Como se cria um mapa de novas
territorialidades, que são mais abstractas do que geograficamente concretas?
Que são redes de relações, redes geradoras de referências às quais os
indivíduos escolhem pertencer? Seguindo
as palavras de Alain Bourdin, numa conferência recente[1], o
território, hoje, torna-se gerador de referência através, por exemplo, do
património. E é possível cada um de nós comparar a qualidade das referências
que são geradas, é possível querermo-nos reconhecer como membros de um dado
território. Alain Bourdin sublinhava que o território se julga e avalia pela
sua capacidade de gerar acção e referência. Os
limites fortes, a organização em torno de um centro e de uma periferia,
converteram-se em casos raros. Em vez disso, o território apresenta-se como uma
realidade multiforme, incerta, em constante movimento e reinvenção[2]. A
criação do território que evoco neste texto, em torno de um património natural,
arqueológico e artístico de valor excepcional, depende da acção gerada, depende
também, em boa medida, da comunicação. Um aglomerado, uma conjugação de
actividades e actores distintos, mas com raízes similares: arqueólogos, biólogos,
enólogos (que procuram novas formas de fazer vinha de modo cada vez mais
compatível com a biodiversidade), produtores culturais, cruzam-se neste
território, ou, melhor dizendo talvez, nesta construção de um território.
O Museu do Côa que, pela sua
dimensão e qualidade, assinala também a distinção que o Estado português
entendeu fazer a este património cultural e à região, é hoje a mais sólida
marca no Douro Superior e Vale do Côa, e as populações do concelho de Vila Nova
de Foz Côa dir-se-ia que o adoptaram como seu cartão de visita, da mesma forma
que as entidades regionais o fizeram. Importa que as populações dos concelhos
limítrofes o venham a considerar como seu também... Para este desiderato pode
ser relevante, entre outras acções, o alargamento do Projecto “Arquivo de
Memória” e do Clube Unesco a outros municípios do Vale do Côa, por ser um acção
direccionada para o envolvimento das comunidades.
A articulação que se deve
estabelecer, em termos de políticas de conservação, de divulgação, visita,
promoção e fruição, entre o Parque Arqueológico do Vale do Côa e Siega Verde,
os Parques Naturais do Douro e dos Arribes del Duero, assenta não só no seu
estatuto de áreas com um elevado grau de protecção, como no seu estatuto de
entidades públicas partilhando realidades comuns: o Parque Arqueológico do Vale
do Côa partilha boa parte dos seus 20 mil hectares com a ZPE do Vale do Côa,
isto é, a existência das aves rupícolas conduziu à classificação desta área
como Zona de Protecção Especial [3],
integrando assim a Rede Natura 2000, a rede comunitária de áreas protegidas[4].
Por outro lado, o Parque Natural do Douro Internacional é particularmente
relevante do ponto de vista do património arqueológico, integrando também arte
rupestre paleolítica e sítios arqueológicos coevos[5].
Aliás, a questão do alargamento futuro do estatuto de património mundial ao
conjunto da arte rupestre de ar livre ibérica, designadamente a arte dos rios
Sabor, Douro e Águeda, tem vindo a ser defendida em diversos contextos, mesmo na presente publicação[6].
Miradouro da Sapinha, Figueira de Castelo
Rodrigo, Parque Natural do Douro Internacional. Fotografia João Romba. |
Caminharemos para um mapa mais
perfeito se esta classificação vier, no futuro, a ficar aí plasmada.
Caminharemos para um mapa mais perfeito se incluirmos a globalidade dos parque
naturais que enquadram o curso internacional do Douro, pela importância que têm
em termos de avifauna[7],
mas também em termos de qualidade da paisagem
cultural, de um equilíbrio invulgar. Caminharemos também para um mapa mais
perfeito se olharmos para o sul deste território no sentido da nascente do Côa,
procurando articular o Douro Superior com o Côa, ganhando toda esta corda
fronteiriça que, da Malcata, passando o Reboredo[8],
se estende até ao planalto Mirandês. E caminhando para leste, para o interior
da Meseta Ibérica. No fim de contas, seguindo, hoje, o território da Pré-História Antiga, o centro da arte rupestre de ar
livre e das comunidades humanas que, há 25 mil anos, trouxeram a grande arte das cavernas para o céu
aberto. Inventaram a arte da luz.
O mapa sobretudo se aperfeiçoará,
se o entendermos como um mapa de um território de baixa densidade, que ganha
espessura nesta acção conjugada que liga conhecimento, ciência e criatividade:
arqueologia, biologia, enologia, arte... Um território de teve uma acção integrada que deixou frutos (a
AIBT do Vale do Côa), de que destacamos dois: o Museu do Côa e a ideia de um
território a construir... O Provere do Côa bem poderia dar-lhe continuidade...
Este território tem, para que o
Porto o sinta como referência, o eixo que o rio Douro constitui, e que se faz
percorrer de barco[9], ou, junto à margem, pela
linha ferroviária do Douro, que já não atinge Salamanca e se fica pelo Pocinho,
na antecâmcara do Museu do Côa... Um território conservado, classificado, onde
a baixa densidade, ou a escassez de gente, moldou uma paisagem ampla, aberta e
livre: o território da arte da luz.
Alexandra Cerveira Pinto Sousa Lima, acerveiraplima@sapo.pt
Licenciada em História, Variante
de Arqueologia, pela FLUP (1985).
Mestrado em Arqueologia, na FLUP,
sendo orientador da dissertação Carlos Alberto Ferreira de Almeida, com o tema:
Sistemas de povoamento e ocupação do
espaço em Castro Laboreiro, Serra da Peneda (1994).
É do quadro do Instituto de
Conservação da Natureza e da Biodiversidade. Trabalhou no Parque Nacional da
Peneda-Gerês entre 1992 e 1997.
Desde 1997 até 2002 trabalhou no
Parque Arqueológico do Vale do Côa e Centro Nacional de Arte Rupestre.
Foi doutoranda da Universidade
Nova de Lisboa orientada por Luís Krus, sendo bolseira da FCT desde 2003.
Interrompe a bolsa de
doutoramento em 2004 para assumir o cargo de directora do Parque Arqueológico
do Vale do Côa (Serviço Dependente do Instituto Português de Arqueologia e,
desde 2007, do IGESPAR). Perfaz, em 31 /12/2010, duas comissões de serviço e 90
dias gestão, tendo regressado ao ICNB. Trabalha actualmente na DGAC-N, Parque
Natural do Douro Internacional.
[1] Ciclo de conferências por
ocasião do Centenário da Universidade do Porto, conferência de Alain Bourdin,
24 de Março de 2011, painel Territórios.
[2] Alain Bourdin , resumo da
conferência citada, in colectânea de resumos “Preparar o Futuro – Conferência
do Centenário da Universidade do Porto”, 24 e 25 de Março de 2011.
[3] Directiva Aves-
nº79/409/CEE, Directiva Habitats nº 92/43/CEE, Decreto-Lei nº 384-B/99 de 23 de
Setembro.
[4] Prevendo a protecção, a
gestão e o controlo das espécies de aves de estatuto ameaçado, garantindo-lhes
a sobrevivência e possibilidade de reprodução.
[5] Identificados, nos
concelhos de Figueira de Castelo Rodrigo e Freixo de Espada à Cinta, diversos
sítios datáveis da Pré-História Antiga pelos arqueólogos Jorge Sampaio e
Thierry Aubry, do Parque Arqueológico do Vale do Côa.
[6] Texto de António Martinho
Baptista sobre o Parque Arqueológico e Museu do Côa.
[7] A avifauna é o grupo de
maior representatividade, pela elevada diversidade e pela ocorrência de várias
espécies ameaçadas, que guardam aqui uma importante parcela das suas populações
nidificantes a nível nacional e ibérico. As aves rupícolas são as mais
emblemáticas, concentrando-se aqui uma grande percentagem dos efectivos
nacionais de algumas das espécies mais ameaçadas, tais como a Cegonha-preta (Ciconia nigra), Abutre do Egipto (Neophron percnopterus), Grifo (Gyps fulvus), Águia-real (Aquila chrysaetos), Águia de Bonelli (Hieraaetus fasciatus), Falcão-peregrino
(Falco peregrinus), Bufo-real (Bubo bubo), etc. .in http://portal.icnb.pt/ICNPortal/vPT2007-AP-DouroInternacional)
[8] Ver, a este propósito, Terras do Côa. Da Malcata ao
Reboredo. Os Valores do Côa. Guarda, 1998.
[9] E devemos destacar o esforço que o Instituto
Portuário e dos Transportes Marítimos (IPTM) procura fazer para articular o
Douro com o Côa, e para dinamizar o Douro Superior.
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