sábado, 17 de janeiro de 2015

“Lagoaça”

Lagoaça
Maria Margarida Moreno
Areias de Almeida Santos   
O nosso querido amigo Hirondino pediu-me para que escrevesse “três parágrafos” sobre Lagoaça, aldeia de Trás-os-Montes, do Distrito de Bragança, terra natal da minha mãe, dos meus avós maternos e de outros antepassados.
Eu não nasci em Lagoaça, mas sim em Valpaços, então uma Vila e, já há alguns anos, uma cidade do Distrito de Vila Real. Faço isso com prazer, a despeito da limitação do tamanho.
Desde a mais tenra idade que Lagoaça é para mim uma terra de imensas recordações, a maior parte delas muito ternas e agradáveis! Eu era a menina que os meus avós desejavam ter: - já tinham um neto mais velho, filho de um irmão de minha mãe (dois anos mais tarde, nasceu outro rapaz irmão do primeiro neto). Não sei ainda bem porquê mas, em Lagoaça, as meninas eram mais valorizadas numa família! Fui, assim, na minha primeira infância, uma bebé muito mimada! São espantosas as memórias que conservo de tudo o que ouvia, à Lareira, nas férias de Natal, quando o meu pai ou a minha mãe me adormeciam ao colo.
Lagoaça continuou a ser a minha terra de férias quando comecei a ser uma pequena menina curiosa por tudo o que via. E foi assim que aprendi a ler ao colo do meu pai enquanto ele lia o jornal e eu lhe perguntava o que lá dizia. Aprendi pelo método global e gostava muito quando havia imagens! Ainda me lembro de um fato de minhota que vi no jornal e que os meus pais mandaram vir para mim de uma casa comercial chamada “Grandela”.
Lagoaça foi também testemunha do desgosto que tive quando o meu pai foi para Lourenço Marques, dois anos antes de eu e a minha mãe termos ido para junto dele. Eu ainda não andava na Escola, mas abri o telegrama em que nos dizia que tinha arranjado coragem para embarcar. Li o telegrama e foi o fim do mundo para mim! Que desgosto! Tanta lágrima! A minha mãe era um anjo, mas tinha o papel difícil de me educar e de me contrariar de vez em quando!
A minha avó Elisa, mãe de minha mãe, era muito engraçada e contava muitas histórias que me divertiam, mas não conseguiam suprir a ausência do meu pai, que me escrevia regularmente e a quem eu já respondia!
Cruzinha
Fiquei sozinha em Valpaços com a minha mãe (ela era lá professora), passávamos férias em Lagoaça e a respeito das minhas saudades pelo meu pai, o tempo foi passando até que eu e a minha mãe fomos ter com ele. Fiquei em Lourenço Marques até aos 17 anos e, portanto, só voltei a Lagoaça quando regressei a Portugal Continental para ir para a Universidade; ou seja, só então voltei a ver Lagoaça e os meus avós. O meu avô paterno vivia em Pombal de Anciães (próximo de Carrazeda de Ansiães), mas a minha avó Margarida (de quem herdei o nome), tinha falecido muito cedo, quando o meu pai tinha nove anos (ele dizia que só tinha inveja dos meninos que tinham mãe) e embora ele tivesse casado novamente, eu passava a maior parte do tempo de férias em Lagoaça.
E é “Lagoaça” o tema que o amigo Hirondino me indicou para desenvolver sobriamente, o que é difícil!
Estudei na Faculdade de Direito em Coimbra numa altura em que eram poucas as raparigas que iam para essa Faculdade, pois naquela altura estavam vedados às mulheres vários destinos em Direito, o que felizmente já há vários anos deixou de acontecer!
Lagoaça
No fim do Curso de Direito que correu bem, tirei o Curso Complementar de Ciências Jurídicas (mais um ano). A seguir fiz uma viagem a Lourenço Marques num avião da Pan América até Johannesburg e de lá até ao meu destino num avião da Deta (nessa altura ainda a TAP não voava para lá). Essa viagem foi memorável e foi maravilhoso estar com os meus pais e com os antigos amigos!
No regresso (que a minha mãe exigiu que fosse de barco) fiquei a trabalhar em Lisboa, o que não foi por muito tempo, pois passado mais ou menos um ano, eu e o meu colega de Curso António de Almeida Santos casámo-nos e fui para Coimbra. O nosso casamento – ambos quisemos que fosse assim – foi só connosco, o Conservador do Registo Civil que tinha sido nosso colega, as testemunhas e pronto. Muito pouco usual para a época! Mandei um telegrama aos meus pais para Lourenço Marques e outro para os meus avós. Nunca me arrependi da forma como nos casámos, mas como se pode imaginar foi um assunto muito badalado pelos amigos e conhecidos!
Cruzinha
Passámos a Lua-de-Mel no Grade Hotel do Luso, depois fomos visitar os meus sogros a Vide e fomos também a Lagoaça para os meus avós conhecerem o meu marido!
Lá vem Lagoaça de novo associada a mais uma ocasião especial da minha vida! A minha avó tinha um espírito muito lúcido e achou que tínhamos feito muito bem e o meu avô brindou-me com a sua forma habitual de comunicar comigo; quase sempre em verso (era um poeta espontâneo e a poesia brotava como uma fonte dos seus estados de alma!). Foi sempre um professor primário muito competente e Lagoaça homenageou-o, já muito depois da sua morte, ao dar o seu nome à praça principal (Praça Professor João António Moreno). Algum tempo depois de casarmos, o meu querido poeta e amado avô morreu. Que desgosto para todos nós!
Eu e o meu marido fomos algum tempo depois para Lourenço Marques para lá exercermos a nossa profissão, o que veio acontecer como advogados, no Prédio Rubi, mas em escritórios separados.
Durante a estadia em Lourenço Marques tivemos 5 filhos (4 meninas e 1 menino) que lá fizeram os seus estudos e viajaram connosco sobretudo para a África do Sul.
Infelizmente, durante esse espaço de tempo tivemos o grande desgosto da minha mãe ter falecido aos cinquenta e tal anos, com cancro de seio! Estava em Lagoaça, já doente, com o meu pai, mas acabou por morrer nos meus braços no Hospital em Lourenço Marques. Nunca se queixava e sempre tinha esperança, mas ia dizendo que quando acabasse, não queria ficar ali, pois era “a terra do esquecimento”.
A mãe adorava Lagoaça e tal como ela tinha desejado, o meu pai viajou com ela para Lagoaça num barco que trouxe a urna. É muito comovente saber que a minha mãe está, agora também com o meu pai, no lugar que desejava, naquele horizonte tão grandioso e rude, mas que consegue ter um significado transcendental, com aquelas arribas abruptas por perto, até ao Rio Douro, um velho convento no lado espanhol, e estranhas aves voando em círculo por aquele vasto espaço! Eu já disse aos meus filhos e ao meu marido que, quando eu acabar, também gostaria que as minhas cinzas ficassem junto dos meus pais e avós.
Quanto a Lagoaça, só mais umas palavras pois já me alonguei para além do que me foi pedido. Também nós gostamos muito desse terra – das pessoas que são amáveis e comunicativas, dessas paisagens tão antigas e com tanto significado!
Passamos sempre lá parte do Verão e gosto muito que o meu marido aí se sinta muito bem escrevendo os seus livros, que os meus filhos, netos e até os bisnetos, já apreciem também tudo o que aí nos rodeia – a nossa casa, as pessoas amigas, a paisagem ainda tão pouco estragada e todos os sentimentos que despertam em nós.
Lembro-me desses ares tão saudáveis, desse Pôr-do-Sol tão calmante, da natureza que desperta em nós sentimentos construtivos e bons, que desejo voltar a sentir e que abraço tudo com gratidão, que aceito com resignação as grandes dores que já vivi e que sinto que esses lugares me fazem para além de mim.

Maria Margarida Moreno Areias de Almeida Santos     


          
in: Trás-os-Montes e Alto Douroo, Mosaico de Ciência e Cultura, Exoterra, 2011.
   
Maria Margarida Moreno Areias de Almeida Santos , nasceu em Valpaços, mas os pais eram de Lagoaça.    Estudou na Faculdade de Direito em Coimbra numa altura em que eram poucas as raparigas que iam para essa Faculdade, pois naquela altura estavam vedados às mulheres vários destinos em Direito. No fim do Curso de Direito tirou o Curso Complementar de Ciências Jurídicas (mais um ano). Foi para  Lourenço Marques.
No regresso trabalhou em Lisboa, um ano depois casou com o seu colega de Curso António de Almeida Santos e foi para Coimbra. 

1 comentário:

  1. Linda história, meu Bisavô era de Lagoaça, Eliseu Augusto Moreno, vi na certidão de batismo que era da rua de baixo desta freguesia, Trás os montes deve ser um lugar encantador.

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