quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Diniz de Abreu e o mealheiro vazio ...

Diniz de Abreu
Com a aprovação da venda da PT à Altice, decidida em assembleia-geral da empresa, cumpriu-se o último capítulo de uma história que «merece ser devidamente contada» pelos jornalistas, como recentemente defendeu Belmiro de Azevedo, que viu chumbada a OPA da Sonae em 2007. Haja quem o faça.
 

O líder histórico da Sonae estaria longe de imaginar a destruição de valor que minou em pouco tempo uma empresa majestática
A guerra travada contra a OPA da Sonae, lançada em Fevereiro de 2006 (a saga durou um ano…), teve como pivôs Henrique Granadeiro e Zeinal Bava. Por bizarro que pareça hoje, a Sonaecom oferecia 9,5 euros por cada acção da Portugal Telecom. 
Percebe-se melhor, a esta distância, a ironia preferida de Belmiro de Azevedo, quando afirma que ganha sempre quando sai derrotado… 

Mas o líder histórico da Sonae estaria longe de imaginar a destruição de valor que minou e minguou, em pouco tempo, uma empresa majestática - a estratégica 'jóia da coroa'. Em menos de uma década ficou a preços de saldo de fim de estação. 
Provavelmente devido a ter sido «gerida sem pudor» - como disse o actual ministro da Economia, Pires de Lima - e em obediência ao núcleo duro de accionistas, promíscuos nas suas relações com o poder político e financeiro.
De facto, gestores e accionistas de referência embarcaram na mesma rota suicidária, numa depressão cavada pela ganância e, mais tarde, pelo desespero. A tempestade perfeita. 

A PT transformou-se num instrumento dócil - convertida em mealheiro corrente do BES-GES - e sujeita à vontade soberana de Ricardo Salgado, que dispôs dos destinos da empresa como bem quis.
Mal foi conhecido o investimento na falida Rioforte, no Verão do ano passado, os sinos tocaram a rebate e as acções da operadora entraram em queda livre. 
A pressão sobre o dinheiro disponível em caixa conduziu a PT ao pré-colapso, com a dignidade de rastos e com vantagem para os brasileiros da Oi, que era suposto controlar, não fossem as desastrosas aplicações financeiras num grupo familiar a desmoronar-se.
Vale a pena, a propósito, recuperar uma notícia publicada por A Folha de S. Paulo, datada de Julho de 2010, a partir de Brasília, onde o autor refere que «o Governo Lula articula uma operação para que a Oi e a Portugal Telecom virem sócias. A Oi é controlada por dois empresários que têm bom trânsito político com Lula».

Lula pode estar grato ao Governo de José Sócrates, que viabilizou a fusão. Ou, como disse prosaicamente Daniel Bessa: «Não consigo olhar para a PT hoje sem ver a fotografia de Sócrates».
Outro actor da órbita socialista, Murteira Nabo, ex-CEO da PT, não foi menos meigo, reconhecendo que «o grande beneficiário da parceria é a Oi», a par de um desabafo que recai sobre a cegueira de quem não viu: «Visto à distância, teria sido melhor os accionistas da PT venderem a empresa a Belmiro de Azevedo». 
Mas não foi o caso. Eufórico, ao festejar a derrota da OPA, Granadeiro punha por escrito numa longa e épica entrevista à revista corporativa da empresa, em Março de 2007: «A OPA morreu, a PT ficou mais forte». Viu-se. 
Nessa entrevista, feita à medida para consumo interno dos trabalhadores da PT, Granadeiro enchia o peito de ar e defendia que «temos que ser muito cuidadosos e temos que ter muito respeito pelo dinheiro. O dinheiro custa a ganhar aos clientes que pagam os nossos serviços». 

A citação, embora longa ( para avivar algumas memórias varridas para debaixo do tapete), justifica-se por si. E tem o seu picante. O cuidado e o respeito pelo dinheiro eram flores de estilo, exibidas na lapela dos gestores com outra agenda escondida. 
A história recente da PT é uma crónica que falta escrever, cujo desfecho não se deve apenas às contingências e humores das teias do mercado.. 
Os franceses da Altice vão agora pagar 7,4 mil milhões pelo que sobrou de valor da PT. Por acaso, um montante quase idêntico ao que a Telefónica pagou à PT pela venda da participação na Vivo...
Ao desistir da Vivo, por 'troca' com a incerta Oi, a PT perdeu a noção da curva e entrou em derrapagem. Com a Rioforte afundou-se. 
Donos da Oni e da Cabovisão, a Altice poderá rivalizar com a NOS e ser um peso pesado num mercado fortemente competitivo.
De mealheiro vazio, a PT agradece a injecção de capital fresco, enquanto os trabalhadores desconhecem o futuro, com o qual os franceses não se comprometem.

Pelo caminho, Zeinal Bava conforta-se com a gorda indemnização que a Oi lhe garantiu; Granadeiro dá o dito por não dito no negócio da fusão da Oi e procura sacudir a água do capote; Ricardo Salgado deita contas à vida e às falências que arruinaram um império familiar; Lula e Dilma hão-de apregoar, com proveito, as excelsas virtudes da fraterna cooperação luso-brasileira. E, em Évora, não faltará quem desfile à porta do estabelecimento prisional, fingindo não perceber nada do que aconteceu … 
 Actualizado a 5 de Fevereiro de 2015


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