Por Tiago Reis Marques in Jornal público
Aos 21 anos entrega a sua tese de
doutoramento em Princeton, um manuscrito de 27 páginas e apenas uma referência
bibliográfica. Esta dissertação, contendo alguns dos princípios matemáticos da
teoria dos jogos, está na base do prémio Nobel que lhe é atribuído em 1994.
Após o doutoramento seguem-se 10 anos de intensa actividade profissional, sendo
descrito num artigo, em Julho de 1958, como uma estrela ascendente na área da
matemática.
No entanto, meses após esse
artigo, surgem os primeiros sintomas de doença e, aos 31 anos, é diagnosticado
com esquizofrenia. Os 20 anos que se seguem são caracterizados por sintomas
psicóticos graves, tais como delírios de perseguição e alucinações auditivas,
múltiplos internamentos e um infindável número de tratamentos. Durante estes 20
anos perde o emprego, os amigos, a mulher e torna-se uma sombra do que foi.
Somente aos 55 anos, e de uma forma muito gradual, se vêm os primeiros sinais
de recuperação. Deixa de se isolar, retoma o contacto com velhas amizades e
colegas de trabalho, e lentamente retoma uma vida profissional longamente
amputada.
Em muitos aspectos, a história de
John Nash é semelhante à de milhares de outras pessoas afectadas por esta
doença. No entanto, por razões que passo a citar, e não simplesmente por estarmos
a falar de um prémio Nobel, esta é também muito particular.
Em primeiro lugar, o impacto da
doença na vida profissional e pessoal. Apesar de ser um génio matemático, John
Nash não só não publica mais nenhum artigo científico após o diagnóstico, como não
obtém nenhuma posição académica ou profissional. Esta alteração abrupta na sua
carreira é a consequência de muitos factores, tais como a gravidade dos
sintomas, os múltiplos internamentos, os efeitos secundários da medicação, mas
também devido aos deficits cognitivos que são característicos da própria
doença. De forma semelhante, ainda hoje em dia apenas 10 a 20% dos doentes com
esquizofrenia têm um emprego estável, e a taxa de empregabilidade tem vindo a
diminuir nos últimos 50 anos. Este declínio é secundário a factores não
directamente relacionados com a doença, como as condições de mercado,
exigências laborais, ausência de políticas de integração, entre outros. A
realidade é que em 60 anos nada avançámos.
O impacto da doença na vida
pessoal também é marcado, e John Nash e Alicia acabam por se divorciar em 1963.
De forma semelhante, actualmente menos de 30% dos doentes mantêm uma relação
afectiva estável ou estão casados. E mesmo entre aqueles casados a taxa de
divórcio é superior à da restante população.
É a partir daqui que a vida de
John Nash nos ensina algo. Não obstante a ausência de um emprego formal em
Princeton, nunca lhe foi recusado o acesso à Universidade, sendo frequente
durante os anos de doença vê-lo a vaguear pelo campus universitário e a frequentar
as suas instalações.
Os seus antigos colegas também
não o rejeitam, convidando-o a frequentar os seus seminários, dando-lhe
pequenos trabalhos e apoiando-o financeiramente. Já numa fase posterior, ajudam
a persuadir aqueles que achavam que o prémio Nobel não deveria ser dado a
alguém com uma doença mental grave. A própria Universidade de Princeton
contribui para este processo, criando uma posição académica para John Nash,
evitando que um prémio Nobel fosse dado a um desempregado.
Por seu lado, Alicia continuou a
tratar de John Nash ao longo dos anos, nunca se tendo verdadeiramente afastado.
Com o passar dos anos foram-se novamente aproximando e em 2001 casam de novo,
renovando os votos efectuados mais de 40 anos antes.
O curso da sua doença também nos
mostra que, ao contrário do que popularmente se imagina, o prognóstico não é
uniformemente mau.
A esquizofrenia é uma doença
complexa e muito heterogénea no seu prognóstico. Assim, enquanto alguns doentes
apresentam uma doença caracterizada por múltiplos surtos psicóticos e
internamentos, outros respondem bem à terapêutica, e aproximadamente 20 a 40%
dos doentes atinge inclusivamente a completa remissão dos sintomas.
O percurso clínico de John Nash é
pois uma candeia de esperança para todos os doentes. Apesar de um início
caracterizado por sintomas graves, a realidade é que lentamente estes se foram
reduzindo, culminando quer na recuperação clínica quer do funcionamento
pessoal, social e profissional.
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