J.M.Tavares - in: jornal Público |
Todos os
partidos têm o seu porteiro de discoteca, e o do PS chama-se José Lello. A sua
função é controlar a clientela, actividade que pratica há décadas com muita
alegria e evidentes proveitos, recompensando quem se porta bem e dispensando
uns carolos a quem se porta mal. Desta vez, a vítima foi Henrique Neto, um dos
raríssimos socialistas que não embarcaram na aventura socrática e que nunca se
cansaram de avisar quem era o senhor engenheiro técnico e para onde ele estava
a conduzir o país.
Confrontado
com o anúncio da candidatura de Neto à Presidência da República, José Lello
decidiu chamar-lhe o “Beppe Grillo português”, o que faz tanto sentido quanto
Batatinha acusar Henrique Neto de ser um palhaço. Houve outras reacções
destemperadas, como a de Augusto Santos Silva (“sempre que os [candidatos]
responsáveis se resguardam, os bobos ocupam a cena”), e a do próprio António
Costa foi, no mínimo, deselegante, quando comentou a candidatura com um seco
“é-me indiferente” — expressão que talvez tenha de engolir num futuro próximo.
Mas no campeonato da fancaria política nada bate o camionismo verbal de José
Lello, um mestre da traulitada que em 2009 acusou Manuel Alegre de “falta de
carácter” por ter avançado para Belém sem o apoio do PS, em 2011 chamou
“foleiro” a Cavaco Silva por não ter sido convidado para as cerimónias oficiais
do 25 de Abril, e em 2013 afirmou que os portugueses estavam “desesperados por
se verem livres” de Passos Coelho, “morto ou vivo”.
Atenção:
nada tenho contra linguagem colorida, nem contra personagens catitas. O meu
problema é mesmo com o irmão Lello e aquilo que ele representa — uma encarnação
ululante dos piores defeitos da política portuguesa. Basta ler quatro páginas
(30 a 33, para os interessados) do livro Os Privilegiados, de Gustavo Sampaio,
para ficarmos esclarecidos sobre o ser Lello. Ora reparem: o Governo Sócrates
teve início em Março de 2005, e nove meses depois o deputado José Lello deixou
de exercer o seu mandato em exclusividade, para passar a integrar o conselho
consultivo da Capgemini em Portugal, uma consultora especializada em
tecnologias de informação. Durante os seis anos do consulado lello-socrático, a
Capgemini firmou 113 contratos por ajuste directo com entidades públicas, no
valor de 6,7 milhões de euros, alguns dos quais relacionados com o famoso
Simplex.
Ao mesmo
tempo, o incansável deputado Lello exercia ainda o cargo de membro não
executivo do conselho de administração da Domingos da Silva Teixeira (DST), uma
empresa de construção e engenharia com negócios na área das energias
renováveis, águas e saneamento. Enquanto Lello foi administrador da DST,
celebraram-se 62 contratos por ajuste directo com entidades públicas, num total
superior a 71 milhões de euros. Um único contrato com a Parque Escolar, em Maio
de 2009, rendeu quase 25 milhões.
José
Lello foi consultor da Capgemini entre Setembro de 2006 e Novembro de 2012 e
administrador da DST entre Janeiro de 2007 e Fevereiro de 2012. O Governo
Sócrates caiu em Junho de 2011, e com ele parecem ter caído também — curiosa
coincidência — as notáveis capacidades administrativas de José Lello, um homem
cujo talento insiste em manifestar-se apenas na órbita do Estado socialista. E
é este pobre Lello que vem agora chamar Beppe Grillo a Henrique Neto, que
enriqueceu no privado, tomou posições corajosas e tem um pensamento estruturado
sobre o país. Caro porteiro Lello: não dá para gerir a clientela com a boca
fechada?
Jornalista;
jmtavares@outlook.com
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