sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

História da marca ALHEIRAS DE MIRANDELA (1) - Jorge Golias


Por Jorge Golias

1. Antecedentes Históricos

Nas portagens e taxas da Idade Média, havendo uma vasta gama de produtos taxados, nada consta sobre chouriços de qualquer espécie.
No Foral de D. Manuel concedido a Mirandela, em 1512, lê-se: “E de carne que se cõprar de talho ou emxercanã se pagará nenhu direito…”. Enxerca era carne cortada e seca ao fumo ou ao sol, sendo então o único fumeiro que aqui constava .
Mas nesta data, 1516, já o Cancioneiro Geral de Resende registava a tabafeiadepreendendo-se que fosse comida de judeu. Mais tarde, o Padre António Vieira diz tratar-se de certa comida usada no século XV, hoje desconhecida. E seria que esta palavra designaria mesmo o que séculos depois se entenderia por tabafeia? É de crer que sim, embora nada garanta que a receita fosse a mesma.
Daqui se infere que este chouriço judeu é seguramente anterior ao próprio século XV, ou seja, nada tem a ver com a Inquisição, mas tem, outrossim, a ver com os judeus .
Só em 1881 é que o termo tabafeia aparece dicionarizado, em simultâneo com o termo alheira no “DiccionarioContemporaneo da LinguaPortugueza[Caldas Aulete], Lisboa, Imprensa Nacional”.
Mas 20 anos depois, em 1901, Trindade Coelho registou em textos de “O Senhor Sete” os chouriços que se usavam na sua terra. Ficámos assim a saber que em Mogadouro as alheiras eram “chouriços de sangue, também chamados morcelas de alho e eram feitos de sopas de pão-trigo, amolecidas num caldo de gorduras, temperado com alho. Esta massa era envolvida depois com o sangue líquido do porco que, para não coalhar era muito batido em um alguidar pela mulher que apara o sangue”. Estas alheiras só de nome tinham a ver com as actuais.
Soubemos também que “a tabafeia era um picado de lombo em cru, e tripa grossa de vaca ou vitela; e depois, também é a massa escaldada com pingo a ferver, e por cima bota-se-lhe vinho. Nada mais simples. Tudo o que é bom é simples”, assim o disse Trindade Coelho.
Finalmente diz-nos que “vilão é um chouriço feito de muitas misturas: carne cozida de toda a qualidade; de açougue, caça, presunto, etc. Esta carne é muito desfiada, depois de bem cozida em grandes panelas de ferro; e na água em que foi cozida essa carne é amolecida uma grande porção de sopa-triga, que depois de amassada, e junta com a carne, é escaldada com pingo a ferver, e então ensacada (pingo é o mesmo que banha) ”.
E, finalmente, Trindade Coelho esclarece que em Bragança, chamam-se tabafeias aos vilões e noutras terras aos vilões chamam-se alheiras, porque também levam um, bocado de alho. Esta versão já se aproxima das nossas alheiras de Mirandela.
O Abade de Baçal regista nas suas Memórias que a alheira é um chouriço judeu e dá preferência, em Bragança, à tabafeia.

2.Mirandela no final do séc. XIX e princípios do XX

O historiador de Mirandela, Padre Ernesto Sales, nunca se refere à alheira, nem como actividade industrial nem como petisco local, ele que com detalhe nos explica todas as actividades produtivas da vila, desde a Idade Média até 1920. E dá-nos conta das unidades de indústria hoteleira de Mirandela, desde a hospedaria onde John Latouche comeu um excelente carneiro no forno em meados do século XIX ao Hotel do José Maria (1880-1910), de paragem obrigatória e de menu famoso: leitão, peru recheado, enguias, etc. e sobremesas, sobretudo doces e pastéis de folhado, sem rival.
Outros historiadores referem que nas feiras se encontrava sobretudo gado, vestuário, calçado, ferramentas, latoaria e produtos da terra: vinho, frutas, hortaliças, cereais e pão. Não constam ainda os chouriços, apesar de já se fabricarem para consumo doméstico (Brigantia 1994, vol. XIV, nº 1/2). Também nas diversas pautas aduaneiras não constam os enchidos.
O historiador ainda regista, antes de 1910, as Estalagens do Tanque e da rua da Ponte, esta de Manuel Pamplona, o Hotel da Praça do Município, de José Bernardo, que depois foi para o Cardal e, finalmente, o Hotel no Cardal, de José Maria Lopes, famoso pelos cozinhados e doçaria. Enfim, havia muita e boa oferta, mas alheiras nem vê-las! Quem nesta altura as fazia, e faziam-se, comia-as em casa.
Também em 1910, ano do Tomo II das Memórias do Abade de Baçal, onde se listam as indústrias do Distrito de Bragança, nelas não constam ainda as alheiras.
Só mais perto dos anos 30 é que as alheiras terão aparecido na praça pública: vendas locais e restaurantes.

 (continua)

Jorge Golias, Engenheiro, Tenente-coronel do Exército (reformado), colaborador do jornal "Noticias de Mirandela"


7 comentários:

  1. Tantos anos se passaram... Eu era então quase menino, tendo chegado à Guiné (Agrupamento de Transmissões, em Bissau) um mês depois de ter completado 22 anos. Ou seja, em Outubro de 1972.
    Fui então convidado pelo então Capitão Jorge Golias para trabalhar directamente sob as suas ordens, numa relação também próxima com outro Oficial que nunca mais esqueci: Tenente-Coronel (depois General) Mateus da Silva, Comandante da Unidade. A pessoa mais humane, educada e gentil que pude conhecer até hoje.
    Voltando ao então Capitão Jorge Golias:
    Fui convidado a fazer a edição e "impressão" da melhor revista de sempre das Forças Armadas:
    - ZOE
    Que em código militar (morse) significava "Transmita a sua mensagem e eu farei seguir".

    Após o 25 de Abril, parece que o nosso relacionamento se abalou um pouco....
    E lamento que isso tenha acontecido, porque sempre fui grato ao apoio que Jorge Golias me prestou.
    Mas eram outros tempos, eu queria que ele estivesse mais perto de nós, a "arraia miúda" soldadesca... E talvez um poema que então eu escrevi tenha causado algum desconforto.
    Lembro-me dos primeiros versos:

    "O filho do rei já não se senta à mesa do povo..."

    Perdi-lhe o rasto. Não lida com as Redes Sociais. E eu não sabia qual era a sua terra natal.
    Mas agora quase o encontrei, "meu Capitão" - Tenente Coronel Jorge Golias!
    Por favor contacte-me: nobre-luso@outlook.com.
    Não deixo o número de telemóvel, porque este espaço não é privado.
    Quero ir a Mirandela dar-lhe um enorme abraço de enorme Amizade!
    SIM, EU SOU O POETA!

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  2. Para informação dos leitores do blogue: Já contactei com o soldado-poeta Valdemar Rocha. Um poema dele consta neste livro sobre a Descolonização da Guiné-Bissau. Assim como um conto de Jales de Oliveira, também do Norte.
    Parabéns ao editor do blogue, Dr. Armando Palavras, pela excelência do mesmo.
    Saudações transmontanas.
    Jorge Sales Golias

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  3. Caro Armando, gostava de contactar o Jorge Sales Golias, terá forma de nos pôr em contacto, via email? ricardofelner@gmail.com

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