segunda-feira, 28 de maio de 2012

Entre O Côa e o Douro Internacional (2)



Calábria, em primeiro plano. Para a esquerda, a foz da Ribeira de Aguiar
 e, em fundo, a Marofa.
À direita, na foto, estende-se o Parque Arqueológico do
Vale do Côa, à esquerda, o Parque Natural do
Douro Internacional. Fotografia Mário Reis.
A criação de um território...

Como se cria um mapa de novas territorialidades, que são mais abstractas do que geograficamente concretas? Que são redes de relações, redes geradoras de referências às quais os indivíduos escolhem pertencer?  Seguindo as palavras de Alain Bourdin, numa conferência recente[1], o território, hoje, torna-se gerador de referência através, por exemplo, do património. E é possível cada um de nós comparar a qualidade das referências que são geradas, é possível querermo-nos reconhecer como membros de um dado território. Alain Bourdin sublinhava que o território se julga e avalia pela sua capacidade de gerar acção e referência. Os limites fortes, a organização em torno de um centro e de uma periferia, converteram-se em casos raros. Em vez disso, o território apresenta-se como uma realidade multiforme, incerta, em constante movimento e reinvenção[2].  A criação do território que evoco neste texto, em torno de um património natural, arqueológico e artístico de valor excepcional, depende da acção gerada, depende também, em boa medida, da comunicação. Um aglomerado, uma conjugação de actividades e actores distintos, mas com raízes similares: arqueólogos, biólogos, enólogos (que procuram novas formas de fazer vinha de modo cada vez mais compatível com a biodiversidade), produtores culturais, cruzam-se neste território, ou, melhor dizendo talvez, nesta construção de um território.
O Museu do Côa que, pela sua dimensão e qualidade, assinala também a distinção que o Estado português entendeu fazer a este património cultural e à região, é hoje a mais sólida marca no Douro Superior e Vale do Côa, e as populações do concelho de Vila Nova de Foz Côa dir-se-ia que o adoptaram como seu cartão de visita, da mesma forma que as entidades regionais o fizeram. Importa que as populações dos concelhos limítrofes o venham a considerar como seu também... Para este desiderato pode ser relevante, entre outras acções, o alargamento do Projecto “Arquivo de Memória” e do Clube Unesco a outros municípios do Vale do Côa, por ser um acção direccionada para o envolvimento das comunidades.

Miradouro da Sapinha, Figueira de Castelo Rodrigo,
Parque Natural do Douro Internacional. Fotografia João Romba.
A articulação que se deve estabelecer, em termos de políticas de conservação, de divulgação, visita, promoção e fruição, entre o Parque Arqueológico do Vale do Côa e Siega Verde, os Parques Naturais do Douro e dos Arribes del Duero, assenta não só no seu estatuto de áreas com um elevado grau de protecção, como no seu estatuto de entidades públicas partilhando realidades comuns: o Parque Arqueológico do Vale do Côa partilha boa parte dos seus 20 mil hectares com a ZPE do Vale do Côa, isto é, a existência das aves rupícolas conduziu à classificação desta área como Zona de Protecção Especial [3], integrando assim a Rede Natura 2000, a rede comunitária de áreas protegidas[4]. Por outro lado, o Parque Natural do Douro Internacional é particularmente relevante do ponto de vista do património arqueológico, integrando também arte rupestre paleolítica e sítios arqueológicos coevos[5]. Aliás, a questão do alargamento futuro do estatuto de património mundial ao conjunto da arte rupestre de ar livre ibérica, designadamente a arte dos rios Sabor, Douro e Águeda, tem vindo a ser defendida em diversos contextos,  mesmo na presente publicação[6].
Caminharemos para um mapa mais perfeito se esta classificação vier, no futuro, a ficar aí plasmada. Caminharemos para um mapa mais perfeito se incluirmos a globalidade dos parque naturais que enquadram o curso internacional do Douro, pela importância que têm em termos de avifauna[7], mas também em termos de qualidade da paisagem cultural, de um equilíbrio invulgar. Caminharemos também para um mapa mais perfeito se olharmos para o sul deste território no sentido da nascente do Côa, procurando articular o Douro Superior com o Côa, ganhando toda esta corda fronteiriça que, da Malcata, passando o Reboredo[8], se estende até ao planalto Mirandês. E caminhando para leste, para o interior da Meseta Ibérica. No fim de contas, seguindo, hoje, o território da Pré-História Antiga, o centro da arte rupestre de ar livre e das comunidades humanas que, há 25 mil anos, trouxeram a grande arte das cavernas para o céu aberto. Inventaram a arte da luz.
O mapa sobretudo se aperfeiçoará, se o entendermos como um mapa de um território de baixa densidade, que ganha espessura nesta acção conjugada que liga conhecimento, ciência e criatividade: arqueologia, biologia, enologia, arte... Um território de teve uma acção integrada que deixou frutos (a AIBT do Vale do Côa), de que destacamos dois: o Museu do Côa e a ideia de um território a construir... O Provere do Côa bem poderia dar-lhe continuidade...
Este território tem, para que o Porto o sinta como referência, o eixo que o rio Douro constitui, e que se faz percorrer de barco[9], ou, junto à margem, pela linha ferroviária do Douro, que já não atinge Salamanca e se fica pelo Pocinho, na antecâmcara do Museu do Côa... Um território conservado, classificado, onde a baixa densidade, ou a escassez de gente, moldou uma paisagem ampla, aberta e livre: o território da arte da luz.

 in: Trás-os-Montes e Alto Douro, Mosaico de Ciência Cultura (2011)
A autora
Alexandra Cerveira Pinto Sousa Lima, acerveiraplima@sapo.pt
Licenciada em História, Variante de Arqueologia, pela FLUP (1985).
Mestrado em Arqueologia, na FLUP, sendo orientador da dissertação Carlos Alberto Ferreira de Almeida, com o tema: Sistemas de povoamento e ocupação do espaço em Castro Laboreiro, Serra da Peneda (1994).
É do quadro do Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade. Trabalhou no Parque Nacional da Peneda-Gerês entre 1992 e 1997.
Desde 1997 até 2002 trabalhou no Parque Arqueológico do Vale do Côa e Centro Nacional de Arte Rupestre.
Foi doutoranda da Universidade Nova de Lisboa orientada por Luís Krus, sendo bolseira da FCT desde 2003.
Interrompe a bolsa de doutoramento em 2004 para assumir o cargo de directora do Parque Arqueológico do Vale do Côa (Serviço Dependente do Instituto Português de Arqueologia e, desde 2007, do IGESPAR). Perfaz, em 31 /12/2010, duas comissões de serviço e 90 dias gestão, tendo regressado ao ICNB. Trabalha actualmente na DGAC-N, Parque Natural do Douro Internacional.




[1] Ciclo de conferências por ocasião do Centenário da Universidade do Porto, conferência de Alain Bourdin, 24 de Março de 2011, painel Territórios.
[2] Alain Bourdin , resumo da conferência citada, in colectânea de resumos “Preparar o Futuro – Conferência do Centenário da Universidade do Porto”, 24 e 25 de Março de 2011.
[3] Directiva Aves- nº79/409/CEE, Directiva Habitats nº 92/43/CEE, Decreto-Lei nº 384-B/99 de 23 de Setembro.
[4] Prevendo a protecção, a gestão e o controlo das espécies de aves de estatuto ameaçado, garantindo-lhes a sobrevivência e possibilidade de reprodução.
[5] Identificados, nos concelhos de Figueira de Castelo Rodrigo e Freixo de Espada à Cinta, diversos sítios datáveis da Pré-História Antiga pelos arqueólogos Jorge Sampaio e Thierry Aubry, do Parque Arqueológico do Vale do Côa.
[6] Texto de António Martinho Baptista sobre o Parque Arqueológico e Museu do Côa.
[7] A avifauna é o grupo de maior representatividade, pela elevada diversidade e pela ocorrência de várias espécies ameaçadas, que guardam aqui uma importante parcela das suas populações nidificantes a nível nacional e ibérico. As aves rupícolas são as mais emblemáticas, concentrando-se aqui uma grande percentagem dos efectivos nacionais de algumas das espécies mais ameaçadas, tais como a Cegonha-preta (Ciconia nigra), Abutre do Egipto (Neophron percnopterus), Grifo (Gyps fulvus), Águia-real (Aquila chrysaetos), Águia de Bonelli (Hieraaetus fasciatus), Falcão-peregrino (Falco peregrinus), Bufo-real (Bubo bubo), etc. .in http://portal.icnb.pt/ICNPortal/vPT2007-AP-DouroInternacional)
[8] Ver, a este propósito, Terras do Côa. Da Malcata ao Reboredo. Os Valores do Côa. Guarda, 1998.
[9] E devemos destacar o esforço que o Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos (IPTM) procura fazer para articular o Douro com o Côa, e para dinamizar o Douro Superior.

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