sábado, 17 de janeiro de 2015

A Liberdade de Charlie Hebdo


John Stuart Mill escreveu dois livros famosos:  The Subjection of Women (1869) – que se transformou num dos panfletos mais extraordinários do movimento feminista – e On Liberty (1859), uma apologia da liberdade do individuo. On Liberty, traduzido para português, umas vezes, Sobre a Liberdade, outras Da Liberdade, é muito conhecido, mas muito pouco lido. Sem razão alguma, pois tem cerca de 200 páginas e está escrito com grande simplicidade. Além do mais, são traduções baratas. A nossa custou-nos 1,5 euros!
Mill aprendeu Grego aos três anos. Aos cinco lia os clássicos e com seis dominava os fundamentos da Geometria e da Álgebra. Contudo, teve a particularidade (e capacidade) de escrever de forma simples temas complicados. Aliás, o que escreve em Da Liberdade, não passa de “banalidades”. Ideias comuns, que qualquer mortal poderia ter escrito. Todavia, este ensaio é hoje um clássico do Liberalismo. Trata-se da defesa de liberdades burguesas: de consciência, de opinião, de expressão e de acção.
A principal tese da obra é a seguinte: a liberdade do individuo é absoluta em todos os âmbitos em que o seu pensamento, palavra e obra não prejudiquem terceiros. As leis do Estado, bem como o juizo moral da sociedade, não podem limitar a liberdade do individuo.
Jamais um pensador foi tão longe como Mill neste “pequeno” livro.
Estaremos sempre com Mill. Qualquer baboseira pode ser dita no campo da liberdade de expressão. Criticar um individuo, uma instituição, uma raça, uma religião, ou o quer que seja, é próprio da natureza intelectual humana. Desde que essa critica não prejudique seja quem for. Ou seja, criticar uma religião é aceitável, o que não é aceitável é incitar ao ódio. Porque incitar ao ódio é crime. Por outras palavras. Como individuos temos a liberdade (e o direito) de proferir baboseiras como: os muçulmanos,(o mesmo para cristãos, judeus, católicos e por aí adiante) são patifes. O que não podemos dizer é: por essa razão devem ser todos mortos. Porque, neste caso, estamos a incitar ao ódio. Estamos a cometer um crime. Estamos a prejudicar terceiros.
Posto isto, pergunta-se: Em que é que os cartonistas do Charlie prejudicaram os muçulmanos? Em nada. Limitaram-se, dentro daquilo que é a liberdade de expressão,  a satirizar o representante da sua religião. Não incitaram ninguém ao ódio. Pelo contrário, os terroristas que os assassinaram, prejudicaram terceiros, e até quartos e quintos: a eles, cartonistas, às esposas e filhos dos mesmos.
A civilização ocidental tem uma tradição longa de liberdade de expressão. Todas as tragédias gregas são formas de critica (aos homens e aos deuses). Assim como as comédias. Aristófanes foi dos mais sarcásticos. Não poupou ninguém. E, porém, não foi assassinado por isso. Muito antes, já Confúcio, na China, criticava os poderes. E apelava para os clássicos antigos. De há mil anos!

Armando Palavras
Actualizado a 21 de Janeiro, 2014

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