
advertiu, e cito: «o País precisa de um modelo de crescimento estável da
economia e do emprego, assente no aumento da produtividade e na competitividade
da economia e não no seu endividamento e no aumento das despesas públicas».
Referindo-se a uma política que pusesse em causa as medidas necessárias
para sair do Procedimento por Défices Excessivos a que Portugal ainda se
encontra sujeito, o Conselho de Finanças Públicas acrescenta que o impacto de
uma política em que o crescimento seria impulsionado pelo consumo privado e
pela quebra da poupança seria insustentável, em resultado do aumento das
importações e da deterioração do saldo das contas externas.
O Conselho de Finanças Públicas deixa ainda, no seu recente Relatório, um
aviso muito sério: «uma política virada para o curto prazo e assente num grau
minimalista de consolidação orçamental não só não cumpriria as atuais regras
europeias como teria implicações negativas sobre o endividamento do País e a
produtividade».
Na mesma linha, o Banco de Portugal, no seu Boletim Económico de outubro de
2015, afirma, de forma inequívoca: «O cumprimento dos compromissos das
autoridades nacionais no âmbito das regras orçamentais europeias é essencial
para assegurar a redução do nível da dívida pública em percentagem do PIB, que
constitui uma vulnerabilidade latente da economia portuguesa».
Há que prestar uma atenção particular à defesa da estabilidade do sistema
financeiro, dado o seu papel fulcral no financiamento da economia portuguesa.
Há que estimular e respeitar os nossos empresários e trabalhadores, verdadeiros
heróis do aumento da atividade exportadora. Há que combater o desemprego
através do crescimento da economia.
É neste quadro de grande responsabilidade que o novo Executivo inicia
funções.
Perante os desafios que tem pela frente, podem contar, este Governo e o seu
Primeiro-Ministro, com a lealdade institucional do Presidente da República para
a salvaguarda dos superiores interesses nacionais.
Não abdicando de nenhum dos poderes que a Constituição atribui ao
Presidente da República – e recordo que desses poderes só o de dissolução
parlamentar se encontra cerceado – e com a legitimidade própria que advém de
ter sido eleito por sufrágio universal e direto dos Portugueses, tudo farei
para que o País não se afaste da atual trajetória de crescimento económico e
criação de emprego e preserve a credibilidade externa.
Sendo o Governo minoritário, e não resultando inteiramente claro dos
documentos assinados entre os partidos a garantia de durabilidade no horizonte
temporal da legislatura, a tomada de posse e entrada em funções do novo
Executivo constitui uma prova para a capacidade de diálogo não só com as demais
forças políticas mas também com os parceiros sociais e as instituições da
sociedade civil.
É fundamental que a concertação social seja valorizada enquanto elemento
decisivo para o desenvolvimento do País e para a coesão da sociedade
portuguesa. Esvaziar o papel dos parceiros sociais teria um custo muito elevado
para o nosso futuro.
Desejo a Vossa Excelência, senhor primeiro-ministro, e aos membros do XXI
Governo Constitucional, os maiores sucessos nas exigentes funções que agora
iniciam.
Muito obrigado”.
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