Lagoaça |
Maria Margarida Moreno Areias de Almeida Santos |
O nosso querido amigo Hirondino
pediu-me para que escrevesse “três parágrafos” sobre Lagoaça, aldeia de Trás-os-Montes, do Distrito de Bragança, terra
natal da minha mãe, dos meus avós maternos e de outros antepassados.
Eu não nasci em Lagoaça, mas sim
em Valpaços, então uma Vila e, já há alguns anos, uma cidade do Distrito de
Vila Real. Faço isso com prazer, a despeito da limitação do tamanho.
Desde a mais tenra idade que
Lagoaça é para mim uma terra de
imensas recordações, a maior parte
delas muito ternas e agradáveis! Eu era a menina que os meus avós desejavam
ter: - já tinham um neto mais velho, filho de um irmão de minha mãe (dois anos
mais tarde, nasceu outro rapaz irmão do primeiro neto). Não sei ainda bem
porquê mas, em Lagoaça, as meninas eram mais valorizadas numa família! Fui,
assim, na minha primeira infância, uma bebé muito mimada! São espantosas as
memórias que conservo de tudo o que ouvia, à Lareira, nas férias de Natal,
quando o meu pai ou a minha mãe me adormeciam ao colo.
Lagoaça continuou a ser a minha
terra de férias quando comecei a ser uma pequena menina curiosa por tudo o que
via. E foi assim que aprendi a ler ao colo do meu pai enquanto ele lia o jornal
e eu lhe perguntava o que lá dizia. Aprendi pelo método global e gostava muito
quando havia imagens! Ainda me lembro de um fato de minhota que vi no jornal e
que os meus pais mandaram vir para mim de uma casa comercial chamada
“Grandela”.
Lagoaça foi também testemunha do
desgosto que tive quando o meu pai foi para Lourenço Marques, dois anos antes
de eu e a minha mãe termos ido para junto dele. Eu ainda não andava na Escola,
mas abri o telegrama em que nos dizia que tinha arranjado coragem para
embarcar. Li o telegrama e foi o fim do
mundo para mim! Que desgosto! Tanta lágrima! A minha mãe era um anjo, mas
tinha o papel difícil de me educar e de me contrariar de vez em quando!
A minha avó Elisa, mãe de minha
mãe, era muito engraçada e contava muitas histórias que me divertiam, mas não
conseguiam suprir a ausência do meu pai, que me escrevia regularmente e a quem
eu já respondia!
Cruzinha |
Fiquei sozinha em Valpaços com a
minha mãe (ela era lá professora), passávamos férias em Lagoaça e a respeito
das minhas saudades pelo meu pai, o tempo foi passando até que eu e a minha mãe
fomos ter com ele. Fiquei em Lourenço Marques até aos 17 anos e, portanto, só
voltei a Lagoaça quando regressei a Portugal Continental para ir para a
Universidade; ou seja, só então voltei a ver Lagoaça e os meus avós. O meu avô paterno vivia em Pombal de
Anciães (próximo de Carrazeda de Ansiães), mas a minha avó Margarida (de quem
herdei o nome), tinha falecido muito cedo, quando o meu pai tinha nove anos
(ele dizia que só tinha inveja dos meninos que tinham mãe) e embora ele tivesse
casado novamente, eu passava a maior parte do tempo de férias em Lagoaça.
E é “Lagoaça” o tema que o amigo Hirondino me indicou para desenvolver
sobriamente, o que é difícil!
Estudei na Faculdade de Direito
em Coimbra numa altura em que eram poucas as raparigas que iam para essa Faculdade,
pois naquela altura estavam vedados às mulheres vários destinos em Direito, o
que felizmente já há vários anos deixou de acontecer!
Lagoaça |
No fim do Curso de Direito que
correu bem, tirei o Curso Complementar de Ciências Jurídicas (mais um ano). A
seguir fiz uma viagem a Lourenço Marques num avião da Pan América até
Johannesburg e de lá até ao meu destino num avião da Deta (nessa altura ainda a
TAP não voava para lá). Essa viagem foi memorável e foi maravilhoso estar com
os meus pais e com os antigos amigos!
No regresso (que a minha mãe
exigiu que fosse de barco) fiquei a trabalhar em Lisboa, o que não foi por
muito tempo, pois passado mais ou menos um ano, eu e o meu colega de Curso
António de Almeida Santos casámo-nos e fui para Coimbra. O nosso casamento –
ambos quisemos que fosse assim – foi só connosco, o Conservador do Registo
Civil que tinha sido nosso colega, as testemunhas e pronto. Muito pouco usual
para a época! Mandei um telegrama aos meus pais para Lourenço Marques e outro
para os meus avós. Nunca me arrependi da forma como nos casámos, mas como se
pode imaginar foi um assunto muito badalado pelos amigos e conhecidos!
Cruzinha |
Passámos a Lua-de-Mel no Grade
Hotel do Luso, depois fomos visitar os meus sogros a Vide e fomos também a Lagoaça para os meus avós conhecerem o
meu marido!
Lá vem Lagoaça de novo associada
a mais uma ocasião especial da minha vida! A minha avó tinha um espírito muito
lúcido e achou que tínhamos feito muito bem e o meu avô brindou-me com a sua
forma habitual de comunicar comigo; quase sempre em verso (era um poeta
espontâneo e a poesia brotava como uma fonte dos seus estados de alma!). Foi
sempre um professor primário muito competente e Lagoaça homenageou-o, já muito
depois da sua morte, ao dar o seu nome à praça principal (Praça Professor João
António Moreno). Algum tempo depois de casarmos, o meu querido poeta e amado
avô morreu. Que desgosto para todos nós!
Eu e o meu marido fomos algum
tempo depois para Lourenço Marques para lá exercermos a nossa profissão, o que
veio acontecer como advogados, no Prédio Rubi, mas em escritórios separados.
Durante a estadia em Lourenço
Marques tivemos 5 filhos (4 meninas e 1 menino) que lá fizeram os seus estudos
e viajaram connosco sobretudo para a África do Sul.
Infelizmente, durante esse espaço
de tempo tivemos o grande desgosto da minha mãe ter falecido aos cinquenta e
tal anos, com cancro de seio! Estava em Lagoaça, já doente, com o meu pai, mas
acabou por morrer nos meus braços no Hospital em Lourenço Marques. Nunca se
queixava e sempre tinha esperança, mas ia dizendo que quando acabasse, não
queria ficar ali, pois era “a terra do esquecimento”.
A mãe adorava Lagoaça e tal como
ela tinha desejado, o meu pai viajou com ela para Lagoaça num barco que trouxe
a urna. É muito comovente saber que a minha mãe está, agora também com o meu
pai, no lugar que desejava, naquele horizonte tão grandioso e rude, mas que
consegue ter um significado transcendental, com aquelas arribas abruptas por
perto, até ao Rio Douro, um velho convento no lado espanhol, e estranhas aves
voando em círculo por aquele vasto espaço! Eu já disse aos meus filhos e ao meu
marido que, quando eu acabar, também gostaria que as minhas cinzas ficassem
junto dos meus pais e avós.
Quanto a Lagoaça, só mais umas
palavras pois já me alonguei para além do que me foi pedido. Também nós
gostamos muito desse terra – das pessoas que são amáveis e comunicativas,
dessas paisagens tão antigas e com tanto significado!
Passamos sempre lá parte do Verão
e gosto muito que o meu marido aí se sinta muito bem escrevendo os seus livros,
que os meus filhos, netos e até os bisnetos, já apreciem também tudo o que aí
nos rodeia – a nossa casa, as pessoas amigas, a paisagem ainda tão pouco
estragada e todos os sentimentos que despertam em nós.
Lembro-me desses ares tão
saudáveis, desse Pôr-do-Sol tão calmante, da natureza que desperta em nós
sentimentos construtivos e bons, que desejo voltar a sentir e que abraço tudo
com gratidão, que aceito com resignação as grandes dores que já vivi e que
sinto que esses lugares me fazem para além de mim.
Maria Margarida Moreno Areias de Almeida Santos
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Maria Margarida Moreno Areias de Almeida Santos , nasceu em
Valpaços, mas os pais eram de
Lagoaça. Estudou na Faculdade de
Direito em Coimbra numa altura em que eram poucas as raparigas que iam para
essa Faculdade, pois naquela altura estavam vedados às mulheres vários destinos
em Direito. No
fim do Curso de Direito tirou o Curso Complementar de Ciências Jurídicas (mais
um ano). Foi para Lourenço Marques.
No regresso trabalhou em Lisboa,
um ano depois casou com o seu colega de Curso António de Almeida Santos e foi
para Coimbra.
Linda história, meu Bisavô era de Lagoaça, Eliseu Augusto Moreno, vi na certidão de batismo que era da rua de baixo desta freguesia, Trás os montes deve ser um lugar encantador.
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