quarta-feira, 25 de março de 2015

Livro: BRAÇOS DUMA CRUZ COM CARTA INÉDITA DE JOSÉ RÉGIO



Jorge Lage
Durante algum tempo desconheci a criatividade poética de Barroso da Fonte e com o seu livro «Braços duma Cruz», pude saborear 122 poemas da sua juventude, de 1958 a 1961, que estavam perdidos no meio de outro imenso espólio bibliográfico.
É uma edição fac-similada e bem coordenada pelo seu filho, João Pedro Miranda, da Editora Cidade-Berço, de 2015, em que Barroso da Fonte usava o pseudónimo raiano de João Montaño. Tem uma cruz na capa e a contracapa é a reprodução de uma carta manuscrita de 10SET1966, que lhe endereçou o escritor José Régiojá já doente, três anos antes de falecer, agradecendo-lhe os livros «Neves e Altura» e «Formas e Sombras» e diz-lhe: «(…)O meu Amigo tem que dizer e di-lo, - não se acorrente à moda dos formalismos requintados e ocos. (…) Também lhe aconselharia a leitura dos nossos grandes poetas e prosadores clássicos (…). De vez em vez, há versos bastante felizes, versos cheios, nos seus poemas (…)».
Barroso da FonteJoão Pedro Miranda, na «Explicação Prévia», diz que o livro assinala «os 57 anos de poeta de Barroso da Fonte» Em 2013, a Academia de Letras de Bragança tinha celebrado os 60 anos de jornalismo, ao lá ser apresentada a obra «Barroso da Fonte: 60 anos de Jornalismo de causas e casos» e o Município de Montalegre associou-se a esta longa escrita de anos, agraciando-o com a «Medalha de ouro de mérito cultural».
Na explicação prévia e na nota biográfica das badanas ficamos a saber que «com 19 anos de idade, doze dos quais a guardar cabras, já tinha escrito 27 poemas», foi seminarista, funcionário da EDP, oficial ranger no teatro de guerra de Moçambique, Técnico Superior, Vereador da Cultura de Guimarães, Director-Geral do Norte da Comunicação Social, Professor do Ensino Superior e Director do Paço dos Duques de Bragança – Guimarães, entre imensos cargos. É doutorando da Universidade do Minho.
É vastíssima a obra escrita deste ilustríssimo barrosão e montalegrense, que nos abstemos de referir, bem como a intervenção jornalística de pena assombrosa, nunca fugindo à polémica. Neste campo bateu-se com sucesso pela naturalidade vimaranense de D. Afonso Henriques, vergando personalidades e instituições mornas, enquanto outros que deviam dar a cara pela tradição se encostavam a mesa do poder local «criminosamente» mudos e quedos.
A sua riquíssima vida de cidadão interventivo na política, no social e no cultural daria, não para algumas toscas linhas que vos deixo, mas para um extenso livro.
O «Preâmbulo» dos «Braços duma Cruz» é assinado pelo João Montaño, tão destemido e de rosto inteiro como Barroso da Fonte que conhecemos e diz-nos: «acima de tudo amo a lealdade. Poderia ocultar muitos deste versos censuráveis, (…) aproveito tudo quanto tenho de bom e mau».
Amigo leitor, se tiver oportunidade, leia este livro raro, de edição limitada, de belos poemas, dum poeta «antes quebrar que torcer», podendo ser pedido para ecb@mail.pt .

Jorge Lage

Amarga vida

Noites de amor, de enlevo e de frescura
Que amortalhais o mundo dos doentes,
Barroso da Fonte
Restituí-me a paz dos inocentes
Horas breves da minha escravatura.

Na foz dos anos desta vida escura
Que já por mim passou, magra e dolente,
Contemplo a face sempre descontente
Do mau viver de triste creatura.

Foram-se os anos meus incompreendidos,
De insatisfeita dor acumulados,
Ao longo dos meus dias desmentidos.

E hoje sofro em prantos porfiados,
O inquieto viver dos foragidos
Que a sorte determina aos desgraçados.

(João Montaño, pseudónimo de Barroso da Fonte in «Braços duma Cruz»)

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