Por Jorge Golias
1. Antecedentes Históricos
Nas portagens e taxas da Idade
Média, havendo uma vasta gama de produtos taxados, nada consta sobre chouriços
de qualquer espécie.
No Foral de D. Manuel concedido a
Mirandela, em 1512, lê-se: “E de carne que se cõprar de talho ou emxercanã se
pagará nenhu direito…”. Enxerca era carne cortada e seca ao fumo ou ao sol,
sendo então o único fumeiro que aqui constava .
Mas nesta data, 1516, já o
Cancioneiro Geral de Resende registava a tabafeiadepreendendo-se que fosse
comida de judeu. Mais tarde, o Padre António Vieira diz tratar-se de certa
comida usada no século XV, hoje desconhecida. E seria que esta palavra
designaria mesmo o que séculos depois se entenderia por tabafeia? É de crer que
sim, embora nada garanta que a receita fosse a mesma.
Daqui se infere que este chouriço
judeu é seguramente anterior ao próprio século XV, ou seja, nada tem a ver com
a Inquisição, mas tem, outrossim, a ver com os judeus .
Só em 1881 é que o termo tabafeia
aparece dicionarizado, em simultâneo com o termo alheira no “DiccionarioContemporaneo
da LinguaPortugueza[Caldas Aulete], Lisboa, Imprensa Nacional”.
Mas 20 anos depois, em 1901,
Trindade Coelho registou em textos de “O Senhor Sete” os chouriços que se
usavam na sua terra. Ficámos assim a saber que em Mogadouro as alheiras eram
“chouriços de sangue, também chamados morcelas de alho e eram feitos de sopas
de pão-trigo, amolecidas num caldo de gorduras, temperado com alho. Esta massa
era envolvida depois com o sangue líquido do porco que, para não coalhar era
muito batido em um alguidar pela mulher que apara o sangue”. Estas alheiras só
de nome tinham a ver com as actuais.
Soubemos também que “a tabafeia
era um picado de lombo em cru, e tripa grossa de vaca ou vitela; e depois,
também é a massa escaldada com pingo a ferver, e por cima bota-se-lhe vinho.
Nada mais simples. Tudo o que é bom é simples”, assim o disse Trindade Coelho.
Finalmente diz-nos que “vilão é
um chouriço feito de muitas misturas: carne cozida de toda a qualidade; de
açougue, caça, presunto, etc. Esta carne é muito desfiada, depois de bem cozida
em grandes panelas de ferro; e na água em que foi cozida essa carne é amolecida
uma grande porção de sopa-triga, que depois de amassada, e junta com a carne, é
escaldada com pingo a ferver, e então ensacada (pingo é o mesmo que banha) ”.
E, finalmente, Trindade Coelho
esclarece que em Bragança, chamam-se tabafeias aos vilões e noutras terras aos
vilões chamam-se alheiras, porque também levam um, bocado de alho. Esta versão
já se aproxima das nossas alheiras de Mirandela.
O Abade de Baçal regista nas suas
Memórias que a alheira é um chouriço judeu e dá preferência, em Bragança, à
tabafeia.
2.Mirandela no final do séc. XIX
e princípios do XX
O historiador de Mirandela, Padre
Ernesto Sales, nunca se refere à alheira, nem como actividade industrial nem
como petisco local, ele que com detalhe nos explica todas as actividades produtivas
da vila, desde a Idade Média até 1920. E dá-nos conta das unidades de indústria
hoteleira de Mirandela, desde a hospedaria onde John Latouche comeu um
excelente carneiro no forno em meados do século XIX ao Hotel do José Maria
(1880-1910), de paragem obrigatória e de menu famoso: leitão, peru recheado,
enguias, etc. e sobremesas, sobretudo doces e pastéis de folhado, sem rival.
Outros historiadores referem que
nas feiras se encontrava sobretudo gado, vestuário, calçado, ferramentas,
latoaria e produtos da terra: vinho, frutas, hortaliças, cereais e pão. Não
constam ainda os chouriços, apesar de já se fabricarem para consumo doméstico
(Brigantia 1994, vol. XIV, nº 1/2). Também nas diversas pautas aduaneiras não
constam os enchidos.
O historiador ainda regista,
antes de 1910, as Estalagens do Tanque e da rua da Ponte, esta de Manuel
Pamplona, o Hotel da Praça do Município, de José Bernardo, que depois foi para
o Cardal e, finalmente, o Hotel no Cardal, de José Maria Lopes, famoso pelos
cozinhados e doçaria. Enfim, havia muita e boa oferta, mas alheiras nem vê-las!
Quem nesta altura as fazia, e faziam-se, comia-as em casa.
Também em 1910, ano do Tomo II
das Memórias do Abade de Baçal, onde se listam as indústrias do Distrito de
Bragança, nelas não constam ainda as alheiras.
Só mais perto dos anos 30 é que
as alheiras terão aparecido na praça pública: vendas locais e restaurantes.
Tantos anos se passaram... Eu era então quase menino, tendo chegado à Guiné (Agrupamento de Transmissões, em Bissau) um mês depois de ter completado 22 anos. Ou seja, em Outubro de 1972.
ResponderEliminarFui então convidado pelo então Capitão Jorge Golias para trabalhar directamente sob as suas ordens, numa relação também próxima com outro Oficial que nunca mais esqueci: Tenente-Coronel (depois General) Mateus da Silva, Comandante da Unidade. A pessoa mais humane, educada e gentil que pude conhecer até hoje.
Voltando ao então Capitão Jorge Golias:
Fui convidado a fazer a edição e "impressão" da melhor revista de sempre das Forças Armadas:
- ZOE
Que em código militar (morse) significava "Transmita a sua mensagem e eu farei seguir".
Após o 25 de Abril, parece que o nosso relacionamento se abalou um pouco....
E lamento que isso tenha acontecido, porque sempre fui grato ao apoio que Jorge Golias me prestou.
Mas eram outros tempos, eu queria que ele estivesse mais perto de nós, a "arraia miúda" soldadesca... E talvez um poema que então eu escrevi tenha causado algum desconforto.
Lembro-me dos primeiros versos:
"O filho do rei já não se senta à mesa do povo..."
Perdi-lhe o rasto. Não lida com as Redes Sociais. E eu não sabia qual era a sua terra natal.
Mas agora quase o encontrei, "meu Capitão" - Tenente Coronel Jorge Golias!
Por favor contacte-me: nobre-luso@outlook.com.
Não deixo o número de telemóvel, porque este espaço não é privado.
Quero ir a Mirandela dar-lhe um enorme abraço de enorme Amizade!
SIM, EU SOU O POETA!
Já seguiu para o destino!
EliminarJá seguiu para o destino!
EliminarPara informação dos leitores do blogue: Já contactei com o soldado-poeta Valdemar Rocha. Um poema dele consta neste livro sobre a Descolonização da Guiné-Bissau. Assim como um conto de Jales de Oliveira, também do Norte.
ResponderEliminarParabéns ao editor do blogue, Dr. Armando Palavras, pela excelência do mesmo.
Saudações transmontanas.
Jorge Sales Golias
Muito obrigado.
EliminarCaro Armando, gostava de contactar o Jorge Sales Golias, terá forma de nos pôr em contacto, via email? ricardofelner@gmail.com
ResponderEliminarJá seguiu para o destino
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